A verdade de Paulo, cosmopolita por vocação

Foto: Apóstolo Paulo | Vatican News

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06 Novembro 2024

A "boa nova" foi imediatamente seguida pela pior de todas: a de Paulo. Friedrich Nietzsche considerava o apóstolo um “gênio do ódio” e um “disangelista”, escreveu no Anticristo, porque “sua necessidade era de poder”. Gianfranco Ravasi parte disso, da concepção que faz de Paulo um segundo fundador ou até mesmo o inventor da Igreja, o que Antonio Gramsci chamou de “o Lênin do cristianismo” e Pier Paolo Pasolini, no projeto de um filme que nunca foi realizado, imaginava no presente, em Nova York, empenhado em lançar as bases de uma estrutura de poder fatal.

A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 04-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Pois há pouco a ser feito: mesmo aqueles que chegaram a acusá-lo de traição radical à mensagem de Jesus de Nazaré não são insensíveis a tamanha grandeza. Além dos detratores e hagiógrafos, o cardeal biblista enfrenta o “desafio” de acompanhar à descoberta do Apóstolo e da sua teologia “não apenas o crente comum, mas também o não crente, sabendo que Paulo é uma das pedras angulares da cultura ocidental”. E o faz no livro Ero un blasfemo, un persecutore e un violento (Eu era blasfemo, perseguidor e injuriador, em tradução livre, Raffaello Cortina Editore, p. 208), partindo das palavras daquele gênio cosmopolita, como um guia para a leitura da “autobiografia espiritual” contida em seu epistolário. Treze cartas, sete das quais de próprio punho (Tessalonicenses 1, Coríntios 1 e 2, Gálatas, Filipenses, Romanos, Filêmon) e as outras “deuteropaulinas”, atribuíveis a discípulos (Tessalonicenses 2, Colossenses, Efésios, Timóteo 1 e 2, Tito).

No centro está um evento fulgurante quanto o verbo grego que descreve, uma cena que marcará dois mil anos de história, filosofia, literatura e arte. O protagonista é um homem na encruzilhada de três grandes culturas, um judeu da diáspora, nascido em Tarso, na Cilícia, que leva o nome do primeiro rei de Israel, Saulo, e ao mesmo tempo é um cidadão romano chamado Paulo (no império, há dois mil anos, aplicava-se a ius soli) imerso na cultura helenística. Estamos por volta dos anos 33-35, aquele homem está a caminho da Síria para combater à nova “seita” nascida no judaísmo. E é na estrada para Damasco que katelémphthen, escreverá aos cristãos de Filipos: “Fui tomado, possuído, conquistado, capturado” por Cristo. A luz do céu, a queda no chão e aquela voz, o instante narrado por Lucas nos Atos dos Apóstolos: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”

É o início de uma jornada espiritual e teológica que é mais uma “vocação” do que uma conversão, porque a “raiz sagrada” do judaísmo nunca será cortada. Um caminho cadenciado por palavras gregas, como marcos, às quais Paulo dá um novo sentido: a carne, o pecado, a lei como pretensão de que o homem possa se salvar sozinho, e depois a graça-cháris (como uma mão estendida por Deus), a fé-pístis (que a agarra e torna a pessoa capaz de receber o espírito-pnéuma) e, acima de tudo, a dikaiosýne: a “justificação” que está no âmago de sua obra-prima, a Carta aos Romanos: o homem “justificado”, ou seja, tornado justo, como puro dom transcendente, “fui encontrado por aqueles que não me procuravam”. No “testamento” da Segunda Carta a Timóteo, “combati o bom/belo combate”, o ritmo do grego de Paulo soa como a conclusão de uma maratona: tón drómon tetéleka, tén pístin tetéreka, “terminei a corrida, guardei a fé”. Pelo menos nisso, o Nietzsche de Aurora estava certo: “É a partir daquele momento e em torno dele que a história gira”.

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