30 Mai 2024
Shigueo Watanabe Junior, do Instituto ClimaInfo, questiona, em artigo no UOL qual seria o pior negacionista: aquele que agita as redes sociais negando a mudança climática por puro proveito próprio ou aquele que, tendo pleno conhecimento sobre ela, ignora sua existência e a deixa em segundo plano. E conclui: “Todos os negacionismos são péssimos. Mas talvez o pior seja o daqueles de que têm o poder para evitar novas tragédias como as do Rio Grande do Sul, de São Sebastião, da Região Serrana do Rio, da seca na Amazônia, mas insistem em apostar naquilo que vai fazê-las mais comuns e intensas: o aumento da exploração de combustíveis fósseis”.
A reportagem é de Alexandre Gaspari, jornalista, publicado por ClimaInfo em 28-05-2024.
Watanabe Jr. se referia aos defensores da expansão da busca por petróleo e gás fóssil no Brasil, gente de dentro e de fora do governo federal e do Congresso. Mas sua análise, ainda que implicitamente, também trata de um outro combustível fóssil que negacionistas “esclarecidos”, chamemos assim, continuam tentando beneficiar: o carvão. Que, quando comparado aos outros dois em termos de emissões de gases de efeito estufa, com consequente agravamento das mudanças climáticas, é o pior deles.
Mas nem isso nem a catástrofe no Rio Grande do Sul causada pela crise climática foram suficientes para o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara. Ele incluiu um “jabuti” [matéria estranha ao tema] beneficiando termelétricas movidas a carvão em um projeto de lei cujo teor é reduzir as tarifas elétricas para a população. Além da tragédia gaúcha e da sujeira, ignorou que a eletricidade a carvão é muito mais cara que a gerada a partir de fontes renováveis. E até mais custosa que a de seu “companheiro de energia suja”, o gás fóssil.
O mais irônico é que Guimarães é do Ceará, estado que tem um dos maiores potenciais do país para produzir energia eólica e solar e já conta com uma grande capacidade instalada dessas fontes. É essa característica, inclusive, que faz do Ceará um forte candidato a liderar a produção brasileira de hidrogênio verde, produzido a partir de energias renováveis. Ainda que haja no mesmo estado uma usina movida a carvão: Pecém, de 720 megawatts (MW) de potência instalada, com contratos de energia vigentes até julho de 2027.
Para justificar a obrigatoriedade de incluir usinas a carvão em futuros leilões do governo para contratação de energia de reserva, Guimarães disse que essas térmicas precisariam ter um “plano de transição energética”. Esse plano, porém, seria voltado a converter essas plantas para o gás fóssil. Em resumo: noves fora, nada. E muitos gases de efeito estufa na atmosfera.
Outra ironia é que, na semana anterior, o senador Paulo Paim, também do PT, mas do Rio Grande do Sul, pediu o arquivamento de um projeto de lei de sua autoria que beneficiava térmicas a carvão de seu estado. Parece ter falado mais alto a tragédia gaúcha, associada a uma imensa pressão nas redes sociais contra o “Pacote da Destruição”, conjunto de leis e propostas de emendas à Constituição que flexibilizam a legislação ambiental que estão sendo apreciadas por deputados e senadores e que, se aprovados, vão agravar ainda mais as mudanças climáticas e seus efeitos devastadores, como os que se vê agora em território gaúcho.
O óbvio, porém, não foi considerado nem por Guimarães nem por vereadores de Candiota, cidade do Rio Grande do Sul que abriga as maiores, mais poluidoras e menos eficientes energeticamente térmicas a carvão do país. Dos 9 ocupantes da Câmara candiotense, 6 lamentaram o arquivamento do projeto de Paim, que chamava o benefício às usinas à base do combustível fóssil de “transição energética justa”. E afirmaram que “a luta em prol do carvão mineral vai continuar”, relata o jornal Tribuna do Pampa.
Candiota é um dos 28 municípios gaúchos que não foram afetados pela catástrofe climática no estado. Ao contrário de outros 469, segundo balanço da Defesa Civil estadual de 2ª feira (27/5).
Talvez isso explique a total insensibilidade de seus vereadores em defender um combustível fóssil responsável por uma tragédia que parece não ter fim acontecendo no seu entorno. Ou se trata mesmo de negacionismo. Seja ele “ignorante”, ou “esclarecido”, como o do deputado José Guimarães.
Seja o que for, a certeza é uma só: ambos matam, causam prejuízos enormes e pesam sobre todos, inclusive sobre a população de Candiota, já que grande parte dos recursos para recuperação do Rio Grande do Sul sairá dos cofres públicos.
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Carvão, negacionismo “esclarecido” e a catástrofe climática no RS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU