30 Julho 2024
"Devemos ter cuidado para não acreditar - ato mais orgulhoso do que esclarecido - em um único tipo de inteligência", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, citando Henri De Lubac, em artigo publicado por Come Se Non, 27-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em um livro que eu mesmo editei, com textos de Z. Carra, U. Cortoni, M. Gallo, com prefácio de A. Catella e posfácio de G. Grandi, estudamos um aspecto removido da tradição sacramental, ou seja, a relação entre a dimensão de "santificação" e a dimensão de "culto". O problema não é apenas uma questão "acadêmica", mas tem um impacto profundo na experiência da fé e na identidade eclesial. Exige da teologia uma "inteligência do sacramento" que valorize o conhecimento litúrgico e o integre no plano sistemático. Sem essa integração, continuaremos a separar estruturalmente a santificação e o culto, como ainda recentemente faz um documento magisterial como a Nota Gestis verbisque do Dicastério para a Doutrina da Fé (02-02-2024).
Por outro lado, a clara separação entre "santificação" e "culto" supervisiona, desde 1500, a articulação curial entre os dicastérios romanos, em que a uma "congregação para a fé" (que trata de santificação) corresponde uma "congregação para o culto" (que trata do culto). Se, para definir a "validade" do sacramento, o culto não tem relevância, a tradição entra em crise. Essa distinção legítima, que com o tempo se tornou separação, impede uma verdadeira compreensão dos “objetos”.
A partir desta semana, o livro está disponível nas livrarias, publicado pela Queriniana (A. Grillo [org.], Il dono e il compito del culto. Il sacramento come officium, Brescia, Queriniana, 2024). Publico aqui a página que encerra o volume, na qual retomo uma límpida ideia de H. De Lubac, em um de seus livros mais importantes para o estudo da tradição eucarística. Essa ideia assume hoje grande atualidade.
Il dono e il compito del culto. Il sacramento come officium, organização de Andrea Grillo (Foto: Divulgação)
"É preciso ter cuidado para não acreditar - ato mais orgulhoso do que iluminado - em um único tipo de inteligência" (De Lubac, Corpus Mysticum, 414).
No final de sua grande obra de síntese, Corpus Mysticum, H. De Lubac inseria como penúltima nota no apêndice um pequeno texto intitulado Uma ilusão da história da teologia. Em que consiste essa ilusão? Em um "esquema enganoso" pelo qual a teologia especulativa da escolástica é drasticamente contraposta à teologia anterior, que era considerada meramente compilatória e positiva. Na realidade, a "teologia simbólica dos Padres" alimenta um estilo que certamente remonta a Hugo de São Vítor. E continua além, embora outro estilo tenha nascido com Pedro Lombardo e Pedro Abelardo, que se afirmará de forma ampla e difusa nos séculos seguintes. No fim, De Lubac observa que "devemos ter cuidado para não acreditar - ato mais orgulhoso do que esclarecido - em um único tipo de inteligência" (414).
Esse texto de De Lubac, como se sabe, havia sido elaborado anteriormente em uma série de artigos e estava pronto em 1938, mas só foi publicado em 1949 e foi imediatamente arrastado pela tempestade que se abateu sobre a escola Lyon Fourvière em 1950. Assim, foi retirado das bibliotecas da Companhia de Jesus e retirado do comércio. Mais de 70 anos depois, com tudo o que aconteceu nesse meio tempo com a Igreja e a teologia, com a "fortuna crítica" de De Lubac e com a forma da celebração eucarística, ainda podemos reconhecer presentes, nas mentes e nos corpos, aquela "ilusão" e aquele "esquema enganoso". Certamente não nas formas que De Lubac ajudou a criticar: ninguém hoje pensa na teologia escolástica como "a" forma de pensamento teológico católico. A "sabedoria patrística" é muito mais difundida, presente e eficaz hoje do que há 70 anos, quando foi justamente a escola de Fourvière que deu início à publicação das Sources Chrétiennes.
O que aprendemos nesse livro de H. De Lubac é a crítica a uma gestão excessivamente "formal" da sabedoria em torno dos sacramentos, reconduzidos a um "único tipo de inteligência" e a uma espécie de condenação à "eficácia extrínseca". O desenvolvimento da consciência eclesial, nessa parábola de três gerações, nos ofereceu uma "inteligência plural" dos sacramentos, que não mais oscila simplesmente entre “especulativos” e “positivos”, ou entre “escolásticos” e “patrísticos”. Como vimos, não só nasceu uma "inteligência litúrgica" dos sacramentos, que pôde se desenvolver graças ao Concílio Vaticano II, mas também uma "inteligência oficial" dos sacramentos, que antes cobriu, com autoridade, o espaço de meio milênio, entre Isidoro e Pedro Lombardo, mas que depois permaneceu, ao lado do conhecimento escolástico, como saber cerimonial, jurídico e moral sobre os sacramentos.
Não é difícil ver como a inteligência litúrgica tenha se movido precisamente dentro do espaço teórico do de officiis, mas com um repensamento radical da ação ritual, só agora entendida como "fonte e ápice" de toda a ação da Igreja. Assim, os desenvolvimentos pós-conciliares na práxis celebrativa levaram a uma nova inteligência ritual dos sacramentos, que hoje pode encontrar alguns de seus pressupostos no "conhecimento oficial" desenvolvido entre os séculos VI e XI, posteriormente superado pelo saber escolástico, mas permanecendo como "registro prático" da inteligência sacramental.
O fato de que esse "registro da prática" tenha se tornado importante, para não dizer decisivo, para a inteligência do sacramento constitui o foco da atenção de todo este livro, que herdou de De Lubac a superação de "ilusões enganosas" e tentou elaborar "esquemas menos enganosos" para oferecer diversos "esclarecimentos", na esperança de que esses lampejos de luz, em sua mistura de antigo e novo, sejam capazes de salvar os sacramentos e a liturgia como fenômenos simbólicos decisivos: precisamente a não singularidade, para aqueles símbolos rituais que são os sacramentos, não se apresenta de modo algum como uma limitação, mas sim como a forma mais típica de sua autoridade.