08 Outubro 2024
Dennis de Oliveira, intelectual afro-brasileiro e referência fundamental no pensamento crítico contemporâneo, dedica a sua vida ao estudo do racismo estrutural e o seu impacto nas sociedades latino-americanas. Aborda este fenômeno a partir de uma perspectiva histórico-crítica que desentranha as profundas raízes coloniais da opressão racial. Professor da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação nas Periferias (COMUNI), Oliveira é um ativista incansável que articula teoria e práxis para lutar contra as desigualdades e o racismo que seguem marcando o presente do Brasil e do continente.
Nesta entrevista exclusiva na seção NEGRX, o autor de Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica reflete sobre o avanço da extrema direita na América Latina, o papel das corporações filantrópicas na perpetuação de sistemas de opressão e a urgência de um projeto político que coloque a justiça racial no centro do debate. Com uma visão das reparações que não se limita à dimensão econômica, Oliveira defende que a luta antirracista deve ser um horizonte de transformação radical e profunda, um compromisso com um futuro em que a dignidade e a reparação sejam pilares fundamentais para a construção de uma sociedade verdadeiramente justa.
A entrevista é de Federico Pita, publicada por Página/12, 03-10-2024. A tradução é do Cepat.
Em seu livro, você fala de uma contrarreforma neoliberal no Brasil atual. Como vê o impacto dessas políticas na perpetuação do racismo estrutural no país?
Isso remonta a meados dos anos 1980, quando os movimentos sociais no Brasil ganharam força em sua luta contra a ditadura militar. Com o retorno da democracia, a Assembleia Constituinte de 1988 incorporou muitas das suas reivindicações, como a liberdade de expressão e os direitos trabalhistas e sociais, criando um quase estado de bem-estar.
No entanto, estas conquistas se chocaram com os interesses do grande capital transnacional, que procurava implementar o projeto neoliberal. Desde então, as classes dominantes pressionam para desmantelar os direitos consagrados na Assembleia. Desde a sua aprovação, foram feitas três ou quatro modificações que eliminaram vários desses direitos.
Isso tem um impacto profundo na população afro-brasileira, principalmente porque esta população constitui a maioria da classe trabalhadora. A população afro-brasileira é a classe trabalhadora. A luta de classes no Brasil começou com a escravidão. Os homens e mulheres negros foram trazidos para o Brasil para trabalhar e seus descendentes são trabalhadores. Costumam ser muito mais oprimidos do que outros trabalhadores não negros.
Quando os direitos dos trabalhadores são retirados, são os trabalhadores negros os mais prejudicados. As reformas aprovadas após o golpe contra a presidenta Dilma, em 2016, praticamente eliminaram os direitos dos trabalhadores, legalizou-se o trabalho informal, o trabalho sem direitos. Isto é muito grave para os trabalhadores negros, sobretudo porque a situação ilegal do trabalho que realizavam foi legalizada.
Depois veio a reforma da Seguridade Social do governo Bolsonaro, que eliminou os direitos de aposentadoria dos trabalhadores negros porque estabeleceu regras muito difíceis de alcançar. Por exemplo, a idade mínima de 60 anos, que é a idade exigida para ter direito às prestações da aposentadoria. Em muitos lugares, a expectativa de vida dos afro-brasileiros é inferior a 60 anos. Isto é muito complicado.
E hoje há muita pressão porque a Constituição brasileira estabelece uma porcentagem mínima do orçamento público para a educação e a saúde públicas. E há pressão do grande capital para eliminar esses valores mínimos do orçamento. E sabemos que isto prejudicará especialmente os trabalhadores negros, que necessitam de serviços públicos de saúde e educação.
No livro, ressaltou uma transição das rebeliões contraculturais para a gestão da identidade. Poderia explicar como você vê essa transformação e suas implicações para o movimento antirracista no Brasil?
As demandas da contracultura dos anos 1960, reivindicações de gênero, de igualdade racial, as críticas à moral do capital, foram transformadas em comportamentos, simplesmente em tipos de comportamento e não em exigências políticas. Há uma despolitização das demandas contraculturais. O capital mudou fortemente nos anos 1970, 1980. Passamos do paradigma do capital fordista, das linhas de montagem, para a chamada acumulação flexível do toyotismo, que aponta para um paradigma de consumo personalizado, um paradigma de consumo diversificado.
Este modelo de capitalismo incorporou esta diversidade, estes frutos da diversidade, mas retirando o seu aspecto político, retirando o seu aspecto conflituoso e transformando-o meramente em comportamentos. E isto foi absorvido pelo grande capital. O movimento antirracista muitas vezes foi colonizado por este tipo de perspectiva político-ideológica e se adaptou ao capital, perdendo a sua perspectiva revolucionária, a sua perspectiva anticapitalista. Penso, então, que é necessário rearticular e agrupar as perspectivas revolucionárias do movimento antirracista para articular a luta contra o racismo e a luta contra o capitalismo.
Você fala sobre os limites do identitarismo pós-moderno. Quais são esses limites?
Em primeiro lugar, é necessário que não tratemos o conceito de raça como algo essencial, como algo da natureza. O conceito de raça é um conceito construído socialmente. Não há como falar de racismo, de raça, de relações raciais, sem falar do contexto sócio-histórico e político. Ao falar de relações raciais é preciso falar de colonialismo, de capitalismo, na América Latina e na África. Isto é muito importante. O primeiro ponto é este. Não há como falar de raça sem falar de relações de capital, relações trabalhistas e relações de classe.
O identitarismo pós-moderno transforma a identidade racial em algo separado das contradições sociais, como se ser negro, ser mulher, ser homossexual fossem coisas meramente separadas das relações de classe. Isto não existe. O próprio conceito de raça que temos como referência: brancos, negros, indígenas, por exemplo, foi um conceito, uma classificação de raça construída pelos colonizadores. O que é o branco? Os brancos são um grupo de povos da Europa que são diferentes entre si. No entanto, estavam unificados pelo projeto de colonização da América. Assim como os indígenas, que são milhares de povos indígenas da América. Contudo, foram rotulados como indígenas pelos colonizadores para que fossem massacrados, retirados de suas terras. Como os negros. Os negros são centenas de milhares de povos da África que foram chamados de negros para ser escravizados. Esta é uma proposta de classificação dos colonizadores.
Ser negro ou indígena na América Latina é produto de um projeto de colonização, um projeto de capitalismo, de opressão. Isto é muito importante e temos como referência. Essas são classificações raciais construídas a partir daí. Nesse sentido, não há como falar de identidade racial sem considerar esse aspecto histórico. É um projeto politicamente construído. Ser negro ou indígena significa estar em uma situação de classe oprimida na América Latina, entre povos massacrados pela colonização. É necessário articular a luta anti-imperialista, a luta anticapitalista com a luta antirracista.
Você fala da exclusão racial da esfera público-política. Poderia dar um exemplo concreto de como a exclusão racial se manifesta na política brasileira atual?
É muito fácil perceber isto. Por exemplo, vemos que os representantes dos poderes da democracia brasileira são homens brancos. Apesar da composição populacional ser de 58% de afro-brasileiros, a porcentagem de participação dos negros na Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, e no Poder Judiciário é muito pequena, não chega nem a 12%. Avançamos muito, mas há muita resistência, inclusive nos partidos de esquerda. Agora, por que isso acontece? Porque a democracia burguesa é justamente uma democracia parcial. É uma democracia que não garante a representação das classes trabalhadoras.
Como os homens e mulheres negros são da classe trabalhadora, é claro que a sua participação no poder é muito pequena. Então, a exclusão da esfera pública, a exclusão racial, ocorre justamente por isso. No Brasil há uma particularidade muito importante porque é um país onde, desde os anos 1930, existe um forte mito da democracia racial. Diz que no Brasil não existe racismo, que no Brasil existe uma convivência harmoniosa entre brancos e negros. Isto começa com o pensamento de Gilberto Freyre e contaminou muito o pensamento político geral.
A democracia racial é uma política de Estado, é uma ideologia nacional. Na realidade, é muito diferente, por exemplo, do tipo de racismo que ocorre nos Estados Unidos. Lá aconteceu que até meados do século XX existia uma política oficial de segregação. No Brasil, existe uma política racial, mas uma política de convivência entre raças. O que o pensador brasileiro Darcy Ribeiro chama de “tolerância opressiva”: tolera o outro, mas tolera para oprimi-lo. É muito diferente do tipo de racismo que ocorre nos Estados Unidos e muitas vezes complica as formas, modelos e estratégias que devem ser implementadas para combatê-lo.
No Brasil, isso é algo muito sério, porque há uma grande presença no movimento negro brasileiro de ideários que vêm dos Estados Unidos. As experiências dos movimentos negros nos Estados Unidos têm um forte impacto no Brasil. Em primeiro lugar, como os Estados Unidos são um país imperialista, todas as ideias culturais chegam ao Brasil com muita força. E, em segundo lugar, porque há muitos líderes afro-brasileiros e intelectuais afro-brasileiros que estudaram nos Estados Unidos e estão muito encantados com a perspectiva dos Estados Unidos.
Por isso, temos que pensar em uma estratégia para combater o racismo baseada nas experiências da América Latina, do Caribe e da África, porque o Brasil é um país latino-americano, é um país do sul global, é um país que está em um lugar subalterno de nosso sistema-mundo capitalista. E também há particularidades muito fortes.
Como você avalia a relação entre o movimento negro no Brasil e o que você chama de neoliberalismo progressista? Quais são os riscos e benefícios desta relação?
O movimento negro nos 1970 criou uma importante organização chamada Movimento Negro Unificado (MNU) contra a Discriminação Racial. Este movimento foi muito importante porque colocou o movimento negro como um importante sujeito coletivo na luta pela democratização do Brasil e contra a ditadura militar. O MNU argumentou que era necessário, na transição para a democracia, mudar o aparelho institucional de segurança pública, porque a perspectiva política do aparelho de segurança pública era a de repressão brutal.
Mesmo com a democracia, esta tecnologia de repressão se voltaria contra a população negra das periferias do Brasil. Isto acontece ainda hoje. No Brasil, na democracia, a cada 21 minutos a polícia mata um jovem brasileiro negro. Isto é muito sério. O MNU se manifestou, em 1980, dizendo que os presos comuns eram também presos políticos, que eram presos do sistema capitalista. Isto é muito interessante. Mas a democracia não incorporou esta reivindicação do MNU, isto não está incluído na agenda da democracia.
Nos anos 1990, por exemplo, aconteceu um evento importante no Brasil: o primeiro encontro nacional de organizações negras brasileiras. Este encontro reuniu mais de 500 delegados de 250 organizações negras. Como conclusão do encontro, foi aprovado um documento que dizia que o neoliberalismo é a intensificação do racismo.
O racismo será superado com o fim do neoliberalismo e do capitalismo. Esta era uma perspectiva política muito importante nos anos 1990, mas com o avanço do neoliberalismo houve a cooptação de muitas organizações negras, e alguns líderes adotaram uma perspectiva conservadora liberal. Existem muitas organizações não-governamentais brasileiras negras que são financiadas pela Fundação Ford, a Fundação MacArthur, a Open Society, fundações do capital especulativo estadunidense que pensam o debate sobre o racismo bastante dissociado do debate sobre o capitalismo.
O ápice desse confronto ideológico foi a Conferência de Durban, em 2001. Um pouco antes, em 1995, aconteceu em Brasília a Marcha dos 300 Anos de Zumbi. O movimento negro brasileiro entrega um documento de reivindicações ao presidente da República brasileira, Fernando Henrique Cardoso. O presidente, que tinha um projeto neoliberal progressista, recebe a carta e nomeia um grupo de trabalho para pensar respostas a essas demandas do movimento negro brasileiro. A partir daí, abriu um campo de diálogo entre o governo neoliberal brasileiro e o movimento negro na preparação da Conferência de Durban.
Muitas organizações revolucionárias negras participaram da Conferência de Durban, participaram dos projetos, das fases preparatórias. Inclusive, eu estive no Fórum dos Movimentos Sociais, em Quito, no ano 2000, realizando a conferência inaugural desse fórum e, então, apresentei a tese do racismo estrutural como projeto do capitalismo.
Naquele momento, apresentei a ideia de que havia três perspectivas políticas para enfrentar o racismo no sistema mundial capitalista. A primeira é o avanço da extrema direita, o nazifascismo, o extermínio puro e duro, o extermínio dos povos negros e indígenas. A segunda é a ruptura com este projeto capitalista, um projeto revolucionário. Mas há uma terceira, que chamei de Administrações das Tensões Sociais, que é um projeto que veio do Banco Mundial.
O Banco Mundial participou de todas as fases preparatórias da Conferência de Durban. Naquele momento era presidido por James Wolfson, um economista australiano que falava muito sobre pobreza e desigualdade, mas defendia políticas sociais focalizadas, políticas sociais compensatórias, como forma de mitigar as consequências da política econômica. Esse era o remédio fiscal. Esse era o projeto. Assim, o Banco Mundial incentivou muito o financiamento de ONGs, com projetos específicos, junto a pequenas comunidades, mas não defendeu o financiamento para projetos estatais amplos, dizendo que os Estados são corruptos.
A Conferência de Durban nos abriu um espaço, uma chave, para questionar o imperialismo. E as organizações mais de esquerda que participaram da Conferência de Durban argumentaram que as reparações, por exemplo, nos países africanos, deveriam ser com o cancelamento da dívida externa, porque esses países foram saqueados pelos imperialistas. Os palestinos também descreveram a situação palestina como um novo holocausto. Isto foi rejeitado pelo Estado de Israel. Isto criou uma crise importante na Conferência de Durban. Os Estados Unidos e Israel se retiraram. Os países europeus também não concordaram com essas propostas dos países africanos e caribenhos.
Domenico Losurdo, um intelectual marxista italiano, disse que a Conferência de Durban foi a primeira Conferência da ONU em que o imperialismo esteve no banco dos réus. Apontou o imperialismo como a causa dos problemas do racismo. E foi muito explícita. Por isso, a Conferência de Durban é a Conferência da ONU que tem menos visibilidade, porque esse debate foi muito intenso. Contudo, as organizações brasileiras, por exemplo, que foram financiadas por fundações norte-americanas, não concordaram com estas reivindicações. Só investiram em compromissos brasileiros para aplicar políticas de ação afirmativa no Brasil. Só isso.
Considero e penso que as ações afirmativas são muito importantes. As cotas nas universidades, as ações afirmativas na educação, as mudanças nas leis que abordam o racismo, a construção de políticas públicas para as e os negros etc. Tudo é muito importante. Contudo, temos que nos aprofundar mais nas estruturas, porque de pouco serve ter cotas raciais nas universidades públicas enquanto homens e mulheres negros são assassinados pela polícia, enquanto homens e mulheres negros estão desempregados, enquanto homens e mulheres negros não têm empregos qualificados. Temos que realçar isto.
Não se enfrenta as estruturas do racismo apenas com políticas de ação afirmativa. E se concentrar apenas nisto é um desvio e uma derrota com componentes ideológicos, razão pela qual estas entidades que são financiadas por fundações estrangeiras limitam as suas ações políticas à defesa de ações afirmativas e não se envolvem em uma discussão anti-imperialista, em um questionamento dos modelos de capitalismo global.
Dado a surgimento ou ressurgimento de movimentos de ultradireita na América Latina, como considera que estas forças políticas estão reforçando ou reconfigurando a dinâmica do racismo estrutural?
Penso que estão reforçando a dinâmica. E também considero que há um erro da esquerda no Brasil, porque confia muito nas instituições, em uma solução institucional. Isto é muito perigoso porque o Estado brasileiro é um Estado estruturalmente racista, é um Estado capitalista burguês dependente. Mas a esquerda brasileira, ultimamente, está muito mais preocupada em garantir espaços institucionais do que em enfrentar esta extrema direita.
A extrema direita é uma reserva institucional para que o capital burguês seja utilizado se necessário. Penso que há um erro na esquerda brasileira ao dizer que há setores do capitalismo brasileiro que são democráticos, liberais e antirracistas. Isto é mentira. Então, considero que para enfrentar o racismo precisamos guinar à esquerda.
Você está trabalhando em algum projeto novo?
Estou escrevendo um livro, penso que deve ser publicado em 2025, chamado Ação direta do capital, pela editora Dandara. Tenho interesse no conceito porque a ação direta é uma tática anarquista para um processo de luta que atinge as instituições burguesas, com a finalidade de alcançar uma mudança mais profunda na sociedade. E acredito que o grande capital transnacional utiliza a ação direta para limitar os mínimos institucionais dos Estados do sul global para impor as suas condições.
Por exemplo, quando temos plataformas como Uber, iFood. Estas plataformas estabeleceram no Brasil e em outros países um tipo de trabalho precário que não estava disponível. Impuseram esse tipo de trabalho. Então, o que aconteceu? As instituições brasileiras tiveram que regulamentar o trabalho que já existia. Isto é muito interessante, o capital o impõe. Assim como com os transgênicos. No Brasil, não havia qualquer regulamentação sobre o uso dos transgênicos, mas a Monsanto chegou e a implementou. Ponto. O capital rentista, o mesmo, circula, impõe etc. E agora, mais recentemente, temos essas plataformas, as Big Techs, Twitter, Google, que estão impondo tecnologias da informação e comunicação para as quais não existe regulamentação.
Isso é muito perigoso, porque estamos vendo um governo mundial, um sistema mundial regido por grandes corporações transnacionais, sem qualquer tipo de controle. Isso é muito perigoso para as democracias, para as sociedades. Meu novo livro é sobre isto. Estou usando um conceito da pensadora americana Jordi Dean, chamado Capitalismo Comunicativo. É uma nova forma de capitalismo que está se organizando com base em telefones inteligentes e aparatos que organizam a produção. Isto tem um impacto profundo nas áreas urbanas, nas estruturas, nas relações trabalhistas e nas relações sociais.
Hoje, por exemplo, em São Paulo, temos um candidato a prefeito que é uma pessoa muito perigosa chamada Pablo Marçal. Ele utiliza com muita competência as tecnologias de informação e comunicação e impõe os conceitos de economia da atenção, os conceitos de fragmentação do discurso, as redes sociais, enfim, toda a configuração econômica das redes sociais na política. E o que acontece? A velocidade desta informação é tão grande que a justiça brasileira é incapaz de criar padrões normativos. Isto é muito perigoso porque a democracia brasileira está à mercê desse tipo de jogo.
Em relação às eleições de São Paulo, neste ano, qual é a sua interpretação sobre o que está acontecendo?
São Paulo é a maior cidade do Brasil. Aqui em São Paulo conseguimos algo muito importante que é a unificação da esquerda em um único candidato. O Guilherme Boulos é candidato de todos os partidos de esquerda, dos movimentos sociais, dos sindicatos, estão todos com o Guilherme Boulos. A unidade é muito importante nesta cidade. Também o apoio do presidente Lula é muito importante. E Guilherme Boulos é um expoente dos movimentos sociais. Há um surgimento muito grande de pessoas que ascenderam através das estruturas burocráticas dos partidos, não de pessoas que vêm de movimentos sociais. O Boulos é uma pessoa dos movimentos sociais, é outro perfil de candidato. Isto é muito importante para a renovação da esquerda brasileira.
Contudo, também há uma forte presença do bolsonarismo de extrema direita, que em São Paulo se dividiu em dois candidatos. Um deles é o atual prefeito, Ricardo Nunes, que não é originário do bolsonarismo, mas fez aliança com Bolsonaro. E o outro é o Pablo Marçal, que apareceu de repente, um outsider, e é uma pessoa muito competente nesta forma de socializar. Há outro problema, o Brasil enfrenta uma importante crise econômica. Uma crise econômica devido à adoção do modelo neoliberal sob o governo Lula.
O Ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, implementou uma política macroeconômica neoliberal de ajuste de gastos, déficit zero. Isto é muito complicado porque não há recursos para investimentos públicos em saúde e educação. Até o próprio Fernando Haddad defende a eliminação dos orçamentos mínimos para a educação e a saúde públicas. Existe um desafio muito grande. Há certa capitulação dos partidos trabalhistas de certos setores da esquerda diante deste modelo neoliberal, avançando para o que eu chamo de gestão das tensões sociais. Mas também há setores importantes que buscam se mover mais para a esquerda.
Olhando para o que vem, qual é a tarefa mais urgente da esquerda latino-americana?
Penso que é necessário retomarmos a inscrição latino-americana na esquerda, no movimento negro, no movimento social. É muito importante porque a América Latina é um continente que, durante um tempo, nos anos 1990 e início dos anos 2000, por exemplo, teve experiências inovadoras na política mundial. A Revolução Bolivariana na Venezuela, a Bolívia, o Chile, a esquerda no Brasil, a Argentina, o Equador também. Isso foi muito importante.
Temos que retomar esta articulação da esquerda latino-americana. É necessário se solidarizar com o povo venezuelano, que sofre o assédio do imperialismo, e também com o povo cubano. Precisamos voltar a esta perspectiva internacional e também à solidariedade com as comunidades africanas. Lá na região do Sahel existem movimentos muito importantes contra o imperialismo francês. Precisamos retomar esta solidariedade internacional dos povos da América Latina e da África.
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“A luta de classes no Brasil começou com a escravidão”. Entrevista com Dennis de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU