29 Outubro 2024
Delicado é também o tema da formação dos futuros padres, como revelou o fato de 40 membros sinodais se terem oposto à aprovação do parágrafo 148. “Ao longo do processo sinodal, foi amplamente expresso o pedido de que os percursos de discernimento e de formação dos candidatos ao ministério ordenado sejam configurados num estilo sinodal.
A reportagem é de Clara Raimundo e Manuel Pinto, publicada por 7Margens, 06-06-2024.
Foram três anos para chegar a um texto de 52 páginas, com 155 parágrafos, todos eles aprovados por mais de dois terços da assembleia, mas nem todos consensuais. O documento final do Sínodo sobre a Sinodalidade foi votado ao longo da manhã e tarde deste sábado, 26 de outubro, e divulgado aos jornalistas ao início da noite. Uma hora de conferência de imprensa não foi suficiente para que todos fizessem as suas perguntas, mas muitas delas prendiam-se com a mesma dúvida: o que se concluiu, afinal, em relação ao papel da mulher? A resposta revelou-se difícil, talvez devido àquela que foi outra das grandes conclusões deste Sínodo: deixou de existir uma Igreja universal.
Essa é, para o padre Giacomo Costa, um dos secretários-especiais da Assembleia Sinodal, uma grande “novidade deste documento”, promulgado pelo Papa e que agora “participa” do magistério pontifício: “Não se fala mais de uma Igreja universal” e não se encara a Igreja “como uma multinacional com as suas filiais”. A Igreja é vista, explicou, como “uma comunhão de igrejas que, juntas, caminham”. E que, “num mundo de violência”, deve ser “testemunha de que na diversidade é possível ser-se unido na fé e um único corpo em Cristo”.
Essa diversidade, de resto, foi bem visível nos resultados das votações de alguns dos parágrafos do documento (até ao momento disponibilizado online apenas em italiano), particularmente o número 60, respeitante ao papel das mulheres na Igreja. “Não há nenhuma razão para que as mulheres não assumam papéis de liderança na Igreja: o que vem do Espírito Santo não pode ser impedido. A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário um maior discernimento a este respeito”, pode ler-se naquele que terá sido o ponto mais controverso do texto, tendo em consideração que houve 97 em 355 participantes do Sínodo que optaram por dizer “não” a estas afirmações, naquela que foi a aprovação por menor margem de todo o documento.
Verdade seja dita, o próprio cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo, manifestou um certo desagrado quando um jornalista questionou se, num futuro sínodo, poderia vir a haver mais leigos, e particularmente mulheres, na assembleia. “O Papa convocou 70 pessoas [não bispos] para não superar os 25% e respeitar a assembleia dos bispos”, sublinhou, deixando subentender que essa percentagem nunca poderia ser ultrapassada.
Ainda assim, em resposta a outra pergunta sobre o mesmo tema, Grech assegurou que “o Papa acolheu este grito” e por isso criou um grupo de estudo para debruçar-se sobre ele, particularmente para dar resposta à questão do diaconato feminino: “Não deixou o tema na prateleira”. Mas, reconheceu por seu lado o cardeal Jean-Claude Hollerich, relator-geral da XVI Assembleia Geral do Sínodo, trata-se de “um tema muito delicado”. “Não há uma decisão a favor nem contra, portanto a questão continua aberta”, concluiu.
Delicado é também o tema da formação dos futuros padres, como revelou o fato de 40 membros sinodais se terem oposto à aprovação do parágrafo 148. “Ao longo do processo sinodal, foi amplamente expresso o pedido de que os percursos de discernimento e de formação dos candidatos ao ministério ordenado sejam configurados num estilo sinodal. Isto significa que devem incluir uma presença significativa de figuras femininas, uma inserção na vida quotidiana das comunidades, uma educação para a colaboração com todos na Igreja e para a prática do discernimento eclesial. Isto implica um investimento corajoso de energia na preparação dos formadores”, pode ler-se.
No mesmo parágrafo, a Assembleia pede mesmo “uma revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis que incorpore as solicitações amadurecidas no Sínodo, traduzindo-as em indicações precisas para uma formação à sinodalidade”, apesar de, ao que tudo indica, estas não serem consensuais.
O “Não” foi ainda expressivo na votação do parágrafo 27, que defende que “aprofundar a ligação entre liturgia e sinodalidade ajudará todas as comunidades cristãs, na pluriformidade das suas culturas e tradições, a adotar estilos celebrativos que manifestem o rosto de uma Igreja sinodal”. A assembleia pede, neste caso, “a constituição de um Grupo de Estudo específico”, ao qual confia também “a reflexão sobre o modo de tornar as celebrações litúrgicas mais expressivas da sinodalidade”, que “poderia ocupar-se também da pregação dentro das celebrações litúrgicas e do desenvolvimento de uma catequese sobre a sinodalidade em chave mistagógica”.
Questionado sobre o teor genérico deste parágrafo, Mario Grech reconheceu que “é um dos pontos que deverão ser objeto de mais debate”, mas lembrou que “muitos escreveram, quando o Sínodo começou, que tinham problemas porque às vezes a liturgia não lhes falava”, pelo que a assembleia teve de “levar isso em conta”.
Apesar destas questões mais fraturantes, Hollerich afastou a ideia de ter havido uma “batalha entre fações”. “Algumas opiniões continuam a ser diferentes, é inevitável, mas este ano experimentámos realmente a sinodalidade”, garantiu. “Esta noite toda a gente estava cheia de alegria. Não vimos pessoas decepcionadas ou tristes. Todos manifestaram grande alegria porque caminhámos juntos e sabemos que continuaremos a caminhar juntos, e essa é a experiência que tiramos deste sínodo… e agora temos de ser missionários desta experiência”, como pedia o Papa no discurso com que encerrou a assembleia [ver outro texto no 7MARGENS].
Menos referida durante a conferência de imprensa foi a componente mais processual que também vem contida no documento. Neste âmbito, cabe enfatizar o que diz o número 12: que a Assembleia “reconhece e testemunha que a sinodalidade [é] dimensão constitutiva da Igreja” e “já faz parte da experiência de muitas das nossas comunidades”.
Mas será necessário um trabalho intenso e certamente demorado e criativo para pôr em campo essa sinodalidade, como uma cultura nova de escuta, discernimento e participação, orientada para o testemunho do Evangelho.
No entanto, tendo em conta a diversidade de contextos, as igrejas locais não terão de avançar todas ao mesmo ritmo nem da mesma maneira. “As diferenças de ritmo podem ser valorizadas como expressão de uma diversidade legítima e como oportunidade de partilha de dons e de enriquecimento mútuo”, refere o documento, no ponto 124.
As conferências episcopais terão, assim, de assumir um papel mais ativo e abrir-se a novos dinamismos, o que poderá obrigá-las a reformar os seus modos e hábitos de funcionamento.
Uma figura que aparece referida nos números 126 e 127 diz respeito às assembleias eclesiais, nos planos regional, nacional e continental, o que pressuporá ainda “esclarecer o estatuto teológico e canónico” dessas estruturas. Nas assembleias eclesiais (regionais, nacionais, continentais), “os membros que exprimem e representam a diversidade do Povo de Deus (incluindo os bispos) participam no discernimento que permitirá aos bispos, colegialmente, tomar as decisões que lhes compete tomar em virtude do seu ministério”, afirma-se no texto.
O Sínodo propôs que, em tais dinâmicas de assembleia eclesial, “o discernimento possa incluir, de forma adequada à diversidade dos contextos, espaços de escuta e de diálogo com outros cristãos e representantes de outras religiões, instituições públicas, organizações da sociedade civil e a sociedade em geral”.
Ainda no tocante à concretização de processos que promovam o desenvolvimento de uma cultura sinodal, merece destaque o conjunto de orientações relacionadas com o modo como aos vários níveis da vida eclesial se preparam e tomam decisões (cf, n. 88 a 93).
Naquelas matérias em que há já a obrigação de fazer consultas antes de decidir, os “detentores de autoridade pastoral” (por exemplo, o pároco, o bispo…) passarão a ser obrigados a ouvir os participantes na consulta e “não podem atuar como se a consulta não tivesse tido lugar”. Isto significa que quem tem autoridade “não se afastará dos frutos da consulta que produziram um acordo sem uma razão imperiosa que deve ser devidamente explicada”.
Para tal, a autoridade competente deverá “definir claramente o objeto dos elementos consultivos e deliberativos”, esclarecendo e garantindo que todas as pessoas envolvidas “tenham acesso aos dados relevantes para que possam contribuir com conhecimento de causa para o processo” de tomada de decisão.
As orientações do documento final do Sínodo enunciam ainda os deveres das pessoas consultadas nesse tipo de situações.
E uma coisa é certa: as Igrejas locais terão de encontrar formas de implementar estas mudanças e com alguma celeridade, já que, como refere o ponto 94, “sem mudanças concretas a curto prazo, a visão de uma Igreja sinodal não será credível, e isso afastará os membros do Povo de Deus que tiraram força e esperança do caminho sinodal”.
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Acabou o Sínodo, acabou a Igreja universal… e o papel das mulheres permanece em aberto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU