17 Janeiro 2025
Em 2024, Trump levou em sua plataforma eleitoral o isolacionismo do "America First", se opondo a se envolver em guerras distantes. Mas para a Palantir e para outras empresas tecnológicas ultranacionalistas que se agruparam em torno de sua campanha, a guerra de Israel em Gaza deixou claro a importância de investir em tecnologia militar.
O artigo é de Sophia Goodfriend, publicado por CTXT, 14-01-2025.
Sophia Goodfriend é uma antropóloga que escreve sobre a guerra automatizada em Israel e na Palestina. Atualmente, ela frequenta um curso de pesquisa pós-doutoral na Iniciativa para o Oriente Médio do Centro Belfer na Harvard Kennedy School.
Gaza e o retorno de Trump impulsionam a colaboração em tecnologia de vigilância e guerra controlada por IA entre a indústria de defesa israelense, grandes empresas dos Estados Unidos e fundos de capital de risco.
No dia 10 de dezembro, funcionários do exército israelense, fabricantes de armas e investidores de capital de risco americanos se reuniram na Universidade de Tel Aviv para celebrar a primeira Cúpula de Tecnologia de Defesa da história. No evento, que durou dois dias, ocorreram debates sobre "O futuro do conflito global", "Os desafios da [operação] Espadas de Ferro" (nome dado pelo exército israelense à guerra de Gaza) e "Explorar a inovação em tecnologia de drones". Representantes da Palantir, Sequoia Capital e Elbit compartilharam o palco com o diretor-geral do Ministério da Defesa de Israel e o chefe do Lotem, a unidade do exército dedicada à inteligência artificial e big data.
Eu cheguei na terça-feira de manhã cedo e me coloquei na fila para pegar minha credencial de entrada, entre representantes do Google Cloud e soldados uniformizados do Maf'at, a seção de pesquisa e desenvolvimento do exército israelense. O evento estava lotado de trabalhadores do setor tecnológico, representantes militares e investidores americanos ansiosos para fazer contatos.
Oficialmente, a Cúpula de Tecnologia de Defesa deveria ser uma exibição das "tecnologias e estratégias de ponta de Israel no que diz respeito à segurança global", mas o evento tinha mais o clima de uma celebração da nova e imparável era da tecnomilitarização inaugurada pela reeleição de Trump.
Espera-se que as colaborações entre o exército israelense e os investidores de capital de risco e chefes de empresas americanos se intensifiquem sob a administração de Trump. O "espírito de eficiência governamental" proposto por Trump, supervisionado por Elon Musk, defende projetos conjuntos entre grandes contratantes de Defesa e empresas de tecnologia menores, especialmente em áreas como inteligência artificial e guerra com drones. Como expressou Noam Perski, da Palantir, em seu discurso na terça-feira de manhã: "O que antes era o grupo de especialistas em tecnologia, agora é o grupo de especialistas em tecnologia de defesa".
Muitos dos apoiadores americanos dessa reconfiguração são defensores ardorosos da estratégia militar de Israel em Gaza durante o último ano. Citam o rápido salto do setor militar para o setor de startups como um modelo a ser seguido – e um punhado deles viajou até Ramat Aviv para a ocasião.
Os investidores americanos, com seus sapatos de couro, camisas de grife e botox, se mantinham afastados dos tecnologistas israelenses, que usavam camisetas da Nike, jeans justos e bronzeado excessivo. Mas o buffet no salão de entrada era um verdadeiro caldeirão. Generais de alto escalão e seguranças do serviço secreto recém-saídos da base conversavam com bilionários enquanto tomavam um cappuccino. Todos estavam ansiosos para falar sobre inteligência artificial, investimentos astronômicos em indústrias militares e Elon Musk.
O otimismo que anima essas indústrias de guerra não é mitigado pela devastação contínua em Gaza, um dos conflitos mais letais para os civis da História recente. As acusações de crimes de guerra perante o Tribunal Penal Internacional e de genocídio perante o Tribunal Internacional de Justiça pouco fizeram para desmotivar o governo de extrema-direita de Israel, e nos eventos – assim como, em maior escala, no discurso público israelense – a linha oficial continuou a se inclinar obstinadamente para a "vitória dos justos". "Esta é uma guerra entre o bem e o mal", afirmou Eyal Zamir, diretor-geral do Ministério da Defesa de Israel. "É uma guerra entre a luz e as trevas, e logo vamos acender as velas de Hanukkah".
É uma narrativa que soaria como um estereótipo se não fosse porque é coerente com a visão maniqueísta do mundo adotada pelos falcões do Vale do Silício, que agora estão ascendendo nas esferas do poder político nos Estados Unidos. Entre as empresas mais influentes está a Palantir, a empresa de software conhecida por fornecer vigilância controlada por inteligência artificial e programas para localizar alvos tanto para os EUA quanto para Israel.
"[A partir de 7 de outubro,] a demanda pelos nossos produtos disparou drasticamente. De repente, todas as portas se abriram", contou em novembro a diretora-geral da Palantir Israel, Ayelet Gilan, à Forbes Israel. "Aqui surgiu uma rara oportunidade de colaboração, e conseguimos criar relações que levaram a projetos de coparticipação".
A visão empresarial do futuro da Palantir foi sintetizada por seu CEO, Alex Karp, no Fórum de Defesa Ronald Reagan, que ocorreu em Simi Valley, na Califórnia, poucos dias antes da cúpula de Tel Aviv. "As pessoas querem viver em paz, querem ir para casa... não querem ouvir sua ideologia woke pagã", exclamou. "Querem saber que estão a salvo, e estar a salvo implica que o outro tenha medo: é assim que se consegue que alguém esteja a salvo".
Não é nenhum segredo que o Vale do Silício começou como um experimento do Departamento de Defesa americano, que produziu em grandes quantidades os computadores centrais e microprocessadores que guiaram as operações militares americanas durante a Guerra Fria. Israel rapidamente se tornou sede daquele campus industrial: a IBM e a Intel abriram lá seus primeiros escritórios nos anos 70 do século passado, e nas décadas seguintes, outros gigantes seguiram o mesmo caminho.
A indústria tecnológica israelense, financiada por um fluxo crescente de dinheiro americano desde o final do século XX, nunca escondeu seu papel na guerra regional e na ocupação palestina. De fato, a estreita relação entre o exército e o setor tecnológico é a marca distintiva de Israel como uma nação empreendedora.
Ainda assim, desde os anos 90, as empresas tecnológicas americanas têm tendido a negar seus origens militares. Em vez de falar sobre isso, elas se promoviam como bastiões do progressismo: o slogan do Google era literalmente "não seremos maus". Embora os contratos com o exército fossem comuns, os executivos se certificavam de que fossem firmados em segredo para evitar a ira de funcionários que se queixariam de forma ruidosa sobre a aplicação militar de seus produtos.
Em eventos anteriores da indústria que cobri, começando em 2019, fundadores e generais faziam questão de garantir ao público que a supervisão algorítmica e a localização de alvos por meio de drones ofereciam ferramentas de guerra mais precisas – e, portanto, mais humanitárias. Isso fazia parte de uma narrativa mais ampla, impulsionada por elementos mais centristas do governo de Israel e por instituições de segurança historicamente liberais, a ideia de que as tecnologias digitais e automatizadas ajudariam a minimizar o impacto da guerra e da ocupação sobre as vidas dos civis.
Ao longo dos últimos anos, no entanto, a tendência tem mudado pouco a pouco, tanto nos Estados Unidos quanto em Israel. Hoje, os fundadores de empresas tecnológicas americanas se veem como uma nova classe de guerreiros que está reconstruindo orgulhosamente seu país à imagem da "nação guerreira" de Israel. O governo ultradireitista de Israel e a realeza do Vale do Silício aderem à doutrina de segurança de "paz pela força", promovendo exibições de violência letal como única forma de fortalecer a segurança nacional – o que Alex Karp, da Palantir, descreve como "amedrontar o inimigo".
Na Cúpula de Tecnologia de Defesa deste ano, não parecia haver necessidade de apelar para leis internacionais de direitos humanos nem para normas diplomáticas. Hamutal Meridor, ex-diretora geral da Palantir Israel, explicou isso à audiência: "Quando eu estava na Palantir, costumavam acontecer manifestações na porta dos nossos escritórios", lembrou. "Mas aparentemente agora todo mundo acha que voltou a haver boa onda [com a tecnologia de defesa]".
Shaun Maguire, sócio da Sequoia Capital e defensor sem complexos da estratégia militar de Israel em Gaza, ofereceu aos participantes uma imagem igualmente favorável do complexo industrial militar atual: "Há três anos, se você conversasse com as pessoas, elas diriam que você era uma má pessoa por trabalhar para o exército. Mas agora a situação está mais otimista – a psicologia de toda a questão está mudando".
Em 2024, Trump levou em sua plataforma eleitoral o isolacionismo do "America First", se opondo a se envolver em guerras distantes. Mas para a Palantir e para outras empresas tecnológicas ultranacionalistas que se agruparam em torno de sua campanha, a guerra de Israel em Gaza deixou claro a importância de investir em tecnologia militar.
"As pessoas veem o que está acontecendo na Ucrânia ou em Israel... e dizem: ‘Cara, eu adoraria me dedicar a algo que tenha uma utilidade real para a humanidade’", disse Trae Stephens, cofundador da empresa americana de tecnologia de defesa Anduril, em uma entrevista à Wired em setembro. Neste mesmo mês, Anduril e OpenAI anunciaram que vão colaborar para fornecer ao Departamento de Defesa sistemas de defesa controlados por inteligência artificial, e recentemente Stephen teve uma conversa com a equipe de transição de Trump sobre os planos para atualizar o setor militar dos Estados Unidos.
Desde o dia 7 de outubro, as tropas de Israel têm contado com todo um arsenal de armas e sistemas de vigilância – muitos deles fabricados ou mantidos por gigantes da tecnologia americanos como Palantir, Amazon, Google e Microsoft – no implacável bombardeio de Gaza por terra e ar que o país tem conduzido, o que matou pelo menos 45.000 pessoas e danificou ou destruiu 60% dos edifícios. E, como revelaram os relatórios de +972, sistemas de localização de alvos como Lavender e The Gospel foram usados para multiplicar os números de mortos em toda a Faixa, muitas vezes em flagrante violação das leis internacionais.
Mas, enquanto essas táticas não conseguiram alcançar os objetivos de Israel em Gaza, a guerra prolongada – que o ex-chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa israelenses, Moshe Ya'alon, descreveu recentemente como digna de ser chamada de "limpeza étnica" – reanimou as carteiras financeiras dos CEOs de tecnologia e dos investidores de capital de risco dos EUA. Muitos deles continuam firmando novos acordos com o exército israelense e injetando dinheiro no mercado de tecnologia militar do país.
Há alguns dias, um fundo de investimentos dos EUA comprou a empresa israelense de software espião Paragon por mais de quinhentos milhões de dólares, apesar dos esforços da administração Biden para impedir a venda de sistemas semelhantes. Entre os EUA e Israel surgiram tensões após tecnologias de vigilância similares, vendidas pela NSO Group, uma empresa israelense de software espião, serem relacionadas a violações de direitos humanos ao redor do mundo. Mas aqueles que conhecem a indústria acreditam que a reeleição de Trump marca uma nova era de colaboração, até mesmo para as empresas israelenses mais polêmicas.
"Nos próximos quatro anos, vamos entrar em uma época de colaboração muito mais fluida entre Israel e os Estados Unidos e em uma espécie de visão mais alinhada sobre como garantir segurança na região", declarou Shaun Maguire, da Sequoia Capital, em seu discurso na cúpula. Que Kamala Harris tivesse sido presidente, acrescentou, "teria sido uma péssima notícia para Israel".
Lorne Abony, sócio-executivo do fundo de investimentos Texas Ventures, e um dos maiores patrocinadores das empresas de tecnologia militar israelenses desde o início da guerra, explicou em termos mais simples: "Os próximos anos serão um renascimento para Israel. Temos todas as fichas colocadas no Departamento de Defesa [americano]". A multidão aplaudiu com entusiasmo.