05 Abril 2024
A relação entre Francisco e o secretário histórico de Bento XVI nunca foi fácil. Bergoglio encontrou-o pela primeira vez como Papa na saída da Capela Sistina, poucos minutos depois da eleição. Apenas um aceno de cabeça para pedir-lhe que ligasse para Joseph Ratzinger e falasse com ele antes que o resto do mundo soubesse. Dom Georg Gänswein ligou, mas ninguém atendeu, Bento XVI estava em Castel Gandolfo na frente da TV, esperando para saber o nome de seu sucessor, e ninguém no palácio ouviu a chamada. No fim, ficou sabendo de Bergoglio, como todo mundo, no anúncio do habemus Papam. Má sorte, mas as coisas depois não melhoraram muito. Bento XVI o havia nomeado prefeito da Casa Pontifícia, um papel importante na Cúria, o homem que está sempre perto do Papa e acolhe as personalidades recebidas no Palácio Apostólico.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 04-04-2024. A tradução de Luisa Rabolini.
Francisco o manteve no cargo, Gänswein vivia ao lado de Ratzinger no mosteiro do Vaticano Mater Ecclesiae e, devido ao seu duplo papel, deveria ter representado uma espécie de “ponte” entre dois papas. Não foi assim. No Vaticano diziam que Francisco tinha mais a impressão de estar diante de um "muro".
É preciso dizer que a posição do arcebispo não era das mais fáceis. Com o passar dos anos o secretário acabou se tornando o artífice ou o bode expiatório, segundo os pontos de vista, de todas as tentativas recorrentes do grupo tradicionalista de colocar Bento XVI contra Francisco. Gänswein sempre rejeitou as acusações, “há correntes que não gostam de mim e espalham fake news, mas eu nunca quis dividir”. Em dezembro voltou a Roma para celebrar nas Grutas vaticanas uma missa em memória de um ano da morte de Bento XVI, e contava ao Corriere que “chegaram a falar de reuniões ‘anti-Francisco’, a dizer que eu desobedecia ao Papa porque ele teria me proibido viajar, tudo mentira; ou que eu teria recusado várias cátedras de bispo, outra calúnia”.
Nesse interim foi enviado de volta pelo Papa à Alemanha, na sua antiga diocese de Freiburg, sem atribuições.
A publicação do livro Nada além da verdade logo depois do funeral de Bento XVI, em janeiro de 2023, havia sido fatal. Francisco já havia falado sobre isso aos jornalistas ao retornar do Sudão do Sul, em 5 de fevereiro: “Algumas histórias que se contam, que Bento ficou amargurado por isso ou aquilo que o novo Papa fez, são ‘histórias chinesas’", disse usando uma expressão argentina, “cuentos chinos”, que significa mentiras. “Na verdade, tenho consultado Bento para algumas decisões a serem tomadas e ele concordou. Não estava amargurado. Acredito que a morte de Bento foi instrumentalizada por pessoas que querem levar água para o seu próprio moinho. E pessoas que exploram uma pessoa tão boa, tão de Deus, diria quase um santo padre de Igreja, essas pessoas não têm ética, é gente de partido, não de Igreja”.
Precisamente naquele livro, Gänswein contava a despedida seca que o Papa lhe reservara três anos antes: “O senhor continua prefeito, mas a partir de amanhã não voltará ao trabalho”. E escrevia ter ficado "chocado e sem palavras" ao se descobrir um "prefeito pela metade". Efetivamente, havia desaparecido de circulação em fevereiro de 2020, oficialmente para se dedicar a Bento XVI.
O Sínodo na Amazônia que havia proposto a ordenação sacerdotal de homens casados, esperava uma resposta de Francisco. E justamente naqueles dias foi publicado um livro, Do profundo de nosso coração, publicado em parceria pelo cardeal conservador Robert Sarah e Bento XVI. Na introdução, era condenada qualquer hipótese de abertura. Uma situação clamorosa: o antecessor que intervinha diretamente, como se quisesse condicionar as decisões do Papa. Clamorosa, mas falsa.
Gänswein pediu a Sarah que retirasse a assinatura de Bento, que só havia permitido publicar um seu antigo ensaio sobre o celibato, seguiram-se desmentidas oficiais, mas no final era por ele que passavam os contatos com as editoras e Francisco o considerou responsável.
Já tinham acontecido outros incidentes editoriais, mas aquele representou a fratura definitiva. Três anos mais tarde, com o lançamento do livro de Gänswein, Francisco decidiu que já estava farto. Assim agora o arcebispo mora em Freiburg, sem poder fazer nada. Falou-se em cargos universitários, mas nada. "Quem sabe! Na Alemanha o limite de idade é 65 anos e eu tenho 67. Estou sem cargos e sem trabalho, e isso é ruim...”.
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Os livros, os venenos, o exílio na Alemanha. Todos os confrontos entre o Papa e Georg - Instituto Humanitas Unisinos - IHU