25 Agosto 2024
“Por algum motivo, o Brasil abandonou as teses de Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes e caiu nos braços do que há de pior na educação dos EUA”, escreve Rudá Ricci, sociólogo, com larga experiência em educação e gestão participativa, diretor do Instituto Cultiva.
Após publicar um artigo na Folha em que comentava os resultados do Ideb e os erros que cometemos nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio no Brasil, fui interpelado nas redes sociais para detalhar um pouco mais a minha tese.
Este breve artigo procura pontuar as minhas questões conceituais e técnicas do processo de educação.
Primeiro, contudo, até por uma questão de honestidade intelectual, preciso deixar claro que sou freireano e tenho como referência as teses de Lev Vygotsky. Vou explicar brevemente o que isso significa.
Paulo Freire contestava o que denominava de "educação bancária". Sua crítica se concentrava no papel de instrutor - às vezes, até adestrador - que o professor assumia. O aluno era visto como totalmente ignorante, um papel em branco a ser preenchido pelo saber do professor.
Freire provou que aprendemos se entendemos o significado do que é ensinado. Sem isso, resta memorizar o que nos é passado, passivamente, sem emoção ou identidade. Na prática, não sabemos a importância real do que nos ensinam.
O Ideb parte de princípios opostos à concepção de Paulo Freire. Parte de um padrão idealizado do aluno, sem relação alguma com sua vida concreta, seus valores. Em outras palavras, é um instrumento típico da educação bancária.
A idealizadora dos testes ao estilo Ideb, Diane Ravitch, escreveu um livro dizendo que este instrumento de avaliação não desenvolve a inteligência, mas ensina a se sair bem nos testes. Seu livro leva o título de Vida e Morte do grande sistema Escolar Americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação.
Já Vygotsky contestou a proposta inglesa de Quociente de Inteligência (QI). Provou, a partir de inúmeras pesquisas, que a inteligência é desenvolvida por estímulos adequados. Não existiriam humanos que nascem burros ou inteligentes. A diferença estaria nos estímulos.
Vygotsky sustenta que o planejamento para o estímulo correto vem da análise do estágio de desenvolvimento concreto do aluno para, então, se criar um plano exato de estímulos que tocam neste estágio e "puxam" para outro. Algo parecido com um imã.
A questão que fica, então, é: como medir o estágio concreto de desenvolvimento de um aluno? Aqui entra o conceito de desenvolvimento humano que, sugiro, tenha como referência o livro fantástico organizado por Diane Papalia que foi publicado pela editora gaúcha Artes Médicas.
O desenvolvimento humano ocorre a partir de 3 dimensões: o físico, o psicossocial e o cognitivo. O Ideb erra, e a educação brasileira dos últimos anos do Ensino Fundamental e Ensino Médio, porque foca apenas na dimensão cognitiva. Ocorre que muitos estudos recentes da neurologia indicam que sem estabilidade emocional não há desenvolvimento cognitivo regular. António Damásio é um desses neurologistas que provou esta conexão.
Howard Gardner foi outro neurologista que provou que é um equívoco relacionar o aprendizado de matemática e língua materna como base da inteligência humana.
Para deixar mais nítida minha tese central: educar exige estudo dos professores sobre o que acontece com o aluno fora da sala de aula para relacionar com o que ocorre dentro da sala. Educar não é meramente um exercício de sedução. É ato científico.
O estranho é que na educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental fazemos o certo. Contudo, ao caminharmos para o Ensino Médio adotamos as técnicas de condicionamento do comportamento ao estilo Pavlov e Skinner.
Por algum motivo, o Brasil abandonou as teses de Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes e caiu nos braços do que há de pior na educação dos EUA.
O interessante é que o melhor programa educacional do mundo é o da Finlândia. E quem são os autores de referência para eles? Paulo Freire e Anísio Teixeira. Não precisa dizer mais nada, não?
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Explicando os erros induzidos pelo Ideb. Artigo de Rudá Ricci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU