29 Janeiro 2024
“As elites ocidentais não estão dispostas a simplesmente perder o seu domínio. Antes, destruirão o planeta e sabemos que possuem capacidade militar e tecnológica para isto”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 26-01-2024. A tradução é do Cepat.
O último livro do historiador francês Emmanuel Todd tem um título expressivo: A derrota do Ocidente. Focado nas consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, na introdução (a única parte acessível na web), analisa as 10 principais surpresas trazidas pela guerra. Da forma como o panorama global se apresenta, seu trabalho é um exercício saudável.
Embora algumas sejam óbvias, como a surpresa da eclosão da guerra, que vai esmiuçando gradualmente até chegar nas mais importantes. Sua quarta surpresa é a “resistência econômica da Rússia”, ao passo que a quinta consiste na “derrocada de toda a vontade europeia”, incapaz de defender seus próprios interesses e na sua renúncia em permanecer um “ator geopolítico autônomo”.
Em sua opinião, a oitava surpresa é a mais “surpreendente” e vem dos Estados Unidos: “A indústria militar estadunidense é deficitária; a superpotência mundial é incapaz de garantir o fornecimento de projéteis – ou qualquer outra coisa – à sua protegida Ucrânia”. Deduz-se que a potência militar dominante está envolvida em um declínio inevitável, o que coloca o sistema-mundo em uma situação delicada.
De passagem, Todd avança em reflexões importantes ao afirmar que o conceito de produto interno bruto está obsoleto, o que nos leva, por um lado, a questionar quais dados devemos levar em conta neste momento e, por outro, a considerar que boa parte dos conhecimentos que foram horizontes necessários, durante os períodos de estabilidade, não nos servem mais quando o que predomina é o caos sistêmico.
Em nono lugar, Emmanuel Todd destaca “a solidão ideológica do Ocidente e a sua ignorância acerca de seu próprio isolamento”. Algo que se nota na recusa do sul global em condenar a Rússia e, recentemente, em seu apoio à causa palestina e exigência de um cessar-fogo. Parece evidente que os temas centrais dos países do norte não interessam aos do sul e que são rejeitados abertamente: da democracia eleitoral a definições ligadas à sexualidade.
Por fim, o historiador conclui que estamos diante da derrota do Ocidente, que está destruindo a si mesmo. Acrescenta que esta é “uma crise estadunidense terminal”, que “coloca em perigo o equilíbrio do planeta”.
Mesmo não conhecendo o livro todo, penso que se trata de uma análise realista e profunda da situação global. O autor não pode ser cobrado por não contemplar a situação dos povos oprimidos do mundo porque está fora do alcance de seu trabalho. Parece-me especialmente importante que destaque a crise interna do Ocidente, e dos Estados Unidos, em sua dimensão social, cultural e política, como a causa última de sua derrota. Nenhum império cai, se não for a sua hora, apenas por ataques externos.
No entanto, acredito que Todd e alguns analistas e comentaristas do livro, como Pepe Escobar, subestimam duas questões centrais que podem mudar todo o panorama.
A primeira é que as elites ocidentais não estão dispostas a simplesmente perder o seu domínio. Antes, destruirão o planeta e sabemos que possuem capacidade militar e tecnológica para isto.
Não seria a primeira vez na história que as classes dominantes tentam agir dessa forma. Mais ainda, acredito que está na genética do capitalismo não renunciar ao poder e à dominação de forma voluntária. Este sistema sobrevive espoliando e destruindo, não mudará sua conduta de forma alguma e não se vislumbra no horizonte qualquer força capaz de mudar suas convicções.
As elites do capitalismo estão moldadas não só pela mais absoluta ambição de riqueza e poder, mas também pelo colonialismo e o patriarcado. Todas as transições hegemônicas que conhecemos até agora, desde o nascimento do capitalismo, ocorreram dentro do Ocidente, conforme Giovanni Arrighi e Beverly Silver analisam em Caos e governabilidade no moderno sistema mundial (Contraponto, 2001).
O fato de a supremacia ocidental estar sendo disputada pelo oriente, e que inclusive a Rússia, que era uma potência europeia, se separe de sua pertença histórica e ensaie uma guinada à Eurásia, só agrava o racismo do norte contra o sul. “Colocaremos todos os nossos ovos em apenas uma cesta, e esta é a Eurásia”, afirmam analistas e autoridades russas.
A segunda é que as mal denominadas potências emergentes, como a China, são tão neoliberais e extrativistas como as ocidentais. Não podemos esperar nada de bom delas, em particular nós, povos e setores populares, sujeitos a uma nova conquista de nossos territórios. De modo que a tempestade não passará com a derrota do Ocidente.
Um século atrás, durante a Primeira Guerra Mundial, Lênin a definiu como uma guerra imperialista pela divisão do mundo e propôs converter a guerra em uma revolução social. Apesar das diferenças, segue nos servindo de inspiração.
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A “derrota do Ocidente” e o incêndio do mundo. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU