14 Agosto 2024
Em uma semana, o fogo no Pantanal avançou quase 400 mil hectares, o que equivale a aproximadamente 400 mil campos de futebol. No dia 30/07, a área total afetada pelas queimadas totalizava 700 mil hectares no Pantanal sul-mato-grossense, e em 06/07, sete dias depois, esse número já havia subido para um milhão de hectares. Isso representou uma alta de 55% em apenas sete dias e, segundo dados oficiais, é o maior incêndio da história do Pantanal. Até então, o ano de 2020 acumulava a maior área afetada pelas queimadas, com 500 mil hectares carbonizados, mas que não representa nem metade da área atingida neste ano.
A reportagem é publicada por Jornal da USP, 14-08-2024.
Pedro Luiz Côrtes, professor da Escola de Comunicações e Artes e do Instituto de Energia e Ambiente da USP, diz que a situação ruim já era esperada pelas décadas de descaso com a natureza, mas que o cenário cumpre as projeções mais pessimistas. “Existe toda uma tragédia anunciada que vem se manifestando ano após ano. A situação é bastante grave.”
Côrtes comenta que no ano passado as queimadas não foram tão intensas por causa do El Niño, que gera uma condição climática diferente, mas que tampouco foi suficiente para reverter essa situação da falta de água no Pantanal. Esse é um problema que se arrasta há muito tempo, e que apenas se intensifica conforme os anos passam e o clima se deteriora. A situação, segundo ele, é pior do que muitos esperavam.
As queimadas se devem à seca que se alastra na região, que por sua vez se deve ao desmatamento da Amazônia e Cerrado. Ambos os biomas têm a função essencial de fornecer água para outros ecossistemas, seja por abastecimento de rios ou pelos chamados “rios voadores”. “O desmatamento da Amazônia reduz de maneira significativa a umidade em circulação na atmosfera, e parte desta umidade precipita sob a forma de chuva no Pantanal”, afirma ele. A diminuição da área vegetada na maior floresta tropical do mundo desregula o ciclo de chuvas do continente inteiro. Não só no Pantanal, mas também a seca no Sudeste se deve a isso.
Já o Cerrado apresenta uma situação ainda mais assustadora: no ano passado, o desmatamento na região ultrapassou a da Amazônia pela primeira vez na história, crescendo 66,7% de 2022 para 2023. “O Pantanal vem enfrentando números recordes de desmatamento, o que compromete muito a quantidade de água disponibilizada nos rios, porque as nascentes ficam seriamente comprometidas.” Ele acrescenta: “Lembrando que o cerrado é o nascedouro de rios extremamente importantes para diversas bacias hidrográficas brasileiras, então esse sintoma que o Pantanal vem passando, na verdade, é consequência do desmatamento”.
Não só as chuvas deixam de apagar os incêndios, mas a seca afeta também a capacidade de proteção do bioma.
A superfície de lago no Pantanal vem passando por uma redução significativa nos últimos 40 anos, segundo um levantamento do MapBiomas. Essa característica principal da região, que é ser uma planície alagável, tem decaído para um bioma cada vez menos úmido, e portanto mais suscetível a queimadas.
“O pior é que a temporada de seca ainda não chegou ao seu auge, a situação pode ficar pior”, conta o especialista. A época de pico da seca é por volta de setembro, mas em 2024 essa temporada de fogo foi antecipada e pode ainda atingir seu máximo. A diminuição da umidade e das planícies alagadas tem se reduzido em um ritmo extremamente alarmante, alterando o equilíbrio biológico e até a capacidade de sobrevivência do Pantanal como o conhecemos.
Além disso, as mudanças do clima contribuem para que a situação seja mais difícil de reverter, sendo mais um fator agravante. Côrtes afirma que “as mudanças climáticas por si só geram cenário mais quente e seco, o que facilita a propagação de queimadas”. Ele diz que a combinação de tantos fatores gera a “tragédia perfeita”: “Temos falta de água recorrente, um clima muito mais seco, temperaturas acima da média e também uma maior tendência a ventos”.
Côrtes se diz muito preocupado com relação à capacidade do bioma de se regenerar, e que o baque sofrido dessa vez é seríssimo. Além da vegetação e fauna já perdida, “o que vem acontecendo também é que muitos animais que sobreviveram às queimadas não estão encontrando alimento e água para se manterem. Então aqueles que não morreram queimados podem morrer efetivamente de fome”. Em um tom de sóbrio pessimismo após décadas de desgastes, o especialista diz que o Pantanal talvez esteja nos próximos anos “decretando o seu fim”.
Para que se tenha alguma chance de reverter a situação ou ao menos minimizar os danos, ele diz que a situação exige “uma intervenção humana muito intensa”, pois ele receia que o bioma tenha perdido a capacidade de auto recuperação, tamanha a gravidade da situação. Nesse sentido, a ação deve envolver não só o Pantanal, mas a interligação dos ecossistemas brasileiros. Ele sugere reflorestamento da Amazônia e do Cerrado, permitindo que as nascentes voltem a ter o seu papel importante na irrigação dos rios. Ele ressalta também que essa questão supera apenas a questão de proteger o Pantanal, sendo também uma medida de proteger o Brasil, uma vez que as bacias hidrográficas estão também em risco.
A perspectiva para o segundo semestre é que a temperatura volte a ser acima da média. O professor diz que possivelmente será menos do que na primeira metade do ano e que o excesso deve amenizar, mas que não deixa de ser um cenário pior do que o desejado. “A temperatura vai continuar acima da média e a redução de chuvas permanece. O único alento é que as chuvas amazônicas devem voltar mais para o final do ano na virada do ano, então isso já representa uma melhora”. Ele afirma que será preciso acompanhar o desenvolvimento da situação e fazer novas avaliações, mas que o cenário é sem dúvida preocupante.
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A sobrevivência do Pantanal corre sérios riscos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU