17 Julho 2024
O ensinamento é simples, cristalino: "Não se conformar, continuar a pensar por si mesmos, tentar não ser os soldados obsequiosos e disciplinados da próxima guerra". Para Amos Gitai, o diretor israelense que nunca teve medo de expressar críticas contra o governo de seu país, o cinema é um ato artístico, mas também um compromisso civil, uma posição contra aquelas "forças que querem continuar um conflito que suprime os direitos humanos". Seu último filme, Shikun, exibido no Festival de Cinema de Taormina, é uma metáfora aguda sobre o drama que cobre de sangue o Oriente Médio: "Quanto tempo levará - um dos personagens se pergunta no final da obra - antes que os filhos digam aos pais para parar, antes que perguntem por que permitiram que as aldeias fossem bombardeadas?"
A entrevista é de Fulvia Caprara, publicada por La Stampa, 15-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que significa, hoje, a palavra democracia no seu país?
Significa continuar lutando em nome das suas convicções, sem desistir do jogo. Sempre digo aos meus filhos que não devemos levantar a bandeira branca, devemos lutar, talvez percamos, mas devemos fazer de tudo para defender aquela parte do espírito israelense aberto e respeitoso dos direitos alheios. Espero que um dia possamos vencer.
Você acha que as eleições francesas terão repercussões sobre a guerra no Oriente Médio?
As pessoas sempre me perguntam sobre o Oriente Médio, mas não se pode ser determinista. Observando a história passada, temos que concordar que as maiores tragédias ocorreram na Europa e justamente por isso, após o fim da última guerra, pessoas inteligentes e conscientes pensaram que fosse importante construir uma aliança e trabalhar lado a lado. Agora esse pacto está ameaçado. Isso significa que nunca podemos prever o que vai acontecer. Acredito, porém, que a reafirmação do componente socialista na política é importante.
Como avalia a atitude dos EUA em relação à situação no Oriente Médio nesta fase complexa que antecede as eleições?
Tudo depende da maneira como os seres humanos escolhem se comportar, a paz é como o amor. Você sempre deve permitir que a outra pessoa viva, exista. É um pouco como quando um vizinho testemunha a repetição de uma violência doméstica, em tal caso tem que intervir. É isso que está acontecendo no Oriente Médio e a vizinhança, que nesse caso é o resto do mundo, tem que intervir, tentar parar a violência, ajudar as pessoas do Oriente Médio a construir um equilíbrio diferente.
Seu filme "Shikun", produzido antes do ataque de 7 de outubro, contém, de forma metafórica, críticas ao governo israelense e seu comportamento em relação aos palestinos. É uma escolha temerária, o que levou a filmá-lo?
Considero que é sempre correto assumir riscos. Todos os diretores que admiro, como Rossellini, Godard, Bresson, fizeram isso. É isso que significa fazer cinema, caso contrário, seria apenas uma questão de marketing. É preciso ser corajosos, sem ter medo de dizer o que se pensa.
O que o inspirou desta vez?
Fiquei muito impressionado com a grande mobilização que ocorreu em Israel contra o desejo expresso por Netanyahu de mudar o sistema jurídico. Achei que seria uma escolha que poderia representar um grande perigo para o nosso país. Não é pouca coisa quando a única democracia parlamentar do Oriente Médio está numa evidente crise existencial.
Há uma referência à peça "Os Rinocerontes", de Eugene Ionesco. Por quê?
Ionesco nos tinha alertado na sua época, ele sempre assumiu posições contra os fascistas, os nazistas e os gulags soviéticos. Hoje vivemos em um mundo cada vez mais dominado por autocratas, então a parábola de Ionesco, com os seres humanos transformados em rinocerontes, é particularmente adequada para alertar as pessoas contra o conformismo e a uniformização. É um texto belíssimo e absurdo, muito difícil de encenar, mas achei que, com a ajuda de bons atores como Irene Jacob, eu poderia conseguir, poderia transmitir a mensagem que me interessava.
Acredita que o cinema ou a arte, mais em geral, pode influenciar as consciências?
Acredito que as artes não podem mudar a realidade das coisas, mas estou convencido de que podem deixar um rastro. E é isso que temos que fazer, deixar um rastro na memória. Falo muito sobre Picasso e sobre quando, em 1937, pintou 'Guernica'. Aquele foi o gesto cívico de um pintor. Hoje, quando falamos com alguém sobre 'Guernica', ninguém menciona o ditador Franco, mas todos citam Picasso.
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“Vamos defender o mais verdadeiro espírito israelense contra uma guerra que suprime os direitos”. Entrevista com Amos Gitai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU