A agenda econômica do atual governo, sobretudo com a Reforma da Previdência, que se soma ao pacote aberto com a Reforma Trabalhista, vem aprofundar o projeto iniciado em 2016-2017. Segundo a última Síntese dos Indicadores Sociais – SIS 2018, estudo desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a proporção de pessoas pobres no Brasil era de 25,7% da população em 2016 e no ano seguinte subiu para 26,5%. Nesse grupo são contabilizadas pessoas que têm rendimento inferior a R$ 406 por mês, menos de cinco dólares por dia, conforme linha de pobreza estabelecida pelo Banco Mundial. No Brasil, o contingente de pobres no período analisado era de 54, 8 milhões de pessoas, as pessoas em situação de extrema pobreza, com renda inferior a R$ 140 por mês, é de 15,2 milhões.
Em tal contexto, o acesso à educação de qualidade tem papel chave, uma vez que ainda é uma das principais formas das populações empobrecidas alcançarem certa mobilidade social. “O Brasil está entre as sociedades mais desiguais, perdendo tão somente para a Costa Rica. A elevada desigualdade de renda brasileira se reflete na desigualdade salarial entre os diferentes níveis educacionais”, pondera Betina Fresneda, doutora e analista da área socioeconômica no IBGE, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
Conforme apontam os dados da SIS 2018, a taxa de pessoas desempregadas saltou de 6,9% em 2014 para 12,5% em 2017, abarcando todas as faixas etárias e regiões do país. O trabalho informal representa 40,8% da população ocupada, ou em número reais 37,7 milhões de trabalhadores. E é nesse ponto que as estruturas de manutenção da desigualdade se solidificam. “ Essa diferença acentuada de prêmio salarial no mercado de trabalho entre níveis de instrução é uma característica comum de sociedades extremamente desiguais e a principal maneira pela qual as pessoas dos estratos mais elevados mantêm seus filhos em posições no topo da hierarquia ocupacional”, explica a entrevistada.
Na prática o que as primeiras semanas do atual governo têm apresentado são políticas de aprofundamento desses mecanismos de desigualdade. Em suma, armas para todos e educação para poucos. No entanto, o que análises e projetos da OCDE propõem é a necessidade de trilhar um caminho inverso. “Expandir o acesso a esse nível de ensino, ampliando a participação de grupos desfavorecidos, seria uma forma de promover maior igualdade de oportunidades no País, conclui o relatório da OCDE”, afirma Fresneda.
Ao longo da entrevista destacamos dados do estudo que pode ser lido na íntegra na página do IBGE.
Betina Fresneda (Foto: Reprodução - Twitter)
Betina Fresneda é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília com mestrado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e doutorado em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente é analista da área socioeconômica no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em desigualdades sociais, atuando principalmente nos seguintes temas: desigualdade de oportunidades educacionais, ensino médio, juventude e gênero.
IHU On-Line – O que as informações dos Indicadores revelam sobre as desigualdades associadas ao ensino, ao emprego e à renda no Brasil?
Betina Fresneda – De acordo com a nota da publicação Education at a glance 2018 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE, o Brasil está entre as sociedades mais desiguais do estudo, perdendo tão somente para a Costa Rica. A elevada desigualdade de renda brasileira se reflete na desigualdade salarial entre os diferentes níveis educacionais. Uma pessoa com o diploma de graduação no Brasil ganhava 2,5 vezes mais do que alguém com diploma de ensino médio, sendo que a média na OCDE era de 1,6 vezes mais.
IHU On-Line – O que este dado sobre a diferença salarial revela sobre os processos de exclusão social e perpetuação da desigualdade?
Betina Fresneda – Essa diferença acentuada de prêmio salarial no mercado de trabalho entre níveis de instrução é uma característica comum de sociedades extremamente desiguais e a principal maneira pela qual as pessoas dos estratos mais elevados mantêm seus filhos em posições no topo da hierarquia ocupacional.
Expandir o acesso a esse nível de ensino, ampliando a participação de grupos desfavorecidos, seria uma forma de promover maior igualdade de oportunidades no País, conclui o relatório da OCDE. Tendo em vista esse contexto, o capítulo de educação procurou revelar as dimensões da desigualdade que envolvem o acesso ao ensino superior, seja regional, por estratos de renda, sexo e cor ou raça.
IHU On-Line – Um dos dados apresentado pelos Indicadores é que dos alunos que completaram o ensino médio na rede pública, somente 36% foram para a universidade, enquanto entre os alunos da rede privada, esse percentual sobre para 79,2%. Como você interpreta esse dado?
Betina Fresneda – Esse dado deve ser interpretado com cautela uma vez que o perfil do aluno dessas duas redes de ensino é bastante desigual: praticamente metade dos alunos da rede privada de ensino médio fazem parte do quinto de rendimentos mais elevado, enquanto apenas 6,1% dos alunos da rede pública pertencem a esse estrato de renda. Logo, as condições familiares dos alunos da rede privada são responsáveis por parte significativa da vantagem que esse grupo apresenta no ingresso ao ensino superior, conforme apontado por vasta literatura na área.
Além disso, a rede privada atende apenas 13% dos alunos do ensino médio, representando um nicho que conta com um volume maior de investimento por aluno. O mesmo pode ser observado em algumas escolas de elite da rede pública, que por sua vez também são acessíveis a poucos alunos.
IHU On-Line – A taxa de ingresso ao ensino superior pode ser considerada como um indicativo de sucesso ou fracasso das redes de ensino privada e pública?
Betina Fresneda – A taxa de ingresso no ensino superior não equivale a uma taxa de sucesso por rede de ensino, pois nem todos que concluíram o ensino médio tentaram ingressar no ensino superior. Uma série de motivos, que não tem a ver com o efeito da rede ensino médio, mas com o perfil do aluno da rede pública podem afetar a decisão de não seguir para a universidade: precisar trabalhar, não ter dinheiro para pagar a mensalidade ou simplesmente não fazer parte das expectativas educacionais desse grupo. Por todos esses motivos, não é correto afirmar que "a escola pública reduz chances de ingresso no ensino superior" a partir desse indicador.