03 Mai 2024
O futuro do cristianismo passa por duas tendências minoritárias: a que defende uma “opção beneditina” assumindo como modelo os mosteiros criados por Bento de Núrsia e, por outro lado, a que se inspira nos monges de Tibhirine.
Esta é a segunda parte do diálogo com Roberto Righetto, ex-responsável pelas páginas culturais do Avvenire, o jornal dos bispos italianos. A primeira parte da entrevista está disponível aqui.
A reportagem é de Daniele Rocchetti, publicada em La Barca e il Mare, 18-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Você usa palavras severas sobre a Igreja italiana, que não está à altura dos desafios do tempo presente. O que ela poderia ou deveria fazer? Quais são as urgências e as prioridades?
Eu já disse algumas coisas. Acrescento uma nota após o clamor causado pela entrevista do papa a [Fabio] Fazio e pelo livro-entrevista “El sucesor”, que reacendeu uma polêmica sobre a excessiva exposição mediática da Igreja Católica e de seus representantes.
É o tema da inacessibilidade do divino que surge novamente e que era o fulcro da série de TV “The Young Pope”, produzida por Sorrentino, à qual se seguiu uma segunda, “The New Pope”. O jovem papa interpretado por Jude Law rejeita, pelo menos no início, todo o contato com os fiéis e opta por não se mostrar em público para evitar que a mensagem cristã sofresse a contaminação pós-moderna e fosse reduzida ao exibicionismo e ao espetáculo. Para além dos tons provocativos destacados pelo diretor napolitano, tudo isso constitui um lembrete essencial: será que a Igreja tem se comunicado demais nas últimas décadas?
O que está em questão é a “máquina” do catolicismo, o complexo conglomerado de iniciativas de paróquias, grupos e movimentos: não seria melhor se concentrar no essencial? Certamente, não se trata de se retirar do mundo, mas de optar pela parcimônia, pela preservação do silêncio e do mistério.
Mas aqui voltamos a um ponto que eu considero crucial e dramático, que eu sublinhei no meu artigo do Avvenire: a afonia da Igreja italiana e de seus líderes durante o período da pandemia. Os bispos se revelaram, em sua maioria, incapazes de acompanhar as pessoas que eram fortemente afetadas pela Covid e de pronunciar palavras capazes de aliviar o sofrimento, dando um sentido à morte. Apenas parcialmente a voz do papa – especialmente na noite de 27 de março de 2020, naquele momento solitário de oração na Praça de São Pedro – e o trabalho concreto de padres individuais souberam enfrentar essa imensa dor, falando finalmente de esperança e de ressurreição.
A nossa Igreja se revelou inadequada em seu conjunto, em uma situação que há muito tempo vê a cultura católica como socialmente insignificante. Além disso, durante o confinamento, havia quem se queixasse do fato de que as igrejas vazias não podiam celebrar os ritos, mas agora o número de fiéis nas missas dominicais se reduziu à metade! E não creio que seja por medo, mas por desafeição.
Não é por acaso que citei um artigo de um ano atrás de Antonio Polito publicado no Sette, o caderno do Corriere della Sera, após o funeral de um jovem falecido em um acidente de carro em Roma, no qual, durante a homilia, o pároco falou da ressurreição. O cristianismo tem palavras decisivas sobre a morte e a ressurreição, sobre o sentido da vida e a vida eterna: por que ele não as diz mais – perguntava-se o jornalista, como laico – em um mundo que parece não esperar por mais nada? Pois bem, eu também gostaria de salvar sobretudo isso da Igreja, além do compromisso educacional e caritativo, que são características dominantes, mas não podem ser exclusivas.
O Papa Francisco continua defendendo que não devemos partir das teorias, mas que é preciso reelaborar a experiência concreta. Mergulhar na concretude e também na contradição da experiência humana contemporânea e relê-a à luz do Evangelho... Isso também significa fazer as contas com o drama da história e das vicissitudes humanas...
Em grande parte, acho que já respondi às suas perguntas, mas não posso evitar uma questão fundamental que afeta o futuro do cristianismo.
Parece-me que a situação do catolicismo, na Itália e na Europa, é de uma crise grave e assustadora, da qual os bispos e os padres italianos custam a se dar conta. Uma crise que um teólogo refinado como Tomáš Halík, antigo amigo do presidente checo Havel, em seu importante e recente livro “O entardecer do cristianismo” (Ed. Vozes, 2023), compara àquela crise que deu origem à Reforma Protestante no século XVI: naquela época, a causa desencadeadora foi a corrupção e a simonia da Cúria Romana, dos bispos e do clero; hoje são os escândalos dos abusos sexuais.
Muitos invocam reformas radicais, e o Papa Francisco tomou decididamente esse caminho desde o início de seu pontificado, mas o processo de renovação parece ter se estagnado, e o impasse não parece ter fim, pelo contrário. É inevitável fazer a pergunta crucial sobre o futuro do cristianismo.
Vejo duas tendências se confrontando. Uma delas, totalmente pessimista, foi bem expressada pelo ensaísta estadunidense Rod Dreher, que, no livro “A opção beneditina” (Ed. Ecclesiae, 2021), quis relançar o papel do cristianismo como “minoria criativa” em um Ocidente que ele afirma estar plenamente secularizado. Para o superconservador Dreher, ex-metodista, depois católico e, por fim, ortodoxo, é ao modelo dos mosteiros como faróis de civilização criado por Bento de Núrsia no século VI, em uma Europa que viu o colapso do Império Romano, que os cristãos devem hoje se remeter, para reconstruírem uma presença em um mundo pós-cristão.
Apoiando-se nas reflexões corretas de Guardini, Lewis, McIntyre e Taylor, que certamente criticaram uma linha de pensamento moderno que tende a marginalizar o cristianismo, Dreher julga o destino da civilização ocidental em termos apocalípticos, esquecendo que o processo de secularização também teve efeitos benéficos sobre o pensamento cristão, porque o depurou de incrustações ideológicas: é toda a lição do Concílio que é ignorada. Suas teses agradam aos cristãos “identitários”, que, apesar de partirem de uma intuição correta, a de reconstruir uma civilização da alma cristã que se perdeu na nossa Europa, fecham-se em si mesmos e sofrem a tentação de serem perfeitos, convencidos de pertencem ao clã dos justos.
A outra tendência que eu vejo prevalecer é a que se inspira no modelo de Tibhirine, de quem vê nesta situação de crise uma oportunidade de voltar às origens, que deseja, como diz o teólogo canadense Walter Vogels no livro “Il piccolo resto nella Bibbia” [O pequeno resto na Bíblia], “uma Igreja humilde, pequena, fermento na massa, grão de mostarda, luz para o mundo”. Os monges de Tibhirine, cuja história foi admiravelmente contada no filme “Homens e deuses” [o filme está disponível na íntegra aqui], capazes de uma presença humilde, mas real, em terras muçulmanas e, por isso, se tornaram mártires, podem ser uma referência, no rastro de uma longa tradição que vai da Carta a Diogneto a Charles de Foucauld. Em suma, abre-se a possibilidade de reencontrar a natureza verdadeira e essencial da Igreja, que deve se purificar, abandonando todo compromisso com o poder.
De minha parte, certamente não concordo com os conhecidos profetas da desgraça que sentem falta dos bons e velhos tempos e acusam toda a cultura moderna. Mas também não concordo com quem se limita a olhar para o crescimento numérico dos católicos fora da Europa e, por isso, não se preocupam mais tanto.
Pelo contrário, eu também estou mais inclinado a ver nessa crise dramática uma oportunidade de mudança. Talvez se trate de recomeçar justamente a partir do “resto”, de quem permanece ligado à Igreja e continua se empenhando e transmitindo a fé às novas gerações. Isso foi notado várias vezes por Bento XVI, que profeticamente, em uma conferência de 1969 à Rádio Bávara, via a Igreja de hoje como “uma realidade menor, mais pobre, quase como uma catacumba, mas também mais santa. O renascimento será obra de um pequeno resto, aparentemente insignificante, mas indomável, que renascerá por meio de um processo de purificação. O pequeno rebanho resistirá ao mal”.
Por isso, não vejo mal a hipótese, lançada pelo sociólogo Paolo Sorbi, de um período de “cativeiro de Avignon”, desta vez escolhido e não imposto, pela Igreja Católica: a transferência do Vaticano para a Ásia, a África ou a América Latina – ele sugere Hong Kong – como um momento de purificação e de diminuição da burocracia. Somente os Museus Vaticanos deveriam permanecer em Roma, enquanto todos os bispos e padres não deveriam mais permanecer fechados nos escritórios, mas fazer uma atividade pastoral e missionária. Proposta radical? Certamente, mas salvífica!
Por fim, acredito que deve haver lugar para todos na Igreja, para progressistas e conservadores, para quem se sente de esquerda ou de direita. E, diga-se de passagem, não é que não devam ou não possam existir polêmicas intracristãs, que sempre existiram e sempre existirão, mas a polarização das opiniões faz com que, muitas vezes, não se consiga captar o positivo em obras que são julgadas contrárias ao próprio ponto de vista, senão até inimigas. Mas, para mim, esse é um fenômeno que leva a um empobrecimento de todo o pensamento cristão.
Com grande sabedoria, você dirigiu as páginas culturais do Avvenire durante muitos anos. Se pudesse propor alguns autores de ficção do século XX que se qualificam para esse “estilo”, quem você recomendaria?
Não sou um crítico literário, mas esse é certamente um tema que me é muito caro: a arte, a literatura ou, melhor, a beleza. Temas mencionados várias vezes, e com razão, mas, na minha opinião, é como se hoje faltasse quem saiba contar o cristianismo, quem saiba fazer do cristianismo um fato que é narrado por meio de expressões artísticas, sejam elas romances ou obras figurativas.
Pensemos no judaísmo: quantos livros foram publicados nas últimas décadas para manter viva a memória do povo judeu, e é certo e bom que seja assim. Textos literários que contam a dramática história do Holocausto, mas não só, até porque a expressão narrativa assume muitas formas diferentes. E eu observava que é cada vez menos frequente ver a mesma capacidade de expressão no âmbito cristão, pelo menos na Itália. Uma discussão que está ligada mais uma vez à necessidade de não dispersar o patrimônio cultural, que não pode ser conservado como se fosse apenas um museu!
Há vários anos, encontrei-me com Divo Barsotti, o místico e teólogo, que me dizia justamente a mesma coisa em uma entrevista. Ele era até mais radical, ao dizer que a última grande lenda cristã – entendendo por lenda não algo falso, obviamente, mas sim um grande modelo capaz de dar um grande impulso criativo – era a franciscana.
Portanto, ele voltava muito, muito atrás, pensava novamente em tudo o que aconteceu depois de Giotto, Fra Angelico, o Humanismo e o Renascimento, e dizia que a última grande lenda nesse sentido era a hassídica, que produzira a arte de Chagall, a literatura de Kafka, a música de Bela-Bartok, o pensamento de Buber e de Heschel. Portanto, uma grande realidade criativa, não apenas filosófica, mas também artística.
Não sei se tudo o que ele dizia é verdade; Provavelmente, eu acrescentaria que o último grande impulso capaz de unir cristianismo e literatura veio da França nos anos 1900, com Bloy, Péguy, Bernanos, Mauriac, Julien Green.
Mas eu acho que, no século XX, a Itália era o país europeu onde a teologia menos influenciava o mundo da literatura e o mundo das artes. Foram necessários alguns grandes críticos literários provenientes do mundo anglo-saxão e não crentes declarados, George Steiner, Harold Bloom e Northrop Frye, para nos lembrar que a Bíblia era o “grande código” da cultura ocidental.
Se pensarmos, por sua vez, em outras grandes nações europeias, da França à Inglaterra, a todo o Leste Europeu e à Rússia, houve uma incidência muito forte da teologia na literatura, na própria forma de conceber a expressão narrativa.
Dostoiévski obviamente vem à mente, mas o mesmo vale para o mundo norte-americano, de Flannery O’Connor a Francis Scott Fitzgerald, de Marilynne Robinson a Toni Morrison, de Alice Munroe a Joyce Carol Oates até o falecido David Foster Wallace, autor de uma tese sobre Santo Agostinho.
Por outro lado, a verdadeira literatura é sempre de alguma forma religiosa. Pensemos até em um autor como Stephen King, que tem um de seus pontos fortes na manipulação de temas religiosos ou relativos à esfera do sagrado, acima de tudo a morte. Sem falar em Philip Dick, que alguns definiram como o Kafka do século XX. Ou mesmo em Cormac McCarthy: seu romance “A estrada” (Ed. Alfaguara, 2007) nada mais é do que a viagem de um pai e de um filho em busca de uma vida possível à beira do fim do mundo, um mundo em que Deus está ausente, mas é perenemente invocado.
Ou, voltando aos autores franceses contemporâneos, Michel Houellebecq e Emmanuel Carrère. Com seu “O Reino” (Ed. Alfaguara, 2016), uma investigação sobre o Evangelho de Lucas realizada por meio da mistura entre investigação histórica e relato autobiográfico, Carrère realizou uma investigação muito séria sobre a substância do anúncio cristão. Mais uma vez, lembro-me do caso do escritor Eric-Emmanuel Schmitt, autor do livro “O Evangelho segundo Pilatos” (Ed. Ediouro, 2002), ou do filósofo François Jullien, que nos surpreendeu com os seus “Risorse del cristianesimo” [Recursos do cristianismo], no qual ele relê o Evangelho de João.
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O futuro de uma Igreja em crise. Entrevista com Roberto Righetto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU