"De símbolo em símbolo a nossa vida segue em direção ao tempo que se renova sempre, ainda que pareça ser o mesmo. Roguemos ao Espírito Santo que transforme os nossos corações endurecidos pelas nossas atitudes não condizentes com o evangelho. Vem Espírito Santo e renova nossa fé", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, OFM.
Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), padre franciscano e autor de dez livros e coautor de quinze.
Na celebração de Pentecostes, convido você viajar no imaginário dos símbolos que compõem essa festa judaica e cristã. Em Jerusalém, celebrava-se a “Festa das Semanas”, isto é, de Pentecostes, sete semanas mais um dia, ou seja, 50 dias depois da Páscoa dos judeus. Pentecostes, em grego, significa quinquagésimo. Era o dia 06 do mês de Sivan (no nosso calendário: 22 de maio), Jerusalém estava repleta de peregrinos. Todos teriam trazido as primeiras colheitas para serem ofertadas no Templo de Jerusalém.
A peregrinação até Jerusalém teria sido linda. Imagine grupos de pessoas caminhando juntos com cestos de uva, trigo, azeitonas, tâmaras, mel, e sendo acolhidos em Jerusalém ao som de harpa, flauta e recitação de Salmos. Todos carregavam dentro de si o desejo de agradecer a Deus pelas primeiras colheitas, e de comemorar o dom da Torá (Lei), dada ao povo no monte Sinai. Comemorar o recebimento da Torá era o mesmo que afirmar: “no dia de sua revelação eu também estava lá” (Dt 5, 24). Hoje, nós, os cristãos, podemos dizer o mesmo: “no dia de Pentecostes, eu também estava lá.”
O ontem da promessa de Jesus, a de enviar o Espírito Santo como Defensor, estava prestes a se realizar. Ninguém podia imaginar o que iria acontecer. Em Jerusalém estavam todos. E todos presenciaram a vinda do Espírito Santo, carregada de símbolos que marcariam para sempre a comunidade cristã, formada por judeus, gregos e tantos outros povos.
Símbolo é tudo aquilo que nos une a algo. Pentecostes acontece ao embalo de seis símbolos, a saber:
1) Casa em Jerusalém. A vinda do Espírito Santo ocorre, segundo a tradição, em uma casa de dois andares, em Jerusalém, cidade situada no monte Sião. Esses dois detalhes evocam claramente o monte Sinai, local onde Moisés recebeu os Dez Mandamentos. Estavam reunidos todos no mesmo lugar (At 2,1).
2) Vento forte. “E de repente, veio do céu um barulho, como o de um vento forte, que ressoou por toda a casa onde se encontravam” (At 2,2). O vento evoca a teofania, isto é, a manifestação de Deus que ocorreu com Moisés, no Sinai. Ex 19,18 diz que quando Moisés recebeu as tábuas da Lei, “todo o monte Sinai fumegava, porque o Senhor havia descido sobre ele no meio de chamas. O fumo que se elevava era como o de um forno, e todo o monte estremecia violentamente.” Em Pentecostes, trata-se da violência do Espírito que leva a comunidade a ser profética e missionária.
3) Falar em línguas. A comunidade de Lucas substitui voz, que aparece na narrativa do Sinai, para língua. Esses termos são semelhantes e ambos se referem à Palavra. A Palavra é a presença de Deus. Língua e linguagem têm o mesmo sentido no texto. Alguém fala e outro entende. São os apóstolos começam a falar nos vários idiomas presentes em Jerusalém. O milagre de Pentecostes consiste no fato de que todos entendem os apóstolos na sua própria língua e cultura. É o mesmo que dizer: a evangelização se realiza com sucesso. Falar numa língua que ninguém entende não tem sentido nenhum. Pentecostes nos ensina que devemos falar a linguagem do evangelho, pois língua é diferente de linguagem. Língua é o idioma (português, inglês etc.). Linguagem é a comunicação de um modo de pensar, por exemplo, linguagem jurídica, médica, teológica etc. Dependendo do ambiente, usamos certo de tipo de linguagem. O grande segredo de Pentecostes é que os apóstolos falavam a linguagem do reino de Deus que Jesus havia ensinado para eles. Também vale ressaltar que Pentecostes não é o contrário de Babel (Gn 11,1-9). Nos dois casos, trata-se de linguagem.
4) De fogo. O fogo é modo apocalíptico para dizer que Deus se manifestou (Ex 3,2-3). Deus acompanha o povo pelo deserto numa coluna de fogo que iluminava a noite (Ex 13,20-22). Deus desce para falar com o povo e Moisés no Sinai por meio de um fogo (Ex 19,18). Em Atos dos Apóstolos o Espírito Santo é o fogo da Palavra de Jesus que deve ser anunciada pelos seus seguidores.
5) Multidão. Estavam em Jerusalém: “partos, medos, elamitas; os que habitam a Macedônia, a Judéia, a Capadócia, o Ponto, a Ásia, a Frígia, a Panfília, o Egito e as províncias da Líbia próximas a Cirene; peregrinos romanos, judeus ou prosélitos, cretenses e árabes” (At 2,9-11). A multidão simboliza o povo no deserto que recebeu as tábuas da Lei. Em Pentecostes eram três mil, número não exato, e provinham de 12 povos e 3 regiões. Um novo povo de Deus surge!
6) Estão embriagados de vinho doce. Essa acusação simboliza os que não estão abertos ao novo da comunidade cristã. Eles acusam os apóstolos e a mulheres que estavam com eles, no Cenáculo, de estarem bêbados com o vinho doce que tinham guardado, pois estariam delirando. A simbologia do vinho diz muito. Jesus, o melhor vinho da festa de Caná (Jo 2,1-11), continuaria na comunidade dos apóstolos, com a vinda do Espírito Santo. Vinho novo era produzido em Pentecostes. O Espírito Santo é, agora, o vinho novo de Pentecostes que renova, embriaga a todos e todas as coisas.
Pentecostes tem relação direta com a narrativa do Sinai, quando o povo recebe os Dez Mandamentos. Um novo Sinai estava acontecendo na comunidade cristã de Jerusalém, por meio do Espírito Santo, prometido por Jesus. Pentecostes passa a ser o batismo da comunidade cristã, chamada a evangelizar. Mais do que um dado histórico, Pentecostes é uma profissão de fé. Sem Pentecostes, a Páscoa (Passagem) de Jesus não estaria completa. Igualmente, a nossa Páscoa!
De símbolo em símbolo a nossa vida segue em direção ao tempo que se renova sempre, ainda que pareça ser o mesmo. Roguemos ao Espírito Santo que transforme os nossos corações endurecidos pelas nossas atitudes não condizentes com o evangelho. Vem Espírito Santo e renova nossa fé! Dai-nos o dom de não mais ofender a natureza, os animais e o nosso semelhante. Dai-nos o dom da fraternidade que partilha o pão. Dai-nos o dom infinito capaz de promover a justiça social e ambiental.
Vem Espírito Santo e renove a nossa alegria e a nossa esperança! Vem Espírito Santo e tire do marasmo e da desilusão todos aqueles que estão cansados de viver!
Deus, Trindade de Amor, que o ontem de Sua revelação a Moisés, atualizado no hoje da vinda do Espírito Santo, renove sempre o nosso ser, na certeza de que o amanhã de nossas vidas será melhor que o hoje! Amém! Amém! Amém!