23 Fevereiro 2024
A reportagem é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 22-02-2024.
Decepção, insatisfação, incompreensão, impotência e, claro, raiva. São os sentimentos indisfarçáveis que o portal de notícias alemão Katholisch encontrou ao sondar a opinião dos membros não bispos da Comissão Sinodal, a polêmica estrutura eclesial nascida como fruto de anos de trabalho conjunto com o episcopado no Caminho Sinodal alemão.
Sempre na corda bamba em sua relação com o Vaticano, agora os membros desta Comissão - do qual Roma advertiu sobre sua difícil adequação canônica, pois teme que seja um organismo acima dos bispos - criticam sem rodeios a suspensão da votação sobre seus estatutos prevista para a plenária que a Conferência Episcopal que está sendo realizada, após o pedido expresso nesse sentido feito na carta que os cardeais Parolin, Fernández e Prevost enviaram ao seu presidente na última sexta-feira.
Nesse sentido, a intervenção romana mostra o "reflexo dos sistemas em declínio, diante da falta de confiança e visão, de se apegar com medo e força ao velho e lutar por ele até o ponto do colapso", como destaca o secretário-geral do Serviço Social para Homens Católicos (SKM), Stephan Buttgereit.
A "recusa crônica em dialogar que estamos experimentando desde Roma leva à incapacidade de agir de todos os envolvidos", acrescenta este leigo, para quem a carta dos cardeais da Cúria vaticana coloca os bispos alemães em uma situação insustentável. "A Conferência Episcopal terá que 'pagar' pela decisão de remover da pauta o ponto sobre a Comissão Sinodal com uma nova perda de confiança".
A intervenção vaticana mostra a falta de estilo de comunicação entre os bispos alemães e o Vaticano, segundo a teóloga Margit Eckholt. "O Sínodo de outubro de 2023 deixou claro o quanto é importante desenvolver uma nova arte de argumentação na Cúria, ouvindo as diferentes dinâmicas pastorais e culturais nas diferentes igrejas locais".
Eckholt pede regulamentações legais sobre como o ofício de bispo deve se integrar às estruturas sinodais. Em geral, é necessária uma "nova cultura de união" que leve a "um reconhecimento das necessidades concretas da Igreja na Alemanha e uma apreciação da forma de sinodalidade, conforme o catolicismo na Alemanha, que é caracterizado por uma cultura democrática".
Stefan Eschbach, do Conselho Arquidiocesano de Friburgo, vê a carta romana como uma nova escalada do conflito entre a Conferência Episcopal Alemã e Roma. "Precisamos de pessoas que desenvolvam novos conceitos e soluções e não bispos fracos e divididos". Nesse sentido, espera que a Comissão Central dos Leigos Alemães fortaleça a criação de redes internacionais e acompanhe de perto a experiência do Sínodo Amazônico, que, estima, "poderia fornecer informações importantes para os processos sinodais na Alemanha e na Europa".
Christian Gärtner, presidente do Conselho Diocesano de Eichstätt, ficou surpreso com o momento da intervenção: "Evidentemente, com essa tática surpresa, pretendia-se impedir que as forças reformistas da Conferência Episcopal pudessem chegar a um acordo sobre uma contraestratégia adequada". Embora a Comissão Sinodal continue "no ar" após a carta do Vaticano, as decisões do Caminho Sinodal são, no entanto para ele, uma "boa base teológica para um maior debate sobre as reformas necessárias na Igreja católica, não apenas na Alemanha, mas em todo o mundo".
A ex-presidente da Associação das Mulheres Católicas Alemãs, Maria Flachsbarth, está “profundamente decepcionada” com a exigência de Roma. "É desconcertante a rejeição das reformas que supostamente devem ser realizadas expressamente no Direito Canônico". Isso demonstra “mais uma vez a incapacidade de diálogo entre a Cúria Romana e a Conferência Episcopal Alemã", em sua opinião.
O comportamento de "uma minoria de bispos alemães que aparentemente conseguem repetidamente semear desconfiança em Roma contra o projeto de reforma alemão" deixa-os perplexos. “O que realmente os faz ter tanta certeza de que o espírito de Deus só lhes mostra o caminho para o futuro, mas não à maioria de seus colegas ministros que querem seguir o caminho sinodal?”, questiona Flachsbarth.
Andrea Heim, diretora nacional da educação católica de adultos, pergunta-se por que "a lealdade dos bispos está sempre em Roma e nunca em tantas pessoas que lutam com a Igreja e querem mudanças". E exige que os bispos alemães não esqueçam a “causa fundamental do Caminho Sinodal - a violência sexual sistêmica - e que trabalhem no Comitê Sinodal conforme decidido por unanimidade”.
Lisa Holzer, da Associação Federal da Juventude Católica, tem a impressão de que esses bloqueios curiais retiram a motivação para trabalhar por uma Igreja sustentável. "Espero que a Comissão Central de Leigos (ZdK) adote uma posição clara que deixe claro que nós, os não bispos, estamos muito felizes e convencidos em ajudar a construir nossa Igreja. Mas só estaremos dispostos a fazer isso se os esforços valerem a pena", afirma. "Também deve ficar claro que não há alternativa às reformas. As causas sistêmicas do abuso espiritual e da violência sexual devem ser abordadas de tal forma que uma Igreja sem qualquer tipo de violência possa surgir".
Para Marcus Leitschuh, membro do ZdK, é incompreensível que o Vaticano tenha se posicionado repetidamente contra antes das reuniões, mas nunca tenha buscado uma conversa com o presidente do Caminho Sinodal. "Tenho a sensação de que os redatores das cartas de Roma não leram os estatutos da Comissão Sinodal nem seus fundamentos. Porque não há nada neles que seja criticável por Roma", aponta ao Katholisch, para acabar mostrando sua impressão de que parecem "anciãos com túnicas magníficas que vivem em um mundo paralelo".
Birgit Mock, vice-presidente do ZdK, estima por sua parte que não se deve evitar o confronto com Roma e espera que os bispos alemães mantenham as reformas, porque as decisões sobre o Caminho Sinodal "não foram tomadas de ânimo leve; foram precedidas por anos de consultas com muitos especialistas e afetados".
"Começamos o Caminho Sinodal para abordar as causas sistêmicas da violência sexual. Isso inclui outras estruturas de poder e de tomada de decisões, isso inclui uma imagem diferente dos sacerdotes e isso inclui uma Igreja com equidade de gênero que vê a diversidade como um enriquecimento". Essas reformas, afirma em seguida, são necessárias, especialmente porque muitas pessoas na Alemanha estão se afastando da Igreja. "Qualquer atraso adicional na adoção dessas medidas significa que estamos desperdiçando esta oportunidade", destaca.
"Quase dá a impressão de que o Vaticano quer fazer desfilar os bispos alemães. Isso é degradante e desrespeitoso", diz a irmã Philippa Rath. Nessa situação, ela admira "a calma e a compostura de Dom Georg Bätzing", presidente do episcopado alemão. Sobre os futuros trabalhos da Comissão Sinodal, considera que "seria necessário um pequeno milagre para que os representantes do Vaticano e os bispos alemães chegassem a um acordo sobre isso antes de junho".
A continuação do trabalho na Comissão Sinodal agora está "muito em dúvida" e os sinais romanos custam muita energia, aponta a religiosa, "que poderiam usar de maneira mais sensata para aqueles que já abandonaram a igreja". "Não conseguiremos convencer os bispos que não estão dispostos a reformar de que essas decisões têm sentido", disse Rath em alusão ao punhado de bispos críticos com o Caminho Sinodal.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pessimismo (e raiva) da Comissão Sinodal alemã após o golpe de autoridade dos cardeais da Cúria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU