09 Janeiro 2025
"Enquanto a propaganda da maldade era prerrogativa de políticos e jornalistas inescrupulosos, era possível (erroneamente) minimizá-la como sendo um fenômeno folclórico. Mas agora que o incitamento, textual, à 'guerra civil' está sendo lançado diretamente pela elite tecnológica, um novo poder que não precisa mais nem mesmo se disfarçar de antielite, é preciso dar-se conta da novidade".
O artigo é de Gad Lerner, jornalista e escritor radicado na Itália, publicado por Il Fatto Quotidiano, 08-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Uma mulher fantástica, realmente tomou a Europa de assalto”. Donald Trump, na noite de sábado, escolheu bem as palavras com as quais deu as boas-vindas a Giorgia Meloni em sua residência em Mar-a-Lago: um cumprimento que preanuncia uma tarefa, uma missão comum. Tomar a Europa de assalto.
Trump age em conjunto com Elon Musk, o grande amigo da primeira-ministra italiana, que, depois de comprar o Twitter, rebatizou-o de X e começou a usá-lo como um cassetete. Somente nos últimos dias, ele chamou de idiota e estuprador os líderes britânico e alemão; amanhã, sempre no X, oficializará seu apoio à Alternative für Deutschland. Empurrões, um após o outro, para acelerar o realinhamento das classes dirigentes em torno de plutocratas como ele, monopolista das telecomunicações, cercado por uma aura de genialidade e, além disso, homem mais rico do mundo.
Não sei quanto tempo durará a parceria entre Trump e Musk, mas hoje certamente os une com a intenção de desmantelar a UE ou, pelo menos, submeter seus países membros um a um. Essa é a estratégia da qual Meloni está sendo chamada para se tornar peão. Os novos potentados da “Geopolítica da Inteligência Artificial” (definição de Alessandro Aresu) superam em muito a estreita dimensão das direitas nacionalistas isoladas. Bastaria o espetáculo embaraçoso de Salvini competindo com a primeira-ministra sobre quem bajula mais Musk, colocando tapetes nos compartimentos da nossa segurança para sua SpaceX, para constatar como o nacionalismo “caça-votos” é meramente decorativo.
No século XXI, a interdependência dos sistemas de defesa e comunicação é tamanha que torna obsoleta e inautêntica a retórica patriótica dos isolacionistas. Isso vale para as grandes potências, imaginem para nós. Aqueles que foram os líderes incontestáveis das direitas novecentistas no mundo contemporâneo podem, na melhor das hipóteses, aspirar ao papel de “laranja”. Elon Musk costuma trocar referências políticas como se fossem as meias. Basta ver a facilidade com que ele abandonou seu protegido inglês Nigel Farage, culpado de se distanciar de Tommy Robinson, supremacista exagerado (hoje na cadeia) fomentador dos tumultos contra imigrantes no verão passado. Na Alemanha, é evidente qual é o objetivo de Musk: dar um forte impulso à extrema-direita a ponto de obrigar os Populares a levá-la para o futuro governo. Exatamente como acontece na Áustria, de forma invertida.
Enquanto a propaganda da maldade era prerrogativa de políticos e jornalistas inescrupulosos, era possível (erroneamente) minimizá-la como sendo um fenômeno folclórico. Mas agora que o incitamento, textual, à “guerra civil” está sendo lançado diretamente pela elite tecnológica, um novo poder que não precisa mais nem mesmo se disfarçar de antielite, é preciso dar-se conta da novidade. As partes se inverteram: hoje em dia pode até ter se tornado politicamente incorreto ousar fazer referências ao fascismo de outrora, mas um belicoso autoritarismo contemporâneo está se desdobrando, e não apenas em palavras. Baseado no poder do dinheiro, das armas, do domínio do espaço e da manipulação da realidade.
Não é apenas uma coincidência fortuita que - enquanto a política fica tagarelando sobre a oferta “muito vantajosa” da SpaceX ao governo italiano, temperada por Musk com ameaças aos juízes culpados de obstruir sua ação - chega uma notícia menor, mas significativa: a cooptação de John Elkann para o conselho de administração da Meta, a multinacional de Mark Zuckerberg. Deve-se notar imediatamente que também o criador do Facebook, depois de ter ido a Mar-a-Lago para beijar os pés de Trump, apressou-se a se adequar. Juntamente com Elkann, um empresário das artes marciais, Dana White, que há 25 anos está entre os apoiadores mais próximos do novo presidente dos EUA, entra para o conselho de administração da Meta. Uma figura “garantidora”, digamos assim, da futura comunicação das mídias sociais outrora adversas. Que imediatamente providenciam à remoção do fact-checking, a verificação dos fatos, detestada por Trump.
O poder midiático de Elkann certamente não é comparável ao de Musk; nem a origem automotiva de seus patrimônios seria suficiente para aproximá-los. Hoje, entre a Tesla e a Stellantis há um abismo, e sabem algo sobre isso os trabalhadores italianos que estão assistindo ao reposicionamento internacional do último dos Agnelli. Mesmo que apenas simbólico, no entanto, a entrada de Elkann na elite do poder midiático planetário sinaliza uma ambição, se não uma estratégia, que vai muito além dos investimentos editoriais na província italiana. Musk faz prosélitos, mostra o caminho, estimula a emulação. Quando gastou 44 bilhões para comprar o Twitter, parecia uma loucura. Ninguém poderia imaginar a falta de escrúpulos com que ele o empregaria. O poder do novo capitalismo também passa pela manipulação de nossos cérebros, além da submissão da política. Vamos valorizar e cuidar desse nosso jornalismo artesanal independente.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Musk e Elkann: o poder da mídia atrai a todos. Artigo de Gad Lerner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU