14 Janeiro 2025
"Se os liberais não souberem se unir, a Internacional reacionária poderá fazer da democracia uma curiosa recordação, como a máquina de escrever e a charrete", adverte Aldo Cazzullo, escritor, em artigo publicado por Corriere della Sera, 10-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A saída do primeiro-ministro canadense Justin Trudeau e a troca em Londres de Elon Musk, que largou Nigel Farage pelo extremista Tommy Robinson, aparentemente não estão ligadas. Na realidade, são duas entre as muitas facetas do mesmo prisma. E o prisma é a maior revolução política do século, a mais importante desde a queda dos totalitarismos do século XX, o nazi-fascismo e o comunismo. O prisma é a nova direita global, que tem uma visão imperialista, mas tem como líder não uma nação, mas um homem, embora fabulosamente rico: Elon Musk.
Trudeau não é um homem de esquerda. Pelo menos não no sentido novecentista da palavra, o sentido que ainda hoje se usa na Itália. Trudeau obviamente não é comunista, mas nem mesmo socialista. É um liberal. Ele acredita na propriedade privada dos meios de produção, no livre mercado, na flexibilidade do trabalho, em todos os aspectos sem os quais os sistemas econômicos modernos não funcionam. Além disso, é claro, acredita na proteção social (com algumas nuances populistas), nos direitos das mulheres, na defesa das minorias e nas várias formas de diversidade, que enriquecem um país culturalmente, artisticamente e também economicamente.
Mas Trudeau não resistiu ao ciclone Trump. Ele anunciou que não concorrerá nas próximas eleições, com medo de perdê-las. Sua temporada chegou ao fim.
Trump não quer apenas tomar o Canadá, a Groenlândia e o Panamá. Trump quer se colocar à frente de um movimento mundial. Mas o posto já está ocupado. Porque o presidente, em menos de dois anos, terá que defender sua pequena maioria no Congresso, e não será fácil, já que, nesse meio tempo, ele não terá tomado o Canadá, nem a Groenlândia nem o Panamá, sempre que essas forem as prioridades dos estadunidenses. Musk tem muitos anos a menos, muitos bilhões a mais e ainda não precisa invadir outros países: limita-se a identificar seu homem, ou sua mulher, em cada um deles.
Na Itália, ele tem a primeira-ministra. Na Áustria, o provável futuro primeiro-ministro. Na Alemanha, ofereceu o X à líder do Alternative fuer Deutschland, que em fevereiro poderia se tornar o segundo maior partido da Alemanha, atrás dos vencedores da Cdu, que não excluem mais a priori formas de colaboração. No Reino Unido, Musk tinha Farage. Que, no entanto, não servia mais. Farage tampouco é um homem de direita no sentido que nós atribuímos à palavra. Ele também é um liberal, embora diferente de Trudeau. Os ídolos de Farage são Churchill, que derrotou Hitler, e Thatcher, que derrubou a junta de generais argentinos. Farage é um nacionalista britânico, que certamente abomina a UE e a imigração, mas ainda acredita que os homens nascem livres e iguais, e não quer ter nada a ver com Robinson, que promete deportar os britânicos de religião muçulmana. Assim como na França, Eric Zemmour, não por acaso convidado por Trump para sua posse.
A islamofobia é uma das características em comum entre Musk e Trump, que abriu seu primeiro mandato com o “Muslim Ban”, para fechar as fronteiras aos refugiados sírios, iraquianos, somalis, sudaneses, iranianos, líbios e iemenitas, e que agora inaugura seu segundo mandato ameaçando desencadear o inferno no Oriente Médio e, em particular, em Gaza, que um paraíso nunca foi, muito menos no último ano.
Se pudessem falar, Giulio Andreotti e Bettino Craxi nos lembrariam que, para nós, italianos, um confronto frontal com o Islã não é uma grande ideia, já que o Islã está a duas horas de barco de nossas costas e, nesse interim, temos alguns milhões de imigrantes muçulmanos em casa. Mas o problema não é só esse.
Tendo crescido no simpático ambiente da África do Sul do apartheid, Musk está firmemente convicto na desigualdade entre os seres humanos. Seu mundo ideal é aquele em que quanto mais rico você for, menos impostos você paga. Se a espécie humana está em risco de extinção, isso não é problema dele; Marte está a um passo de distância, pelo menos para ele e seus entes queridos; e construir a imortalidade é um objetivo muito mais fascinante do que consertar o obsoleto serviço nacional de saúde, que, aliás, não existe nos Estados Unidos (mas no Canadá ainda existe).
Andrea Stroppa, o homem de Musk na Itália, criou um meme retratando seu chefe como um patrício romano, ao lado do imperador Trump e da matrona Meloni. Mas Trump será imperador por quatro anos. O império de Musk está apenas começando, e durará muito mais. Se tivessem nos dito somente alguns anos atrás que Farage seria moderado demais e Trudeau esquerdista demais, que os Bushes, Cheney e McCain votariam nos democratas (e perderiam) e que um bilionário convidaria os alemães a votar em um partido 20% anti-antinazista, teríamos achado que era uma piada. Em vez disso, não há nenhum motivo para rir. E se os liberais, ou o que resta deles, não souberem se unir, então a Internacional reacionária, como Macron a chama, poderá fazer o que quiser. Até mesmo flertar com a Rússia de Putin e a China de Xi, fazendo da democracia uma curiosa recordação, como a máquina de escrever e a charrete.
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A nova direita global. Artigo de Aldo Cazzullo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU