22 Abril 2024
Recentemente, um grupo de personalidades da sociedade civil venezuelana, juntamente com atores políticos e eclesiásticos, fez uma declaração pública sobre algumas questões nevrálgicas e controversas no país. O comunicado afirma a trajetória eleitoral, a cessação das sanções setoriais e o respeito ao acordo de Barbados. É um pronunciamento propositivo, mas, devido à situação, muito polêmico.
O pai, receptivo, e com a voz grave e lenta que o caracteriza, nos recebe em uma pequena varanda, onde conversamos pacificamente sobre assuntos polêmicos.
A entrevista é de Bonysw Isabel Mora, publicada por Religión Digital, 21-04-2024.
O que o motivou a assinar esta declaração?
A pior diligência é a que não é feita. Creio, no meu caso, que é uma responsabilidade cristã e cívica tentar influenciar questões que considero fundamentais para o país, como, neste caso, afirmar o caminho eleitoral e, consequentemente, apelar também à oposição para que concorde com uma candidatura unitária que leve o país a eleições minimamente competitivas em que o povo possa expressar-se; em segundo lugar, trabalhar para evitar um aprofundamento das sanções setoriais que tanto mal causaram ao país e, em terceiro lugar, encorajar as partes envolvidas e a comunidade internacional a cumprirem os acordos de Barbados como quadro político acordado.
Vamos começar com a primeira pergunta, como o senhor vê o cenário eleitoral?
Acho que da parte do governo a linha é clara, gerar desconfiança e desmobilizar para que a oposição se abstenha e, ao mesmo tempo, ganhe a divisão interna, porque a combinação dos dois fatores – fragmentação e abstenção – lhe dá a oportunidade de ganhar, porque seu capital eleitoral é muito baixo, mas sólido e com maquinário. Ou seja, têm consciência de que são uma minoria com capacidade de mobilização e meios e instituições a seu favor, e no pequeno isso faz a diferença.
É por isso que vejo com grande preocupação que os prazos impostos pela CNE vão acabar, que chegará o tempo sem que a Plataforma Unitária tenha definido um candidato unitário que canalize os votos do descontentamento nacional e que, no meio de tanta adversidade e encerramento de espaços, a que temos estado sujeitos enquanto sociedade, Não conseguimos abrir o jogo político no país e iniciar um processo de reinstitucionalização e democratização, que envolve, e envolverá por muitos anos, negociações em todos os níveis para garantir a governabilidade.
E as primárias não definiram aquele candidato com nome e sobrenome? Você não acha que as pessoas se expressaram e falaram?
Sim, as pessoas participaram e se expressaram, ninguém nega isso. E também é verdade que os direitos políticos de Maria Corina Machado foram violados. Mas todos sabemos que a Sra. Maria Corina Machado está desclassificada, e quem visivelmente levantar a mão, como no caso da respeitável Prof. Corina Yoris, sofrerá o mesmo destino. Isso foi tão contrário ao espírito democrático que o presidente do Brasil, Lula da Silva, e o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, denunciaram o fato.
Portanto, por um sentido de realidade, se acreditarmos na via eleitoral, é aconselhável pressionar a Plataforma Unitária a chegar a um acordo para um candidato, para que, em meio às condições adversas existentes, possamos escolher uma alternativa democrática. Não é resignação. Resignar-se seria jogar a toalha e não abrir a fenda com a qual estamos contando. Espero que, para o bem do país, se chegue a um acordo em torno de uma candidatura que capitalize o eleitorado porque, como ouvi dizer um comentador político, "o tempo é um recurso não renovável".
Mas isso seria jogar o jogo do governo, não é?
Vivi toda a minha vida em setores populares e, apesar das minhas responsabilidades como superior jesuíta, continuo a viver em La Vega, e com as pessoas dos bairros aprendi algo muito importante que está expresso em uma frase: reverter a situação. Ou seja, para atingir um objetivo é preciso considerar muitos caminhos, até mesmo abrir novos caminhos, pois a adversidade é tão assustadora que sempre fecha as portas do caminho mais claro, aquele que em teoria ou por direito "deveria ser".
Quando uma família do bairro se propõe a fazer algo, tem que imaginar vários caminhos, saber que eles não podem ser alcançados por um único caminho e nem sempre o mais bem-sucedido é o que "deveria ser" ou o mais confortável. As pessoas dos nossos bairros têm que aproveitar e ampliar continuamente as rachaduras que lhes são apresentadas, que são muito poucas. O sentido da realidade prevalece e, no meu caso, o sentido da realidade iluminado pela fé faz com que se busquem formas de melhorar as condições de vida do nosso povo. Sei que essa posição é polêmica, pois neste momento qualquer decisão é polêmica e tem seus detratores, mas faço-o conscientemente, buscando o que acredito ser mais conveniente para o nosso país e, principalmente, para o nosso povo duramente atingido.
É por isso que acredito que, se neste momento esperarmos ir a eleições com todas as condições, o que duvido que aconteça neste contexto, acabaremos por não ir, e a continuidade será servida numa bandeja de prata; Pior ainda se houver um apelo aberto à abstenção, porque seria reeditar 2005 e 2018, poupando as distâncias, e acho que não aproveitar a "rachadinha" serve de menu de triunfo para a coligação dominante. Se a oposição política vai a eleições, tem de ser com um candidato acordado internamente pelos partidos da plataforma, que consiga passar pelos filtros da CNE. E depois a estratégia Fuenteovejuna, "tudo de uma vez". Isso é senso comum, mas não é fácil, porque há muitos conflitos de interesse.
E por que pedem que as sanções sejam relaxadas?
Gostaria de esclarecer que sempre defendi que o colapso económico do país é anterior às sanções, mas que, sem dúvida, as sanções setoriais aprofundaram a emergência humanitária e os mais pobres são os mais afetados. Sou testemunha directa nesta situação. Aprofundar as sanções setoriais é estrangular ainda mais a qualidade de vida do nosso povo. Levantamentos das condições de vida nos últimos anos mostram que as sanções aprofundaram a deterioração da qualidade de vida e, principalmente, no interior do país.
Penso que é importante, pelo contrário, desbloquear os fundos humanitários acordados em novembro de 2022 e continuar a relaxar as sanções, e não endurecê-las, porque, repito, são os pobres os mais atingidos.
E Barbados?
Barbados tem sido o resultado de um grande esforço de um setor político e da sociedade civil, que, com seus prós e contras – como é natural nesse tipo de processo – chegou a acordos que, se respeitados, podem abrir caminho para uma progressiva reinstitucionalização e democratização do país.
Mas também sabemos que hoje as negociações estão ocorrendo diretamente entre os Estados Unidos e o governo, e Barbados é fundamental como referência e marco em qualquer negociação, inclusive essa que vem ocorrendo entre o governo e os Estados Unidos.
Sua assinatura neste documento é a posição oficial da Companhia de Jesus?
Não, não é. Internamente, a Companhia de Jesus é muito plural, como o nosso país, e uma posição oficial implicaria um consenso interno. O que está claro para nós jesuítas é que onde quer que estejamos, e em qualquer calçada que nos encontremos, o respeito ao outro e a busca e construção de melhores condições de vida estarão presentes, sempre em consonância com o Pensamento Social da Igreja e do Papa Francisco.
Neste sentido, o mais recente documento sobre a Dignidade das Pessoas afirma-o muito claramente: a Igreja não cessa de encorajar a promoção da dignidade de cada pessoa humana, independentemente das suas qualidades físicas, mentais, culturais, sociais e religiosas. Fá-lo com esperança, certa da força que brota de Cristo ressuscitado, que já levou à sua plenitude definitiva a dignidade integral de cada homem e de cada mulher. Esta certeza torna-se um apelo nas palavras do Papa Francisco a cada um de nós: "Peço a cada pessoa neste mundo que não se esqueça daquela vossa dignidade que ninguém tem o direito de vos tirar".
Esta é a posição dos jesuítas que transcende todas as conjunturas.
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“Na Venezuela, abstenção eleitoral serve a continuidade do governo numa bandeja de prata”. Entrevista com Alfredo Infante - Instituto Humanitas Unisinos - IHU