29 Junho 2024
À luz dos acontecimentos dos últimos anos, muitos analistas geopolíticos destacaram como a Guerra Fria nunca tenha realmente terminado, mas que apenas tenha vivido um período de aparente calma, entre a década de 1990 e o início da década de 2000.
A reportagem é de Elisa Ruaro, publicada por Settimana News, 26-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Também evidenciaram como a ordem global estabelecida pelos Estados Unidos após a dissolução da URSS hoje não é mais aceita, em particular pelos países não europeus e isso é evidenciado pelo nascimento da união das economias emergentes, BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e com a adição da Etiópia, Egito, Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos) e pela grande quantidade de países que desejam aderir.
O choque entre o “bloco ocidental”, representado pelos Estados Unidos e a União Europeia, e o “bloco oriental”, agora composto pela Rússia e pela China, é, agora como no passado, acirrado. Tais tensões surgem de diversas motivações, que afundam as suas raízes em temas políticos, de segurança internacional, religiosos, históricos e de valores.
O que mudou hoje, em relação ao século passado, é que o que está em jogo já não é mais representado pela influência exercida no continente europeu, mas naquela exercida no continente africano. De fato, a Europa agora já está firmemente dividida entre países que gravitam em torno dos EUA, como a Itália, a Alemanha e a França, e países que partilham as políticas e as ideologias de Moscou e Pequim, como a Eslováquia, a Sérvia e a Hungria.
O continente africano, com a sua longa história de colonização, vive um período de mudanças. Nos últimos anos, a África está tentando de todas as maneiras se distanciar dos colonos europeus: elegendo novos representantes políticos; eliminando o uso das línguas europeias na vida cotidiana e nas escolas; aliando-se a novos parceiros políticos, militares e comerciais na Rússia e na China. Isso porque as duas potências do “bloco oriental” oferecem maiores garantias de crescimento e uma maior autonomia de decisão do que aquelas concedidas pela Europa.
A África é um continente rico em recursos naturais, hídricos, florestais, de mineração e energéticos, como gás e petróleo, sem dúvida muito úteis para ambas as potências.
Também é crucial, especialmente para a Rússia de hoje, a posição estratégica ocupada no Norte de África. O Norte de África, de fato, é uma junção muito importante entre o Oriente Médio e o Mediterrâneo, e o controle da região permitiria à Rússia consolidar a sua presença e influência numa área geopoliticamente fundamental. Uma aliança que poderia parecer perfeita, aquela entre a África que quer fortalecer-se em nível energético e ser independente dos colonos europeus, e a Rússia que quer aumentar a sua influência política e os seus investimentos comerciais em detrimento do Ocidente.
Três exemplos do distanciamento do continente africano em relação à Europa e da sua aproximação ao eixo russo-chinês, com um foco particular na Rússia, são constituídos por: Marrocos, Egito e Sudão. São três países que têm vínculos de diversa intensidade com o bloco oriental e que fornecem uma clara panorâmica do que está acontecendo e de como os “equilíbrios” estejam mudando.
Nos últimos anos, o Marrocos enveredou por um percurso de distanciamento político, econômico e cultural da Europa ou, melhor dizendo, de França, potência colonial que, durante décadas, controlou o país, tornando-o seu protetorado de 1912 a 1956. Em primeiro lugar, em nível social, o Marrocos procura eliminar, ou reduzir, o uso da língua francesa e está redescobrindo as suas origens e a sua rica cultura.
No nível econômico, no entanto, está procurando novos parceiros comerciais. Na Europa encontrou-os na Espanha e Portugal, enquanto no nível internacional está fechando vários acordos com a Rússia e a China. Rabat, de fato, está estipulando um memorando de entendimento com a empresa nacional russa de energia atômica, Rosatom, para resolver o problema da seca mediante o sistema de dessalinização da água do Atlântico, graças à utilização da energia atômica.
O Egito e a Rússia celebraram recentemente oitenta anos de sólidas relações bilaterais, e o Egito confirmou-se como um dos parceiros mais importantes e de maior confiança da Rússia na África. Essas comemorações foram seladas com a inauguração do quarto reator da central nuclear egípcia, construída pelos russos, em El Dabaa, perto da capital, Cairo.
Outro fator importante a recordar é que o Egito é um dos novos países que aderiram aos BRICS no início do ano. No ano passado, em 2023, o governo egípcio tinha declarado à Itália e a toda a Europa que considerava os estados emergentes, os BRICS, parceiros mais adequados para o desenvolvimento econômico do país.
A entrada do país na união das economias emergentes foi favorecida pela Rússia, com o embaixador russo no Cairo, Georgy Borisenko, que em junho de 2023 tinha ressaltado o interesse do Egito em aderir à aliança econômica, a fim de maximizar as trocas comerciais internacionais e afastar o dólar estadunidense.
O exemplo mais recente é o Sudão. Em 25 de maio, Yasser al-Atta, general e membro do Conselho Soberano do Sudão, reiterou a decisão do país de firmar acordos comerciais e de cooperação com Moscou. Entre esses acordos está também o estabelecimento de um centro logístico de desenvolvimento naval no Mar Vermelho, em Porto Sudão. Nos últimos dias, após anos de tratativas, parece que os dois países tenham chegado a um acordo formal, que concederia a Moscou a permissão de instalar os seus soldados e navios de guerra nas costas do Mar Vermelho. A aliança entre Cartum e Moscou permitiria a esta última controlar uma das rotas marítimas mais importantes do mundo e ver crescer ainda mais o seu papel e a sua influência na África e na Península Arábica.
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A “Guerra Fria” está sendo travada na África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU