19 Março 2024
"O Papa Francisco não pode ficar isolado e pergunto-me o que estão fazendo os católicos além das manifestações dominicais e das passeatas pela paz. De que forma se empenham para uma prática de não-violência ativa e um caminho de reconciliação e paz face aos conflitos e às agressões?"
O artigo é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, publicado por Repubblica, 18-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Narra-se no livro do profeta Jeremias que durante a invasão de Israel pelo Império oriental dos Babilônios houve resistência, uma defesa foi tentada durante meses com um número de mortes que podia ser definido como um massacre e também aconteceu a terrível deportação de homens saudáveis e jovens para o exílio na Babilônia.
O profeta Jeremias testemunha esses acontecimentos e prepara as condições para um armistício com o invasor, entrando em polêmica com aqueles que pediam a intervenção do Egito. Jeremias prediz a paz e pede para desistir da guerra contra os babilônios e não confiar no império do Ocidente. Mas eis a acusação: “Você está do lado dos babilônios. Você está com Nabucodonosor contra o povo de Israel”. E por isso é encarcerado, jogado numa cisterna e perseguido. Tratava-se de escolher o mal menor: ou um ato que poderia parecer de rendição, mas na realidade era de realismo e coragem, ou ir em direção à catástrofe, que aconteceu em 587, após três anos de guerra.
A força profética está nessa parrésia, em dizer a verdade e não se deixar dobrar por lógicas mundanas.
Nos últimos dias o Papa usou as palavras “rendição ativa”, “negociação”, “bandeira branca”, “cessação das hostilidades”; custaram-lhe a acusação de se posicionar a favor da Rússia e de abandonar a Ucrânia, mas não é nada disso.
Acima de tudo pelo amor que tem pela Ucrânia, onde vivem 6 milhões de católicos, seus filhos. É verdade que alguns na Ucrânia não entenderam a posição do Papa, mas para muitos ortodoxos ucranianos e até católicos, cansados dessa guerra que mutilou as suas famílias e destruiu as suas casas, salvar vidas é mais importante do que muitas razões políticas. Infelizmente, as palavras do Papa foram rodeadas de vozes que gostariam de extinguir a sua profecia e trazê-las de volta ao domínio da linguagem diplomática. Afinal, a história da Igreja testemunha que onde se eleva a voz do Evangelho, crescem as vozes daqueles que fazem barulho sem criar nada.
Para quem está atento ao magistério de Francisco, essa posição profética sobre a guerra não é uma novidade: para o Papa, até as proposições do Catecismo da Igreja Católica devem ser revistas para o crescimento da consciência evangélica que aconteceu na Igreja. Não é mais moralmente justificável o recurso às armas, sob qualquer forma, e diante de um conflito a reação evangélica para um crente continua sendo a não-violência ativa, que interrompe a espiral da violência. O Papa não prega e não acredita mais na possibilidade de uma guerra justa, simplesmente porque o Evangelho o proíbe. E Francisco acredita e obedece ao Evangelho.
Mas nisso o Papa Francisco não pode ficar isolado e pergunto-me o que estão fazendo os católicos além das manifestações dominicais e das passeatas pela paz. De que forma se empenham para uma prática de não-violência ativa e um caminho de reconciliação e paz face aos conflitos e às agressões? O Papa sozinho não pode fazer tudo o que cabe aos cristãos.
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A profecia da paz. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU