13 Novembro 2024
"Mais de um ano após o ataque terrorista de 7 de outubro, a economia da Cisjordânia está em colapso. Os cofres da Autoridade Palestina estão vazios, Israel, que recolhe as taxas alfandegárias e deveria devolvê-las à AP todos os meses, em vez disso, retém parte delas", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado por La Stampa, 11-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há alguns dias, Issa Jbour, 70 anos, e sua esposa Mariam saíram de Yatta, a cidade onde vivem na Cisjordânia, na província de Hebron, para chegar à suas terras perto de Susya e colher azeitonas.
Antigamente moravam lá, mas em 2011 o exército israelense demoliu tendas, barracos e cisternas de água. Depois veio a ordem de evacuação. Os palestinos foram obrigados a desocupar 88 dunums de terra que, como ficou claro com o passar dos anos, foram usados para dar lugar aos colonos, seus assentamentos e ao parque arqueológico.
Desde então, Issa Jbour e sua esposa só voltam para colher as azeitonas. Ou pelo menos tentam. Eles tentaram novamente no outro dia, quando dois colonos a cavalo, vindos do assentamento mais próximo, começaram a molestá-los e a danificar suas árvores.
Issa e Mariam tentaram pedir ajuda ao exército, que havia chegado a Susya nesse meio tempo, mas que ficou parado à beira da estrada, observando.
Enquanto tentava arrastar um balde com as poucas azeitonas que restavam em sua mão, Issa virou-se para os soldados e disse: “Vocês não deveriam nos proteger e prender aqueles ali? Chegará o dia em que vocês nos tratarão como seres humanos?”
Em seguida, ele se sentou com sua esposa em uma pedra. Esperaram que os colonos fossem embora e pegaram pelo menos um saco cheio de azeitonas. Pouco, nada, para alguém que deveria viver disso. Sua família inteira no passado vivia da agricultura e do pastoreio. Hoje, para sobreviver às restrições do exército que os impede de acessar suas terras, venderam metade dos animais que tinham.
Antes de ir embora, Issa se aproxima dos soldados uma última vez. Ele lhes mostra a permissão da autoridade civil israelense. “Posso ir lá, é minha terra”. Mas eles insistem que não, que ele não pode. “Tente novamente amanhã”, lhe dizem. “Talvez tenha mais sorte”.
Mais de um ano após o ataque terrorista de 7 de outubro, a economia da Cisjordânia está em colapso. Os cofres da Autoridade Palestina estão vazios, Israel, que recolhe as taxas alfandegárias e deveria devolvê-las à AP todos os meses, em vez disso, retém parte delas. Deduções que em um ano reduziram pela metade a receita da Autoridade Palestina, que agora mal consegue pagar os salários, levando a crise fiscal da Cisjordânia à beira de um “colapso sistêmico”, de acordo com o Banco Mundial. Não falta apenas o dinheiro dos impostos, falta também, e acima de tudo, o trabalho. Depois do 7 de outubro, Israel suspendeu as permissões de trabalho de cerca de 140.000 trabalhadores palestinos que costumavam se deslocar da Cisjordânia e agora estão sendo substituídos por mão de obra indiana. O resultado é que a taxa de desemprego e a pobreza aumentaram vertiginosamente, com o risco de um abismo não apenas econômico, mas também social. A taxa de desemprego na Cisjordânia mais do que dobrou em relação aos níveis anteriores à guerra, chegando a uma estimativa de 31% no segundo trimestre de 2024, em comparação com cerca de 13% no ano anterior, de acordo com o Escritório Central de Estatísticas da Palestina. A agravar a situação, pelo segundo ano, são os obstáculos à agricultura.
A temporada de colheita do ano passado aconteceu imediatamente após os ataques do Hamas, os colonos judeus atacaram repetidamente os campos palestinos e os agricultores foram proibidos de entrar em suas terras pelas autoridades israelenses.
Em 2023, mais de 9,600 hectares de terras de cultivo de oliveiras na Cisjordânia não foram colhidos devido às restrições israelenses, resultando na perda de 1,200 toneladas de azeite de oliva, no valor de US $ 10 milhões, acrescentaram.
Este ano, o trabalho nos campos tem um duplo significado, o primeiro simbólico: para os palestinos, os olivais representam as raízes de sua presença aqui; o segundo econômico, porque através do trabalho nos campos muitos pais de família tentam absorver os efeitos do desemprego recente.
Os agricultores palestinos na Cisjordânia, de acordo com um grupo de especialistas afiliados às Nações Unidas, estão enfrentando “a mais perigosa temporada de azeitonas de todos os tempos” e enfatizaram que “limitar a colheita das azeitonas, destruir pomares e proibir o acesso a fontes de água é uma tentativa de Israel de expandir seus assentamentos ilegais”.
De acordo com a ONG israelense Yesh Din, somente nos primeiros 15 dias de outubro, os colonos atacaram os agricultores palestinos 40 vezes. Ataques físicos, furto de suas colheitas, olivais inteiros destruídos ou incendiados.
Neste ano, como nos anteriores, os palestinos sabem que devem coordenar seus deslocamentos para ir às suas terras com o exército. Também neste ano, eles registraram suas solicitações. Mas poucos receberam autorizações. Entre eles, a família Abu Salama, em Faqqua.
Faqqua é uma pequena cidade no norte da Cisjordânia, um lugar tranquilo onde vivem cerca de cinco mil pessoas. As estradas que levam a Faqqua estão repletas de olivais e hortas. Não se respira a tensão de Jenin, que não fica muito longe. Não há soldados circulando, ou pelo menos não se veem.
A ocupação só pode ser reconhecida pela barreira de separação, que sanciona os territórios anexados por Israel, e os assentamentos judeus que podem ser vistos do outro lado, como Maale Gilboa. As árvores estão quase todas carregadas de azeitonas, há poucas, muito poucas pessoas, nos campos. Há menos de um mês, em 17 de outubro, Husam Abu Salama, 66 anos, sua esposa Hanan, 59 anos, e seu filho mais velho, Fares, foram para as suas terras. Eles estenderam cobertores sob as árvores e apoiaram algumas escadas. Esperaram dois dias após o início da temporada de colheita para ir aos campos. Dois dias antes, os moradores de Faqqua haviam recebido a notícia de que, após a proibição do ano passado, a administração palestina havia chegado a um acordo para permitir a colheita de azeitonas a até 100 metros da barreira de separação.
No dia seguinte, quase todo mundo já havia chegado aos terrenos, mas os Salama preferiram a cautela. Eles esperaram um dia para ter certeza de que a temporada de colheita não começaria com nenhum incidente ou visita indesejada dos colonos. Como não houve nenhuma, no dia seguinte o casal de idosos chegou no campo bem cedo. Por volta das 8h, eles viram um carro de segurança israelense passar do outro lado da cerca, o carro parou e um dos soldados saiu e disparou um tiro de advertência para mantê-los longe do muro. O que eles continuaram a fazer, sem nunca se afastar de suas terras, nas quais tinham permissão para colher as azeitonas.
Uma hora depois, chegou outro veículo militar do qual saíram quatro soldados. Um deles saiu do veículo e começou a atirar. Husam tirou o chapéu e o acenou para os soldados, depois começou a acenar com as mãos e a gritar para que parasse. Mas o soldado não parou. Os três tentaram correr e se esconder atrás do trator da família. Então Hanan gritou: “Fui atingida, socorro”. Husam se virou e ela já estava no chão, ferida no peito. Ele voltou com Fares para arrastá-la, e eles a colocaram no carro já agonizante. Tudo o que Husam se lembra desses momentos é que ele estava segurando a esposa com força enquanto ela sangrava pela boca. Eles chamaram uma ambulância que a levou para o hospital Ibn Sina em Jenin, onde ela morreu uma hora mais tarde.
De acordo com uma investigação da organização de direitos humanos B'Tselem, depois que Hanan foi baleada, os soldados continuaram a atirar. Não houve arremesso de pedras contra os soldados, nenhum protesto contra o exército. Nada. Apenas uma família cuidando de sua terra e de suas azeitonas no início da temporada de colheita. Husam quer mostrar o local onde Hanan foi morta. Ele sobe até o topo de uma pequena colina, ao redor olivais dos quais não pode colher nada e de uma terra que não pode mais trabalhar. Essa não é a única propriedade que ele tem, porque a sua, como milhares de outras, é uma história de terra e de desapropriações. Ao longo da encosta oposta, uma cerca de arame estabelece a fronteira de 1967, os territórios ocupados e anexados por Israel. Do outro lado da barreira, a família Salama ainda tem 50 acres. Ou melhor, tinha, porque eles foram confiscados.
Husam as chama de terras de 1948 e terras de 1967. Hoje, diz ele, não pode cultivar nenhuma das duas.
Quando volta para casa, seis de seus 14 netos estão esperando por ele no quintal. Ele se senta com eles no jardim, serve chá e mostra uma foto de Hanan. Não derrama nem uma lágrima. Nunca pronuncia uma palavra de ódio. Ela gostaria de justiça, isso sim. Mas está ciente de que não a obterá.
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A oliveira da guerra. Artigo de Francesca Mannocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU