27 Julho 2024
Desde os tempos modernos o horizonte estava claro e óbvio; no entanto, a crise ecológica passa a abalar a nossa capacidade de imaginar o futuro. O futuro, prevendo uma Terra inabitável, nos salta na vista.
A reportagem é de Nina Guérineau de Laméri, publicada por Reporterre, 24-07-2024. A tradução é do Cepat.
O futuro está desaparecendo? À medida que as paisagens desmoronam e a biodiversidade entra em colapso, a nossa capacidade de fazer projeções parece ter desaparecido. Estiagens, ondas de calor, enchentes, deslizamentos de terra, erosão das partes costeiras... O futuro – que parece um apocalipse – já não nos faz sonhar, tanto que já não o sonhamos mais coletivamente. O futuro “é vítima de um ‘vazio projetivo’”, resumiu o físico Étienne Klein em 2020, numa entrevista ao sítio L’ADN. Nos jornais ou na televisão, “só nos falam do presente. Como se a emergência [ecológica] tivesse repudiado o futuro como uma promessa”. O caminho prometido para o mito do crescimento infinito está desmoronando em todas as partes sob o peso das mudanças climáticas. Estes são agora os primórdios de um futuro violento, poluído e com recursos limitados, que está tomando forma diante dos nossos olhos.
“A Terra está aquecendo mais rápido do que o esperado. As mudanças geológicas que geralmente são extremamente lentas ocorrem agora ao longo de apenas algumas décadas. O futuro não desaparece. Pelo contrário, salta na vista, jogando-nos no desconhecido e no imprevisível”, acredita a filósofa Hélène L’Heuillet, autora do livro L’éloge du retard (Albin Michel, 2024). Isto já estaria “atrás de nós, diz Grégory Quenet, historiador ambiental, porque a mudança climática já é uma realidade para os próximos cem anos. E isso é absolutamente novo”. Uma análise compartilhada por seu colega Dominique Bourg. Segundo ele, em “cidades pequenas” falar sobre meio ambiente causa muita ansiedade. “É assustador, porque a perspectiva de uma vida melhor passa necessariamente por uma fase extremamente difícil”.
Na verdade, mesmo que todos os governos do mundo parassem de emitir CO2 em 2024, os gases de efeito estufa acumulados na atmosfera persistiriam parcialmente durante décadas ou mesmo séculos. Consequentemente, as novas gerações terão inevitavelmente condições de vida piores que as dos seus antepassados. “A relação com os filhos, normalmente uma relação de dádiva, torna-se uma relação de dívida”, diz Hélène L’Heuillet.
Ao contrário de um futuro ultrapassado, “o passado está agora diante de nós. Recebemos uma herança que agora devemos aprender a viver de outra maneira”, observa Grégory Quenet. Ele cita o exemplo da construção de moradias: “Não podemos arrasar nem continuar a artificializar terras agrícolas, pois ambas produzem a mesma quantidade de CO2. O desafio é transformar os usos. E a nossa sociedade não sabe como fazer isso”. Esta situação sem precedentes desequilibrou a flecha do tempo, estimou em 2021 a economista e ativista ambiental Geneviève Azam na revista Socialter: “A flecha do tempo traça uma linha reta e simboliza um tempo homogêneo e linear. Há vários séculos, aqueles que se tornaram seus mestres direcionaram esta flecha para a promessa de um futuro luminoso e único, que ilumina o nosso presente e relega o passado ao obscurantismo”.
A trajetória era clara e se resumia a um princípio: tirar o maior número possível de pessoas da pobreza através do progresso, da tecnologia e do domínio da natureza. “Entre os anos 1930-1950, houve evidências de desenvolvimento científico e técnico. Foi o momento máximo de expressão da modernidade”, observa Dominique Bourg. Desde então, este sistema se desenvolveu, globalizou, e o ritmo de vida se acelerou. A ponto de “queimar” o futuro: “Desde os anos 2000, o futuro dobrou-se sobre o presente, é por ele absorvido e desgasta-se antes mesmo de poder ser efetivamente concebido”, descreveu em 2011 a socióloga Carmen Leccardi, na revista de ciências sociais Temporalités.
Uma corrida frenética pelo progresso, pela inovação, que nada parece conseguir deter. Nem o repentino retorno da natureza e das suas catástrofes naturais, nem as sombrias previsões e os múltiplos alertas da comunidade científica sobre os riscos de um mundo em aquecimento. Como se o crescimento do ser humano e a produção excessiva de bens materiais não conhecessem limites. E acima de tudo, como se nunca precisássemos prestar contas.
Mesmo o anunciado tsunami ecológico não dissuade as sociedades ocidentais do consumo excessivo. A razão? Além de ter sido muito eficaz nos seus primórdios – especialmente através da pilhagem de recursos em todo o planeta e da exploração de outras populações –, “a civilização industrial triunfou porque criou um imaginário poderoso”, atraente e desejado pela maioria das populações, explica Grégory Quenet. Ainda hoje, a maioria dos países agarra-se à fábula do crescimento infinito.
E também porque, por outro lado, o horizonte da neutralidade carbônica permanece sombrio. “Isso dá a impressão de que é o fim da festa, diz Laurent Fonbaustier, advogado e autor do livro Environnement (Anamosa, 2021). No entanto, o verme estava no fruto desde o início: houve um mal-entendido histórico muito profundo entre a emancipação e o quadro limitado em que ela ocorreria”. Um sentimento que o físico Étienne Klein (novamente no sítio L’ADN) descreve da seguinte forma: “Dizem-nos que devemos inovar não para inventar outro mundo, mas para evitar que o nosso se desintegre. Como se já não fôssemos mais capazes de explicar um desenho comum confiável e atraente. Estamos falando de agir de modo a preservar o estado das coisas e não a perturbá-lo. No entanto, tal concepção vira as costas ao espírito do Iluminismo, para quem o tempo é, pelo contrário, construtor e cúmplice da nossa liberdade, desde que nos esforcemos para investir numa determinada representação do futuro. Este não é mais o caso hoje”.
E esse é todo o problema, segundo os interlocutores do Reporterre: o Ocidente cometeu um erro colossal na sua trajetória econômica e política e já não sabe como corrigir a rota. Devido às atividades humanas, o globo está mudando em alta velocidade e o objetivo de não exceder 1,5°C de aquecimento está quase fora de alcance. Por isso, torna-se “difícil escapar dos discursos colapsistas para criar uma história agregadora positiva, sublinha Laurent Fonbaustier. Porque haverá retroações formidáveis sobre as sociedades. As tensões em torno das megabacias e da distribuição da água provam que o problema já está aí”. Embarcada no caminho liberal e capitalista, a humanidade caminha para a “expansão infinita num mundo limitado. Isto não é razoável. O século XXI deve ser ecológico, ou não será”.
O desafio aqui é “simplesmente construir outra civilização, diz Dominique Bourg. Esta ideia ainda não se concretizou. Quando chegar o dia, saberemos o que fazer. Agora, estamos no meio do caminho: realmente nos esforçamos para imaginar como podemos viver de forma diferente quando nos dizem que devemos mudar. Logo, isto tem um lado punitivo”. E neste momento “não há nenhum plano para o futuro porque a ecologia está organizada em torno de espaços para proteger, para conservar. Não é pensada como uma transformação ao longo do tempo, argumenta Grégory Quenet. Devemos afastar a catástrofe e, urgentemente, encontrar formas de prolongar o tempo para nos transformarmos. Se não encontrarmos esta nova figura do tempo, o ecomodernismo, com a inteligência artificial e a tecnologia digital, prevalecerá”.
A filósofa Hélène L’Heuillet, por sua vez, acredita que esta mudança em massa do informático deve primeiro passar por “uma reflexão radical sobre o que é o capitalismo”. “As mudanças climáticas obrigam-nos a inventar. Há algo de excitante nisso”. Por enquanto, a imprecisão permanece: quem sabe aonde as próximas décadas nos levarão? Ao colapso das nossas sociedades, como alguns preveem? A uma generalização do homem-máquina fabricado no Vale do Silício (Estados Unidos), como anunciam outros? Para Laurent Fonbaustier, pelo contrário, esta situação pode tornar-se “o grande encontro com a inclusividade da vida na sua totalidade” e o momento de desconstrução “da fantasia absolutista do indivíduo sobre a biosfera”.
Uma mudança salutar, que não seria necessariamente isenta de progressos. “Podemos progredir na solidariedade, na espiritualidade, imaginar outra forma de autorrealização que não esteja mais na destruição da natureza ou no consumo”, diz Dominique Bourg. Um desafio que certamente levará muito tempo.
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Como fazer projeções para uma Terra inabitável? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU