As declinações do "empreendedorismo" e as novas direitas. Artigo de Rodrigo Nunes

Foto: Valter Campanato | Agência Brasil

20 Agosto 2024

O "empreendedorismo" funciona como um fio condutor entre diferentes dimensões da emergência das novas direitas, desde a economia até os influenciadores, passando pela política stricto sensu.

O artigo é de Rodrigo Nunes, professor do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), publicado por Nueva Sociedad, 18-08-2024.

Eis o artigo.

Para que a aliança entre classes que levou a extrema-direita ao triunfo eleitoral em países como Brasil e Argentina fosse possível, era necessário que algumas imagens e palavras produzissem uma identificação entre setores muito distintos da sociedade. "Empreendedor" era um desses signos. Afinal, é um termo que não só abrange realidades muito diferentes – desde o executivo até o trabalhador informal, desde o dono de uma cadeia de lojas até o pequeno comerciante – mas que, ao representar um objeto de aspiração, pode referir-se tanto à realidade quanto a um desejo. Em um mundo onde se insta constantemente as pessoas a admirar os empresários e a ver as coisas do seu ponto de vista, não surpreende que candidatos que se apresentam como defensores dos empreendedores possam atrair ricos e pobres ao mesmo tempo.

Mas o papel de operador ideológico em uma aliança entre diferentes classes também não diz tudo sobre o papel que o empreendedorismo desempenha na política atual. É necessário entender figuras como Jair Bolsonaro e Javier Milei não só como favoráveis aos empreendedores, mas como elas mesmas resultado de fenômenos de empreendedorismo, neste caso político. A partir do esgotamento e da decomposição do progressismo no Brasil e na Argentina, "ser de direita" (e, gradualmente, de extrema-direita) se tornou uma escolha profissional para muitas pessoas. Este "empreendedorismo político" desempenhou um papel chave na construção da onda que levou esses personagens à Presidência e, evidentemente, alcançou outro nível com a tomada do poder.

A ubicuidade da ideologia do empreendedorismo nas últimas décadas tem diversas fontes, que vão desde o neoschumpeterianismo do teórico de gestão Peter Drucker até a generalização de "empreender" como praticamente sinônimo de toda ação humana por parte da escola austríaca de Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek. Em países como o Brasil, sua difusão desde os anos 1980 se deveu principalmente a quatro fatores. Os dois principais foram, claro, o domínio absoluto das ideias neoliberais no debate público e as políticas inspiradas nessas ideias, que favoreceram o mercado como mecanismo de alocação de recursos em detrimento dos direitos sociais e dos serviços públicos, aumentando a coerção econômica sobre as pessoas e intensificando a lógica de "matar ou morrer". Mas também pesaram muito a crescente penetração das igrejas evangélicas que pregam a chamada "teologia da prosperidade" e o boom da indústria da autoajuda e do coaching. Esta última, uma espécie de ouróboros do empreendedorismo – no qual a constante demanda de auto-otimização para o mercado se transforma em uma oportunidade de negócio – consiste na curiosa atividade econômica em que indivíduos cujo único negócio são eles mesmos ensinam a outros indivíduos seus segredos para triunfar nos negócios.

Os governos de esquerda que prosperaram na América Latina no início deste século não representaram um momento de refluxo na ideologia do empreendedorismo, mas sim o contrário. Como aponta Verónica Gago, em grande medida a mobilizaram e, em certo sentido, a "democratizaram"[1]. Durante este período, as condições econômicas favoráveis e a aposta em políticas distributivas e no mercado de consumo interno criaram as bases para um "empreendedorismo popular" que funcionou como fonte de dinamização econômica e ascensão social. Com isso, o progressismo contribuiu para a consolidação de um "neoliberalismo de baixo para cima": uma condição na qual as classes populares, cada vez mais acostumadas à privatização dos riscos e aos discursos de legitimação da ordem econômica promovidos pelo neoliberalismo, internalizam a lógica do "empreendedor de si mesmo" e passam a conceber suas próprias estratégias de vida nesses termos.

Mesmo em condições normais, o mercado sempre produz muito mais perdedores do que vencedores. A propósito, a ficção de que seria um espaço no qual os indivíduos florescem exclusivamente por seus méritos costuma servir para ocultar todas as vantagens das quais, na realidade, dependem os vencedores (riqueza intergeracional, boas conexões, acesso privilegiado ao poder político, etc.). Mas o poder da ideologia do empreendedorismo provém, em grande medida, do fato de que a impossibilidade de realizá-la reforça a identificação com ela, em vez de enfraquecê-la. Quando se acredita que o sucesso depende exclusivamente do esforço individual, o fracasso não é vivido como um sinal de que os dados estão enviesados, mas como culpa, vergonha e um chamado a trabalhar ainda mais. O sucesso e a figura do empreendedor tornam-se assim objetos do que a recentemente falecida teórica americana Lauren Berlant denominou "otimismo cruel": o apego a uma promessa de felicidade que não só não chega a se materializar, mas que nos impede de obter a felicidade, e à qual voltamos uma e outra vez com a esperança de que "desta vez será diferente"[2].

Acumulada durante décadas, essa repetição produz tanto solidariedade negativa (o sentimento de que "se eu tenho que passar por isso, todos os demais também") quanto ressentimento (o ódio que surge da experiência de não obter o que se imagina que se merece). Grande parte do material que Donald Trump e outros líderes de extrema-direita tiveram à sua disposição nos Estados Unidos e na Europa provém daí. Mas o ressentimento também pode ser gerado em um período muito menor, se ocorrer um achatamento repentino do horizonte futuro; foi assim que aconteceu no Brasil. Sem dúvida, não foram apenas a onipresença e o perverso apelo da ideologia do empreendedorismo que seduziram pessoas de muito diversa procedência nas eleições de 2018. A crise econômica iniciada em 2014 frustrava as expectativas tanto na parte superior da pirâmide social quanto em sua base, enquanto a eclosão de um grande escândalo de corrupção ofereceu uma explicação causal simples e um alvo fácil para o ressentimento: a culpa era da "velha política" e do "saqueio do PT [Partido dos Trabalhadores]". Como os anos de "saqueio do PT" também haviam sido vantajosos para certos grupos sociais, o ódio podia se estender ao porteiro de um prédio que conseguiu viajar para Nova York, à filha da empregada doméstica que ingressou na universidade pública, aos indígenas cujas terras foram reconhecidas, às pessoas LGBTI+ que obtiveram amparos legais ou a artistas que organizaram eventos com apoio da Lei Rouanet[3].

O súbito ressentimento provocado pela crise podia assim se comunicar com um ressentimento que havia sido acumulado progressivamente durante a década anterior, e talvez até antes. Ao contrário do primeiro, comum a ricos e pobres, o segundo estava mais concentrado em um estrato social específico: a baixa alta classe média.

A "baixa alta classe média"

Quando Trump ganhou as eleições de 2016, a surpresa foi atribuída quase que totalmente à mítica "classe trabalhadora branca" das regiões desindustrializadas durante décadas de globalização neoliberal. Por mais que esse segmento social possa realmente ter definido o resultado da votação em seus distritos, essa análise confundiu anedota e fato ao ignorar que apenas 25% dos eleitores de Trump se encaixavam no perfil de uma pessoa branca, sem diploma universitário e com renda familiar abaixo da média nacional, ou ao não levar em conta que muitos eleitores pobres em relação à média nacional eram relativamente acomodados em comparação com as áreas onde viviam ("nacionalmente pobres, mas localmente ricos")[4]. Por sua vez, no Brasil, enquanto a esquerda se concentrava nos milionários que apoiavam o governo e a direita tentava se apresentar como a verdadeira voz do povo, talvez devêssemos ter identificado o núcleo do bolsonarismo em um estrato que, aproveitando a expressão de George Orwell em O caminho de Wigan Pier, poderíamos chamar de "baixa alta classe média".

No Brasil atual, muito diferente da Inglaterra edwardiana em que Orwell cresceu, o que designaria essa etiqueta é um estrato de pessoas com uma condição acomodada, mas constantemente ameaçada pelo fantasma da mobilidade social negativa. Embora seus rendimentos as situem na classe média ou média alta, carecem da riqueza proporcionada por ativos acumulados e do capital cultural e social de outras pessoas com níveis de vida semelhantes [5]. Essas deficiências as tornam particularmente sensíveis às diferenças de status e expostas às flutuações da economia. Frutos da primeira ou segunda geração que conseguiu o ascenso social, ou herdeiros de famílias que viram sua riqueza diminuir, encontram-se permanentemente em uma sorte de ponto médio: alto consumo, mas às custas do endividamento; diploma universitário, mas medíocre e em instituições de baixo prestígio; empresa própria, mas nunca operando com uma margem completamente confortável sem recorrer à evasão de impostos e outros recursos ilegais.

Sua condição de "lumpen-elite" os torna presa fácil de um ressentimento dirigido tanto para cima quanto para baixo. Para cima, ressentem-se diante de uma elite cultural que domina códigos que lhes escapam (e que veem como simples marcadores de distinção social), uma elite social que tem as conexões que lhes faltam (e que se apresenta como uma rede fechada de amizades) e uma elite econômica que possui a riqueza que desejam (objeto de inveja e emulação ao mesmo tempo). Para baixo, ressentem-se diante da ameaça de perder seus próprios marcadores de distinção: a exclusividade no acesso a bens de consumo como viagens internacionais, espaços como a universidade ou serviços como o trabalho doméstico. Essa ansiedade de status implica, por sua vez, uma alta vulnerabilidade às perturbações, no que o filósofo político Corey Robin denominou "a vida privada do poder", e que podemos entender ampliando a ideia do sociólogo W.E.B. Du Bois de um "salário psicológico da branquitude" para falar também de relações de classe e de gênero[6]. O ressentido muitas vezes encontra compensação emocional na possibilidade de se sentir superior ao garçom, à empregada doméstica, ao negro (no caso do branco), à mulher (no caso do homem), ao gay ou trans (no caso do cis-hetero) e, portanto, incomoda-se com qualquer risco de não poder desfrutar dessas vantagens ou de perdê-las.

A baixa alta classe média não deixou de se beneficiar dos anos de prosperidade lulista, mas viu que seus ganhos sofreram uma relativa depreciação em comparação com os ganhos dos mais ricos e os avanços simbólicos e materiais dos mais pobres. Foi nesse ambiente que a pregação de figuras como Olavo de Carvalho[7] encontrou terreno fértil ao colocar no mesmo quadro de uma grande conspiração contra os valores ocidentais a frustração do concurseiro[8] que não foi aprovado (e passou a culpar as cotas raciais), a do homem que não conseguiu ser macho alfa (e começou a culpar o feminismo), a do adulto que se sentiu diminuído intelectualmente (e começou a culpar o marxismo cultural) e a do empresário fracassado, para quem o problema eram as políticas redistributivas, entendidas não como mecanismos para promover a atividade econômica e reparar as desigualdades históricas, mas como subornos do governo aos grupos de interesse. Como resultado, os sentimentos de fracasso e impotência encontraram não apenas uma explicação, mas um espaço de recepção e organização[9]. Nesse sentido, a formação da nova direita brasileira desde 2013 até o presente, com suas manifestações ocasionalmente delirantes e seus pânicos morais em torno das universidades e exposições de arte contemporânea, foi talvez o maior programa de saúde mental que o Brasil já conheceu.

É nesse nicho da baixa alta classe média que se criou e se manteve o bolsonarismo mais convicto. A própria família Bolsonaro, por sinal, provavelmente pertenceria a esse estrato se não tivesse descoberto um talento para os negócios políticos. Mas dali não apenas provinham a maioria dos seguidores mais ferozes da nova direita, mas também muitos de seus organizadores e intelectuais orgânicos. À medida que a instabilidade política e econômica revelou a existência desse mercado, centenas de empresários falidos, roqueiros decadentes, atores e atrizes fracassados, jornalistas de reputação duvidosa, subcelebridades "ativistas", traders esforçados, coaches medíocres, policiais e militares que buscam complementar sua renda – toda uma fauna colorida de agitadores "conservadores", "patriotas", "liberais" e "anarcocapitalistas" – encontraram a oportunidade de uma nova carreira.

Seja através da criação de movimentos capazes de captar recursos de destino nebuloso, através da conquista (ou reconquista) de espaços nos meios tradicionais, ou através da monetização de canais de YouTube e perfis de Instagram, esses constituíram um circuito no qual a acumulação de capital político se convertia facilmente em acumulação de capital econômico, e vice-versa. Essa convertibilidade é, além disso, tanto o meio pelo qual se constrói a trajetória do empreendedor político quanto seu próprio fim. Ao se consolidar como influenciador, o indivíduo pode reivindicar um cargo público, seja por eleição ou designação; o cargo público, por sua vez, traz notoriedade e uma audiência fiel, retroalimentando a performance nas redes sociais. Mesmo quando não leva a uma carreira política, o empreendedorismo político sempre implica vantagens pecuniárias, tanto diretas (convites para conferências, contratos publicitários e editoriais, venda de produtos como camisetas e adesivos, fundos públicos) quanto indiretas (isenção de dívidas tributárias, empréstimos, acesso a autoridades).

Nesse sentido, a onda de extrema-direita que surpreendeu muitos em 2018 também deve ser entendida como um grande movimento empreendedorial. Este é, por certo, um dos pontos em que fenômenos como Bolsonaro e Trump mais se distinguem dos movimentos fascistas históricos do período entreguerras. Enquanto os primeiros se baseavam em organizações de massas altamente disciplinadas, concebidas à imagem de um exército paralelo, seus epígonos contemporâneos se parecem mais com um enxame de empreendedores inovando em um nicho de mercado[10]. Usando plataformas digitais em vez de formas de organização mais tradicionais, conectam uma demanda (frustrações, feridas e desejos variados) com uma oferta (abrigo, explicações, soluções e válvulas de escape). Como a base sobre a qual se desenvolve esse encontro é a fragilidade emocional que gera a incapacidade de cumprir as próprias expectativas, há um terreno fértil para oportunistas e especuladores de todo tipo.

Nesse sentido, de fato, a agitação da extrema-direita e o mundo do coaching são muito semelhantes: em ambos os casos, para alimentar o "otimismo cruel" que sustenta a crença no empreendedorismo, é fundamental que os candidatos a influenciadores saibam interpretar o papel de objetos de admiração. Por mais que sua nova carreira esconda o fracasso da anterior, devem se apresentar como vencedores no competitivo mundo do mercado, grandes expoentes em suas respectivas áreas, autoridades cujos méritos manifestos não conseguiram ser reconhecidos devido a algum tipo de complô. Por isso, a militância bolsonarista mais aguerrida aparece tão claramente dividida entre os que sofrem por não alcançar as alturas prometidas por sua visão de mundo e os que dizem conhecer algum segredo oculto ou fórmula do sucesso. Por cada Ricardo Vélez Rodríguez, um ressentido antiquado, piedoso e nostálgico, sempre há um Markinhos Show, o assessor especial designado pelo general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, cujo site o descreve como "conferencista motivacional, Master Coach, analista de neuromarketing, especialista em marketing, SEO, hipnólogo, mentalista, practitioner de PNL, músico, empreendedor e especialista em marketing político". Mesmo a suposta figura "técnica" do gabinete de Bolsonaro, o ministro da Economia Paulo Guedes, é alguém cuja capacidade intelectual nunca foi muito apreciada por seus pares, mas que conseguiu converter seu sucesso como operador de bolsa em um cargo ministerial no qual misturava o papel de orador motivacional em eventos para investidores com a constante venda de terrenos na Lua.

Dado que foi nesse ambiente de empreendedorismo freestyle onde o bolsonarismo recrutou boa parte de seu pessoal, não é de se surpreender que o governo se mostrasse repleto de espertalhões negociando com falsificadores, como sugerem as farsas que a Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) da pandemia [11] revelou. Mas as oportunidades de negócios não se esgotaram com a distribuição de cargos a simpatizantes sem qualquer qualificação discernível, nem com a alocação de recursos públicos a influenciadores digitais amigos, nem com o gasto em alimentos e bebidas de luxo possivelmente superfaturados, o relaxamento nos mecanismos de controle, o sigilo do cartão corporativo presidencial e a entrega de porções administrativas e orçamento aos parceiros. O fenômeno do "tratamento precoce"[12], impulsionado por uma rede de influenciadores do mundo médico em sinergia com laboratórios farmacêuticos e um governo interessado em isentar-se de responsabilidades na luta contra a covid-19, demonstra que o bolsonarismo continuou produzindo enxames e nichos de celebridades capazes de voar cada vez mais alto.

Maquiavelos e estafadores

"Existem fortes indícios de que, ao menos em seu estado atual, a agitação [de extrema-direita] nos EUA é tanto uma fraude quanto um movimento político", escreveram Leo Löwenthal e Norbert Guterman em um estudo clássico da retórica utilizada por propagandistas de direita[13]. Era o ano de 1949. "Não devemos esquecer que o agitador confia que seu público é composto por ‘toscos’", dizem os autores. "Pessoas que guardam rancor do mundo porque sentem que foram deixadas para trás, e que, portanto, são inseguras, dependentes e estão confusas"[14]. Mais recentemente, o historiador Rick Perlstein apontou que a promiscuidade de longa data entre os interesses comerciais e os fins políticos dentro do movimento conservador norte-americano torna impossível dizer onde termina o negócio e onde começa a ideologia. "São duas faces da mesma moeda, a fraude da cura milagrosa para doenças cardíacas que custa apenas 23 centavos transformando-se infinitesimalmente na fraude das taxas impositivas marginais mínimas como a cura milagrosa para os problemas nacionais"[15]. O conservadorismo, "nesse aspecto como em muitos outros", conclui Perlstein, é o mesmo que esquemas piramidais ou o infame "marketing multinível" de empresas como a Amway, um velho ímã para a baixa alta classe média[16].

No discurso da meritocracia, a promessa aparentemente democrática de que todos podem "chegar" por seu próprio esforço se equilibra de maneira precária com a celebração aristocrática daqueles que realmente "chegam" como indivíduos dotados de um talento e de uma coragem superiores à média. Nesses termos, por exemplo, o economista Joseph Schumpeter exaltou a "destruição criativa" promovida pelo empreendedor, um revolucionário cujas conquistas estão "fora das atividades rotineiras que todos entendem"[17]. Em um mundo extremamente desigual, essa duplicidade produz inevitavelmente, por um lado, o sofrimento altamente individualizado do fracasso e, por outro, a esperança de que o prêmio maior está sempre à volta da esquina, ao alcance de qualquer um que saiba reconhecê-lo. O elogio do esforço torna-se facilmente, então, na valorização da astúcia e na sorte.

Isso se torna ainda mais evidente quando passamos da narrativa épica de Schumpeter para a mais modesta de Friedrich von Hayek, na qual o herói não é um inovador radical, mas alguém que sabe aproveitar informação privilegiada. Para Hayek, o mercado é um grande processador de informação que comunica diferenças vantajosas nas condições de produção através de variações de preços. É o fato de ter informação única, como obter mão de obra ou transporte mais baratos, por exemplo, que permite a um agente vender a um preço mais baixo. Dessa forma, ele estará ao mesmo tempo tirando uma vantagem econômica desse conhecimento e trazendo uma novidade útil para o restante do sistema. É assim que, escreve Hayek, "quando apenas alguns conhecem um novo acontecimento importante", serão "os tão difamados especuladores" quem "farão com que a informação relevante se espalhe rapidamente através de uma adequada variação dos preços"[18]. O caminho mais curto para o sucesso é o descobrimento, seja de uma pequena vantagem marginal ou da próxima grande ideia. E, claro, onde há muita gente procurando um atalho, sempre haverá algum astuto cujo atalho é convencer outros de que encontrou um.

A situação se complica ainda mais quando deixamos o eixo produção-comércio e passamos para as finanças. Enquanto no primeiro caso a vantagem incluída na informação privilegiada é verificada imediatamente na redução do preço do produto, a vantagem de um investimento geralmente é futura: aposte hoje naquela ideia e ganhe amanhã por tê-la descoberto primeiro. O mercado financeiro coloca a próxima grande ideia potencialmente ao alcance de todos, mas ao mesmo tempo faz com que o negócio do lucro, o esquema piramidal, a cura milagrosa, vender fumaça e a teoria conspiratória tenham fundamentalmente a mesma forma: a promessa de que a informação agora restrita a um pequeno círculo logo provará ser uma verdade revolucionária e gerará ganhos pecuniários e/ou psíquicos para aqueles que ousaram abraçá-la primeiro. A diferença entre a oportunidade perdida e a aposta de um milhão de dólares pode estar na audácia do "pensamento freelance", usando a expressão que o apresentador da Fox News, Tucker Carlson, usou para descrever o movimento conspiracionista QAnon.

As semelhanças não param por aí. Assim como com os esquemas piramidais, a melhor maneira de ganhar dinheiro com as finanças é ser o primeiro a entrar e o primeiro a sair. Dado que o valor de um ativo depende da percepção das pessoas sobre o valor que terá, aqueles que investem primeiro[19] têm a oportunidade de valorizar sua aposta inicial até que o ativo se valorize tanto que não possa mais oferecer o rendimento esperado. Então será o momento de vender, antes que o mercado chegue à mesma conclusão e o preço comece a cair. Essa trajetória descreve todas as bolhas especulativas da história, desde a febre dos tulipanes na Holanda no século XVII até a queda do mercado imobiliário que abalou a economia global em 2008. Mas esses momentos supostamente excepcionais não revelam nada mais do que o que faz o mecanismo normal do mercado quando não há nada que possa controlá-lo.

Embora essa lógica continue a mesma desde o nascimento do mercado financeiro, dois fatores mudaram nas últimas décadas. Por um lado, houve uma redução do feedback entre a percepção pública e o valor monetário: agora os dois interagem muito mais rapidamente. Por outro lado, proliferaram os meios e as técnicas para manipular a percepção.

Ao conectar mercados e nações de todo o planeta, a globalização do final do século passado criou um mundo onde o dinheiro nunca dorme e os ativos financeiros estão continuamente sujeitos às mudanças de humor de uma audiência internacional que responde em tempo real às redes sociais e aos noticiários durante 24 horas. Assim, um gesto tão pequeno quanto o do astro português Cristiano Ronaldo ao esconder duas garrafas de Coca-Cola durante uma coletiva de imprensa pode ter um impacto quase imediato nas ações da marca. No entanto, o outro lado da moeda é que há um número crescente de dispositivos disponíveis para qualquer um que queira inflar o valor dos ativos, das ideias e das empresas.

Isso pode ser feito através da força bruta do dinheiro. Empresas como a Uber podem oferecer preços baixíssimos aos consumidores não apenas porque exploram as lacunas na legislação trabalhista, mas porque têm os fundos para operar no vermelho por anos, até destruir os concorrentes e monopolizar seus mercados. Esse plano de negócios é o segredo das start-ups tecnológicas mais bem-sucedidas (os chamados "unicórnios"), e assume que se depois a empresa não for capaz de oferecer o desempenho esperado, é provável que os investidores tenham obtido seu lucro no momento da oferta pública inicial da empresa. Mas os artifícios em questão também podem ser os da propaganda: se o valor de um ativo depende de ser percebido como valioso, quem conseguir gerar essa impressão inevitavelmente verá o valor do ativo aumentar. Assim é como uma máquina de hype bem lubrificada é capaz de inflar um investimento tão enganoso quanto o já lendário Fyre Festival[20].

É neste ponto que as finanças e a economia de influenciadores se cruzam. Não apenas no sentido de que os influenciadores são grandes dispositivos de manipulação de opinião, mas também porque compartilham com o mercado financeiro exatamente o mesmo princípio: gerir a percepção pública como mecanismo de geração de valor[21]. Dada a centralidade desse tema na atualidade, parece perfeitamente justo que uma das figuras mais definidoras de nosso tempo seja Donald Trump: um multimilionário autodeclarado cuja principal fonte de renda neste século foi interpretar o papel de multimilionário em um reality show e patentear seu nome como marca registrada.

Quando a percepção pública e o dinheiro estão tão entrelaçados, nada importa mais do que a autenticidade: quando todos tentam fingir, o que é "real" vale mais. O problema, claro, é que falsificar algo real nunca foi tão fácil. Em uma sociedade global hiperconectada, com bilhões de produtores e consumidores de informação, não faltam formas de se publicitar sem parecer, plantando conteúdos que pareçam "orgânicos" e "espontâneos" para gerar uma participação ativa que seja efetivamente ambas as coisas. Os instrumentos para manipular as métricas das redes sociais, como fazendas de cliques e contas de robôs ou ciborgues; a multiplicação de fontes de fake news; a contratação de influenciadores para publicidade não declarada; a criação de ecossistemas de comunicação multiplataforma que formam um circuito fechado onde progressivamente se constroem mundos paralelos: tudo indica que vivemos em uma espécie de idade de ouro da fraude[22]. Se no passado um bom embusteiro sempre plantava um ou dois cúmplices entre o público para ajudar a atrair suas vítimas, na internet um pode ter tantos cúmplices quanto seu orçamento permitir. Do Brexit a Bolsonaro, a história da virada à direita da política mundial nos últimos anos é inseparável do fato de que as democracias contemporâneas ainda carecem de anticorpos para enfrentar essa transformação.

Notas

1. V. Gago: A razão neoliberal. Economias barrocas e pragmática popular, Tinta Limón, Buenos Aires, 2014.

2. L. Berlant: Cruel Optimism, Duke UP, Durham, 2011. [Há edição em português: O otimismo cruel, Caja Negra, Buenos Aires, 2020].

3. Mecanismo de financiamento das atividades culturais introduzido durante o governo de Fernando Henrique Cardoso na década de 1990 como forma de isentar o poder público de responsabilidades e ampliar o controle do mercado sobre o setor. Esta lei se tornou na última década um objeto da paranoia um tanto despistada da extrema-direita, que a vê como instrumento para favorecer o «marxismo cultural» durante os governos do PT.

4. Ver Nicholas Carnes e Noam Lupu: «It’s Time to Bust the Myth: Most Trump Voters Were Not Working Class» em The Washington Post, 5/6/2017; Thomas Ogorzalek, Luisa Godinez Puig e Spencer Piston: «White Trump Voters Are Richer Than They Appear» em The Washington Post, 13/11/2019.

5. Em uma economia altamente financiarizada, «[o] principal fator determinante da desigualdade já não é o emprego, mas a capacidade de comprar ativos cuja apreciação é mais rápida do que a inflação e os salários. (...) Claro, os rendimentos salariais continuam sendo de vital importância para muitas pessoas como meio para acessar os meios de subsistência, mas o importante é que, por si mesmos, servem cada vez menos como base para o que a maioria das pessoas consideraria uma vida de classe média». Lisa Adkins, Melinda Cooper e Martijn Konings: The Asset Economy: Property Ownership and the Logic of Inequality, Polity, Cambridge, 2020, p. 5.

6. C. Robin: The Reactionary Mind: Conservatism from Edmund Burke to Donald Trump, Oxford UP, Oxford, 2018; W.E.B. Du Bois: Black Reconstruction in America, 1860-1880, Free Press, Nova York, 1998.

7. Olavo de Carvalho (1947-2022), residente nos EUA, foi um ativo referencial ideológico da extrema-direita e teve uma influência importante no início do mandato de Bolsonaro [n. do e.].

8. O termo designa as pessoas, normalmente de classe média e média baixa, que se dedicam durante muito tempo a se preparar para todo tipo de concurso com a esperança de alcançar uma carreira segura na administração pública.

9. É interessante notar que o discurso da extrema-direita oferece o alívio de uma desresponsabilização individual (o fracasso, que normalmente seria responsabilidade do próprio indivíduo, neste caso não o é) sem reconhecer a ação das estruturas sociais sobre nossas vidas. O que fazem as teorias da conspiração é atribuir personalidade e intencionalidade às forças impersonais que condicionam as trajetórias pessoais: se você falhou, não é porque o sistema distribui as oportunidades de maneira desigual, mas porque alguns agentes específicos assim o queriam. Desta forma, a demanda por justiça acaba se tornando equivalente à demanda por «igualdade» de um mercado idealizado, livre das ações nocivas de sujeitos mais ou menos ocultos.

10. A organização paramilitar não necessariamente desaparece, mas é, por assim dizer, «terceirizada». Em casos como o Brasil, se constitui como uma atividade empresarial segundo o modelo das milícias. Em definitivo, é necessário reconhecer que nem mesmo as formas de organização da extrema-direita saíram ilesas das transformações impostas pela revolução neoliberal.

11. A CPI do covid-19, também chamada CPI da pandemia, foi uma comissão parlamentar que investigou supostas omissões e irregularidades na atuação do governo do presidente Bolsonaro durante a pandemia de covid-19. Foi criada em 13 de abril de 2021, instalada oficialmente no Senado Federal em 27 de abril de 2021 e prorrogada por mais três meses em 14 de julho de 2021, culminando com a apresentação e votação do relatório final em 26 de outubro de 2021 [n. da t.].

12. «Tratamento precoce» refere-se a um conjunto de medicamentos cujo uso sem comprovação científica foi estimulado por autoridades públicas e membros da comunidade médica brasileira durante a pandemia de covid-19 como alternativa às políticas de proteção como o distanciamento social e a utilização de mascarilhas, ativamente saboteadas pelo governo de Bolsonaro.

13. L. Löwenthal e N. Guterman: Prophets of Deceit: A Study of the Techniques of the American Agitator, Harper & Brothers, Nova York, 1949, p. 129. Este livro foi republicado pela editora anglo-americana Verso em 2021.

14. Ibíd., p. 21.

15. Neste ponto, é interessante lembrar que, além da defesa dos interesses corporativos dos quartéis, a atuação do deputado Jair Bolsonaro se resumia praticamente à militância de curas milagrosas como o nióbio, o grafeno e a fosfoetanolamina, a chamada «pílula do câncer», que foi objeto de um dos dois únicos projetos de lei aprovados por ele em três décadas, depois proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por pisotear as atribuições da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Quem observou de perto as manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2015 lembrará que as faixas de apoio ao projeto de lei 4639/2016, que legalizava o uso da pílula, faziam parte do heterogêneo pacote de demandas dos manifestantes.

16. R. Perlstein: «The Long Con: Mail-Order Conservatism» em The Baffler, 11/2012.

17. J. Schumpeter: Capitalismo, socialismo e democracia, Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1961, p. 166. [Há edição em espanhol: Capitalismo, socialismo y democracia, Página Indómita, Barcelona, 2015].

18. F. Hayek: Direito, legislação e liberdade. Uma nova formulação dos princípios liberais da justiça e da economia política, União Editorial, Madrid, 2014.

19. Em um artigo clássico, os antropólogos John e Jean Comaroff descrevem os esquemas piramidais como «capitalismo de cassino para pessoas que carecem do capital fiscal ou cultural para (...) apostar em mercados mais convencionais»; em outras palavras, uma espécie de Dow Jones para os pobres –ou para a lumpen-elite–. J. Comaroff e J.L. Comaroff: «Millennial Capitalism: First Thoughts on a Second Coming» em Public Culture vol. 12 No 2, 2000, p. 313. A antropóloga Letícia Cesarino utilizou recentemente a observação dos Comaroff sobre a proliferação desse tipo de esquemas para analisar o empreendedorismo em torno do «tratamento precoce». Ver L. Cesarino: «Tratamento precoce: negacionismo ou Alt-science?» em Blog do Labemus, 27/7/2021.

20. O Fyre Festival, um evento musical de luxo previsto para 2017 em uma ilha das Bahamas, tornou-se um caso exemplar da interseção entre mercado financeiro, cultura influencer e fraude: sua publicidade foi tão bem-sucedida que acabou comprometendo os organizadores, que não tinham experiência em eventos desse tipo, com uma série de promessas publicitárias que também não tinham condições de serem cumpridas. O resultado foi um desastre para as aproximadamente 500 pessoas que viajaram para a ilha, dezenas de processos judiciais, a detenção de um dos promotores e dois documentários.

21. Uma interseção literal das duas economias é a tendência recente de contratar influenciadores digitais para promover as criptomoedas, criando pequenas bolhas em benefício dos primeiros investidores, uma prática comum no mercado de valores conhecida como pump and dump [inflar e jogar fora].

22. Essa impressão é confirmada com a recente explosão de programas de televisão, tanto de ficção quanto documentários, que abordam notórios casos de fraude ocorridos nos últimos anos, como os que envolvem as empresas WeWork, Theranos e LuLaRoe, ou o da falsa milionária Anna Sorokin.

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