18 Mai 2024
“Uma Igreja em saída é também uma Igreja global que harmoniza a diversidade respeitando todas as culturas; é uma indicação de um caminho contrário àquele que muitos parecem percorrer na vida cotidiana internacional ou nacional; uma globalização que não padroniza e que nos convida a sonhar e iluminar horizontes mais amplos de humanidade, fraternidade e solidariedade” A reflexão é de Joseba Kamiruaga Mieza, CMF, em artigo publicado por Religión Digital, 17-05-2024. A tradução é do Cepat.
O Pentecostes é a solenidade em que a Igreja recorda o seu próprio nascimento. O que mudou nesta data? No dia de Pentecostes os Apóstolos estavam reclusos, todos juntos no mesmo lugar, unidos por laços profundos mas também por medos igualmente profundos, percebendo um perigo constante após a morte de Jesus. A descida repentina do Espírito Santo, o estrondo e as chamas da história do Pentecostes causaram estragos e os forçaram a sair. Assim nasceu a Igreja, no ato de sair. Da seita fechada passaram para o seu oposto: uma comunidade aberta.
O fato de os Apóstolos terem sido capazes de entender diferentes línguas leva ao segundo elemento fundador: a diversidade. A diversidade pela descida do Espírito Santo é exaltada porque, no final das contas, a Igreja se compreende na diversidade. Não é que de repente todos entendam a língua cristã e apostólica, como se esta se tivesse tornado uma espécie de esperanto, mas são os Apóstolos que entendem todas as línguas. As diferentes línguas não se apagam numa uniformidade inexistente e indesejada. A diversidade assim entendida torna possível a harmonia, e só poderia ser assim, porque sem diversidade não se pode imaginar harmonia, apenas uniformidade.
A harmonia da diversidade recorda-nos aquela ideia da Igreja dos diferentes carismas: não é uma harmonia que unifica, mas exatamente o contrário. Portanto, o centro são todas as periferias, todas as terras famosas ou esquecidas, próximas ou distantes. É ao seu serviço que a Igreja do Pentecostes é compreendida e justificada, tornando-se assim a criação de uma grande harmonia, e não um degrau superior da escada hierárquica que, a partir do centro, harmoniza as diversidades como se a partir do centro irradiasse a palavra única e unificadora.
Se alguém tentasse relacionar esta visão, esta ideia, com o mundo globalizado, com a nossa sociedade global composta por pessoas diversas – política, cultural, linguisticamente –, mas unidas pela globalização, veria uma globalização que não elimina a diversidade política, cultural, linguística, mas antes serve para uni-las, harmonizando as diversidades reconhecidas e colocando assim em harmonia diferentes interesses.
Os conflitos que dominam o mundo, e que já nem conseguimos mais contar, provêm de mil causas diferentes que ninguém consegue harmonizar porque são filhas da vontade de poder ou do medo da exclusão, da subjugação e da vingança, do imperialismo ou do anti-imperialismo (que, afinal, também não se torna menos imperialista). O ódio parece transbordar no mundo. Uma Igreja em saída é também uma Igreja global que harmoniza a diversidade respeitando todas as culturas; é uma indicação de um caminho contrário àquele que muitos parecem percorrer na vida cotidiana internacional ou nacional; uma globalização que não padroniza e que nos convida a sonhar e iluminar horizontes mais amplos de humanidade, fraternidade e solidariedade.
O Espírito nos convida a discernir entre a voz do bem e a voz do mal. Nenhum de nós é filho do mal ou filho do bem. Discernir significa reconhecer a primeira voz e não confundi-la com a segunda. E a necessidade deste discernimento dirige-se à Igreja, à sua ação pastoral e à nossa conduta humana pessoal, podendo dirigir-se também à sociedade das nações. Sacralizar os poderes políticos, e também os poderes religiosos, é a melhor forma de fazer de um poder o repositório do bem contra o mal. Dessacralizar os poderes políticos, e também os religiosos, impede-nos de cair na tentação de transformar o adversário num mal absoluto. Nenhum poder deve ser sacralizado, sob pena de confundir a voz do mal com a do bem. Devemos evitar a armadilha de convocar cruzadas contra os novos cruzados. Isso é sempre extremismo legitimando a opção extremista que sempre leva, mais cedo ou mais tarde, a humanidade à destruição.
Muitas vezes na Igreja escutamo-nos numa escuta homologada e homologante, típica de todo grupo fechado e sempre autorreferencial. Muitas vezes é uma Igreja que escuta a si mesma, seus impulsos e suas estratégias, suas necessidades e seus desafios, suas perguntas, enquanto a Igreja do Espírito é aquela que escuta o mundo em que vive. Esta escuta exigiria que hoje, como sempre, calçasse as sandálias e saísse, com pouca bagagem (somente com o mais essencial, como fazem os peregrinos mais conscientes e experientes), para ouvir a realidade e não se fechar na sua representação. Dietrich Bonhoeffer diria que devemos ouvir através do ouvido de Deus, se quisermos ser capazes de falar através da sua Palavra, e o Espírito continua a falar inefavelmente através da criação e da história.
Caso contrário, acabaremos presos numa bolha em que as ideias se confirmam independentemente dos fatos e em que acabamos por representar a realidade à nossa imagem e semelhança. Teremos que furar a bolha dos silogismos dos nossos discursos (ou quebrar a mesa redonda frequentada pelos convidados habituais, ou abrir as janelas e portas dos nossos salões fechados com cheiro de naftalina, ou...) e entrar no vasto mundo dos diferentes pontos de vista, das diferentes narrativas, e navegar na realidade real, e não nas bolhas autoafirmativas e elogiosas em que só recebemos mensagens de quem gostamos e de quem pensa como nós.
A comunhão não é o resultado de estratégias e programas, mas se constrói na escuta mútua entre irmãos e irmãs. Como num coro, a unidade não exige uniformidade, monotonia, mas pluralidade e variedade de vozes, polifonia. Ao mesmo tempo, cada voz do coro canta ouvindo as demais vozes e em relação à harmonia do conjunto. Esta harmonia é concebida pelo compositor, mas a sua realização depende da sinfonia de todas e cada uma das vozes. Sabendo que participamos de uma comunhão que nos precede e que nos inclui, podemos redescobrir uma Igreja polifônica e sinfônica, na qual cada um é capaz de cantar com a sua voz, acolhendo como dom as vozes dos outros, para manifestar a harmonia do conjunto composta pelo Espírito Santo. Ouvir não é precisamente o primeiro mandamento de Deus? Escuta Israel… (Dt 6, 4-9).
O Pentecostes cria uma Igreja extrovertida, portanto no mundo, com o mundo, com que e com o qual se relaciona. Ela quer conhecer este mundo, quer compreendê-lo e ser compreendida por ele, falando a sua linguagem e vivendo os seus problemas. E Jesus, o homem cheio do Espírito Santo e movido por Ele, ia à sinagoga, frequentava os lugares sagrados, estava em contato com o povo, e não apenas com o povo crente. Caminhava pelas ruas, encontrava-se com as pessoas, conversava com elas, ouvia-as. Será que não é a saída o lugar da salvação e da espiritualidade evangélica do cristianismo?
A Igreja em saída não fala para si mesma (muito menos de si mesma), mas com todos. Busca uma maneira de se comunicar com esta sociedade que é frequentemente descrita como “descristianizada”. Por que é assim, ou por que teria que ser assim? Se fosse verdade, haveria uma razão. Pode não haver uma razão, mas o fechamento, a autorreferencialidade e a linguagem podem ser uma das muitas causas desta suposta descristianização. Para evangelizar uma sociedade considerada ou definida como descristianizada, talvez seja necessário também falar com ela, compreendê-la, dialogar com ela, encontrar convergências e divergências, entender e explicar, contemplar, ouvir, meditar e, no devido momento, balbuciar e dizer. Talvez para não poucos daqueles que consideramos descristianizados, a Igreja seja fechada, impenetrável, nunca ‘mater’, mas sempre ‘magistra’ que não é percebida como interlocutora paciente, mas como doutrinadora, municiada de um sistema de cânones imprescindíveis e verdades absolutas.
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“Para muitas pessoas descristianizadas, a Igreja é fechada, impenetrável, nunca ‘mater’, mas sempre ‘magistra’” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU