07 Junho 2024
Amin Maalouf (1949) mantém uma expressão séria ao debater a ordem internacional. “Estamos cercados de ameaças”, recorda diversas vezes em uma entrevista ao jornal El Diario. O ensaísta e ganhador do Prêmio Princesa das Astúrias de Letras, em 2010, apresenta o seu mais recente livro, O labirinto dos desgarrados (Editora Vestígio), na Casa Árabe, de Madri.
Uma obra que se apresenta como a quarta peça – antes, publicou As identidades assassinas, A disrupção do mundo e O naufrágio das civilizações – de um quebra-cabeças que mostra o declínio do Ocidente e como outros países, como China, Rússia e Japão, também buscaram ser protagonistas do progresso e da hegemonia mundial, sem qualquer sucesso.
O autor franco-libanês, secretário perpétuo da Academia Francesa desde setembro de 2023 e ganhador do Prêmio Gouncourt, em 1993, através das letras, explora a complexidade dos desafios e ameaças internacionais, onde há cada vez menos responsabilidade. “Nenhum país tem credibilidade moral suficiente para atuar como potência mundial”, destaca Maalouf.
A entrevista é de Soraya Aybar Laafou, publicada por El Diario, 04-06-2024. A tradução é do Cepat.
Qual é a origem de seu mais recente livro? É o reflexo do tédio com a gestão da ordem internacional ou uma contribuição para a divulgação conceitual sobre a geopolítica?
Meu último livro é um desejo pessoal de compreender como o mundo chegou à situação atual. Há aspectos ligados à história, claro, mas há outros aspectos relacionados aos choques vividos nas últimas décadas.
Este livro, concretamente, parte de muitos questionamentos sobre o lugar do Ocidente e o desejo de outras potências de questionar a sua supremacia. Durante praticamente 500 anos, o domínio do Ocidente, e mais concretamente da Europa, não era questionado. Aqueles que se opunham ao Ocidente eram humilhados e vencidos. Isto mudou.
São justamente esses questionamentos que transformaram o mundo em um lugar mais incerto, mais inseguro... No livro, o senhor fala sobre o termo ‘desgarrados’, o que significa?
Estamos desgarrados porque vivemos em um mundo difícil de decifrar. A dificuldade tem muitas explicações. Um dos principais fatores é que vivemos uma época em que o Ocidente não exerce mais a sua hegemonia, mas, ao mesmo tempo, também não há quem a exerça. Embora os Estados Unidos continuem sendo a primeira potência, inclusive, a única superpotência mundial, são incapazes de desempenhar esse papel. Nem eles e nem qualquer outro país têm credibilidade moral.
Outro elemento são as ameaças: as visíveis e as não visíveis, mas que, por fim, acabamos percebendo. Percebemos que existem ameaças ligadas ao desenvolvimento de certas tecnologias, como, por exemplo, a inteligência artificial. Não só isso, mas também contamos com técnicas de manipulação genética que se tornam cada vez mais frequentes e com novos sistemas de armamento. Vivemos cercados de insídia. Não só nos sentimos perdidos, como também, além disso, não temos uma solução.
Se não há ninguém que seja capaz de liderar o mundo, ou ao menos conduzi-lo, não podemos falar de vencedores e perdedores no tabuleiro geopolítico.
Não há vencedores, nem perdedores, mas, sim, alguns países que ocupam um papel mais relevante e outros cujo peso diminuiu. A atitude mais sábia seria buscar uma via que permita que toda a comunidade internacional coopere no enfrentamento de possíveis perigos.
E no marco ideológico? Considera que a linha entre esquerda e direita está mais tênue?
O fim da Guerra Fria marcou um certo deslocamento. Durante tal período, as diferenças e as linhas divisórias eram fundamentalmente ideológicas, mas, agora, tornaram-se principalmente identitárias. Tais formas de divisão turvam as fronteiras ideológicas e impõem uma atualização nas ideologias, tanto de direita quanto de esquerda.
Na realidade, as ideologias que poderíamos classificar mais como de direita se sentem mais à vontade em um mundo onde as linhas divisórias são identitárias, ao passo que as ideologias que são classificadas como de esquerda não encontraram o seu lugar. A esquerda não sabe escolher entre uma visão universalista ou uma visão que enfatize traços específicos.
Em seus ensaios, o senhor fala da China, Japão, Estados Unidos e Rússia, mas e os países africanos? Considera que, no futuro, a África será capaz de atuar sozinha, sem a intromissão estrangeira?
Espero que sim. Há países onde não se pode esperar uma evolução muito positiva de imediato e há outros onde tudo funciona melhor. Mesmo assim, é inevitável que os países africanos recorram às potências. Penso que a única atitude razoável é tentar recorrer a diversas potências e nem sempre àqueles países que têm visões expansionistas e militares.
Se conseguirem diversificar suas relações internacionais, terão mais oportunidades de se desenvolver do que aqueles que se entregam totalmente a uma só potência. Acabam se tornando um instrumento.
Antes, o senhor falava de credibilidade moral. Avalia que o genocídio em Gaza manchou a imagem dos países ocidentais?
Sem dúvida alguma. Está enfraquecendo a autoridade moral de alguns países, começando pelos Estados Unidos. É incontestável. Não só pelo que está acontecendo hoje, mas pela incapacidade de prevenir e resolver conflitos. Dá a sensação de que todo mundo renunciou a resolver conflitos. Contudo, estamos certos de que ninguém pode impedir que se deflagre?
Como secretário perpétuo da Academia Francesa e guardião da língua, que está muito relacionada com a arte das letras, qual é o papel da literatura na conscientização do público em geral sobre as mudanças geopolíticas?
O papel da literatura é fundamental em vários níveis. Em primeiro lugar, porque estamos em um mundo em que diferentes componentes da humanidade não conseguem falar, nem se entender. O papel da literatura é refletir o espírito de uma nação e de uma época. Se quisermos aproximar pessoas de culturas diferentes, a melhor forma de criar laços fortes entre elas é através da literatura.
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“O genocídio em Gaza enfraqueceu a autoridade moral dos Estados Unidos”. Entrevista com Amin Maalouf - Instituto Humanitas Unisinos - IHU