11 Janeiro 2025
De acordo com as últimas estimativas em um relatório para a Organização Internacional do Trabalho compilado em conjunto com a Unicef, o trabalho infantil atingiu níveis alarmantes, envolvendo mais de 160 milhões de crianças em todo o mundo, quase 1 em cada 10. Dessas, 79 milhões estavam empregadas em trabalhos perigosos que ameaçam sua saúde. Esses pequenos, vítimas de “uma economia que não respeita a vida”, foram ontem o foco da catequese do Papa Francisco das quartas-feiras na Sala Paulo VI. Em sua reflexão, dedicada ao tema “Os mais amados do Pai”, o Pontífice fez um forte apelo para que as crianças não sejam “roubadas de sua infância”. “As crianças ocupam um lugar especial no coração de Deus”, disse o Papa, “e qualquer um que prejudique uma criança terá que prestar contas a Ele”. O flagelo do trabalho infantil, no entanto, é, na verdade, um fenômeno preocupantemente crescente, particularmente grave na África Subsaariana, onde há 87 milhões de crianças envolvidas, 24% da população infantil da região. Aqui, o trabalho infantil excede os níveis registrados em todas as outras áreas combinadas. A agricultura é o setor mais envolvido, empregando 70% das crianças trabalhadoras.
Mas nem tudo é sombrio: há muitos voluntários e missionários (leigos e religiosos) em todo o mundo empenhados em dar um futuro às crianças exploradas.
A mensagem é de Papa Francisco, publicada por Avvenire, 09-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caros irmãos e irmãs, bom dia! Gostaria de dedicar esta e a próxima catequese às crianças e refletir sobre o flagelo do trabalho infantil. Hoje podemos voltar o olhar para Marte ou para mundos virtuais, mas temos dificuldade de olhar nos olhos de uma criança que foi deixada à margem e está sendo explorada e abusada. O século que gera inteligência artificial e projeta existências multiplanetárias ainda não acertou as contas com o flagelo da infância humilhada, explorada e mortalmente ferida. Vamos pensar sobre isso.
Em primeiro lugar, vamos nos perguntar: qual é a mensagem que a Sagrada Escritura nos dá sobre as crianças? É curioso notar que a palavra que mais se repete no Antigo Testamento, depois do nome divino de Yahweh, é a palavra ben, ou seja, “filho”: quase cinco mil vezes. “Eis que os filhos (bem) são herança do Senhor; e o fruto do ventre, o seu galardão” (Sl 127,3). Os filhos são um dom de Deus. Infelizmente, esse dom nem sempre é tratado com respeito. A própria Bíblia nos leva às ruas da história, onde ressoam cantos de alegria, mas também se elevam gritos das vítimas. Por exemplo, no livro de Lamentações, lemos: “A língua do que mama fica pegada pela sede ao seu paladar; os meninos pedem pão, e ninguém lho reparte” (4,4); e o profeta Naum, relembrando o que tinha acontecido nas antigas cidades de Tebas e Nínive, escreve: “seus filhos foram despedaçados no topo de todas as ruas” (3,10). Pensemos em quantas crianças hoje estão morrendo de fome e dificuldades, ou despedaçadas pelas bombas. Até mesmo sobre o recém-nascido Jesus, desaba imediatamente a tempestade da violência de Herodes, que manda massacrar as crianças de Belém. Um drama sombrio que se repete em outras formas na história. E eis que, para Jesus e seus pais, o pesadelo de se tornarem refugiados em um país estrangeiro, como acontece com tantas pessoas também hoje (cf. Mt 2,13-18), com tantas crianças. Após a tempestade, Jesus cresce em um vilarejo nunca mencionado no Antigo Testamento, Nazaré; aprende o ofício de carpinteiro de seu pai legal, José (cf. Mc 6,3; Mt 13,55). Assim, “o menino crescia e se fortalecia, cheio de sabedoria, e a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2,40). Em Sua vida pública, Jesus pregava pelas aldeias com seus discípulos. Certo dia, algumas mães se aproximaram dele e lhe apresentaram suas crianças para que as abençoasse, mas os discípulos as repreenderam. Então Jesus, rompendo com a tradição que considerava a criança apenas um objeto passivo, chama os discípulos e diz: “Deixai vir a mim os meninos, e não os impeçais, porque dos tais é o reino de Deus.”. E assim ele aponta para os pequeninos como um modelo para os adultos. E acrescenta solenemente: “Em verdade vos digo que, qualquer que não receber o reino de Deus como menino, não entrará nele.” (Lc 18,16-17). Em uma passagem semelhante, Jesus chama uma criança, coloca-a no meio dos discípulos e diz: “a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus” (Mt 18,3). E depois adverte: “Mas se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe seria amarrar uma pedra de moinho no pescoço e se afogar nas profundezas do mar” (Mt 18,6).
Irmãos e irmãs, os discípulos de Jesus Cristo nunca deveriam permitir que as crianças sejam negligenciadas ou maltratadas, que sejam privadas de seus direitos, que não sejam amadas nem protegidas. Os cristãos têm o dever de prevenir com empenho e condenar com firmeza as violências ou os abusos contra os menores.
Ainda hoje, em especial, crianças demais são obrigadas a trabalhar. Mas uma criança que não sorri, uma criança que não sonha, não será capaz de conhecer ou fazer florescer seus talentos. Em todos os lugares da terra há crianças exploradas por uma economia que não respeita a vida; uma economia que, ao fazê-lo, queima nossa maior reserva de esperança e de amor. Mas as crianças ocupam um lugar especial no coração de Deus, e qualquer um que prejudicar uma criança terá de prestar contas a Ele.
Caos irmãos e irmãs, aqueles que se reconhecem como filhos de Deus e, especialmente, aqueles que são enviados para levar as boas novas do Evangelho aos outros, não podem ficar indiferentes; não podem aceitar que as irmãzinhas e os irmãozinhos, em vez de serem amados e protegidos, sejam roubados de sua infância, de seus sonhos, vítimas de exploração e marginalização.
Peçamos ao Senhor que abra nossas mentes e corações para o cuidado e a ternura, e que cada menino e menina possa crescer em idade, sabedoria e graça (cf. Lc 2,52), recebendo e doando amor.
Obrigado.
Francisco.
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“Quem explora crianças terá que prestar contas a Deus”, afirma Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU