29 Novembro 2023
No que diz respeito ao Caminho Sinodal da Igreja Católica alemã, houve nos últimos dois meses uma massiva circulação de correspondências entre Roma e a Alemanha.
O comentário é do teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 28-11-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nenhuma das cartas em questão foi publicada oficialmente, mas excertos ou todo o conteúdo delas apareceram em jornais alemães e poloneses.
Sigamos a ordem na qual as diversas cartas se tornaram de conhecimento público.
* * *
No dia 21 de novembro, o jornal alemão Die Welt publicou uma carta de resposta do Papa Francisco (datada de 10 de novembro) a uma carta que lhe foi enviada, datada de 6 de novembro, por quatro mulheres, incluindo algumas ex-membros do Caminho Sinodal (K. Westerhorstmann, M. Schlosser, D. Schmidt, H.-B. Gerl-Falkovitz) – com a qual expressavam ao papa sua preocupação em relação à ligação com Roma após os resultados do Caminho Sinodal e dos passos que a Igreja alemã está dando após seu encerramento.
No dia 24 de novembro, o semanário Die Tagespost publicou um artigo com excertos de uma nota oficial enviada no dia 25 de outubro pelo secretário de Estado, cardeal Parolin, à secretária da Conferência Episcopal Alemã, Beate Gilles. Segundo o que foi relatado, Parolin, em seu escrito, teria reafirmado a exclusão das mulheres da ordenação sacerdotal (como já afirmado pela Ordinatio sacerdotalis de João Paulo II) e confirmado o atual magistério da Igreja Católica sobre a homossexualidade.
Em meados de novembro, tornou-se conhecida uma carta enviada nos primeiros dias de outubro pelo presidente da Conferência Episcopal Polonesa, Dom Gadecki, ao Papa Francisco – em que se fazem fortes críticas às decisões tomadas no âmbito do Caminho Sinodal alemão. No dia 27 de novembro, o jornal polonês Rzeczpospolita publicou a carta enviada a Gadecki pelo presidente da Conferência Episcopal Alemã, Dom Bätzing (datada de 21 de novembro). As palavras escolhidas por Bätzing foram severas e pesadas: ele acusaria o bispo polonês de um comportamento pouco fraterno, voltado a difundir teorias da conspiração totalmente infundadas. As acusações feitas por Gadecki perante o papa seriam, portanto, simplesmente falsas.
* * *
Tentemos desfazer um pouco esse novelo emaranhado de cartas, preocupações, acusações e contra-acusações. Sabe-se que o Papa Francisco é alérgico à agregação de estruturas eclesiais como solução para os problemas da Igreja Católica – daí sua reação negativa espontânea ao processo iniciado pelo Caminho Sinodal, que deverá conduzir a um futuro Conselho Sinodal permanente da Igreja Católica alemã.
Até agora, no mesmo dia da carta de resposta a Francisco (10 de novembro), tivemos apenas a instituição de um Grupo de Trabalho Sinodal, ao qual cabe delinear e verificar a possível constituição de um Conselho Sinodal permanente. O fato de que isso pode “não estar de acordo com a estrutura sacramental da Igreja” é uma preocupação preventiva do Papa Francisco (não só porque ele ainda não existe, mas também porque ainda não foi delineado minimamente como ele deverá ser).
O arco de tempo que envolverá o Grupo de Trabalho Sinodal foi deliberadamente fixado de forma a permitir a recepção do processo sinodal mais amplo da Igreja Católica em um nível universal. Isso deveria acalmar as preocupações expressadas pelo cardeal Parolin a respeito de estruturas paralelas indiferentes ao que está acontecendo no Sínodo sobre a Sinodalidade da Igreja.
* * *
A falta de simpatia sentida por Dom Gadecki em relação à Igreja Católica alemã, em geral, e ao Caminho Sinodal, em particular, é conhecido há muito tempo, e sua carta ao Papa Francisco também não diz nada de novo a esse respeito – marcando apenas uma escalada dos tons da acusação (aos quais correspondeu a irada resposta de Bätzing).
Em uma entrevista concedida em 13 de novembro ao site Catholic World Report, o bispo polonês também expressou críticas bastante pesadas ao Papa Francisco: que, ao permitir o voto a “pessoas desprovidas de autoridade episcopal” no âmbito do Sínodo dos Bispos, teria assim dado origem a “algo que distancia do que se conhece na tradição da Igreja e do que é prescrito pelo Código de Direito Canônico”.
Segundo Gadecki, foi assim que se expressaram os bispos das Igrejas orientais em particular – é uma pena que justamente esses bispos, no documento da fase continental, tenham se expressado exatamente de maneira oposta: isto é, lamentando-se da não participação dos leigos nos sínodos das Igrejas orientais, por um lado, e sua ocidentalização/latinização, por outro (fazendo com que eles se tornassem totalmente homólogos às conferências episcopais).
Diante de mais um insulto de Gadecki, Dom Bätzing perdeu aquele pouco de paciência que lhe restava e respondeu olho por olho – assimilando-se aos tons agressivos e acusatórios usados pelo prelado polonês.
Não se esquecendo ainda do fato de que uma carta crítica anterior de Gadecki, também dirigida a Bätzing, apareceu primeiro na imprensa, para só chegar a seu destinatário depois, o presidente da Conferência Episcopal Alemã retribuiu o favor ao remetente: de fato, quando o jornal polonês publicou a carta de Bätzing a Gadecki, este último ainda não a tinha recebido. Estamos mais no nível da Commedia dell’Arte de memória goldoniana do que do comportamento senhoril de pessoas ordenadas ao ministério episcopal.
* * *
Também de Gadecki é a teoria do Caminho Sinodal como alternativa paralela ao Sínodo da Igreja universal, retomada, mas temperada, pela carta do cardeal Parolin – que pede que se preste atenção para não causar essa impressão.
E, na grande confusão que reina atualmente, talvez seja precisamente a nota da Secretaria de Estado que dá mais clareza e também oferece as maiores aberturas: não se pode tratar da ordenação sacerdotal das mulheres e a homossexualidade, mas não se veta a sua discussão (que, aliás, foi o que aconteceu no Caminho Sinodal e, em parte, também no Sínodo sobre a Sinodalidade). Não se diz nada sobre a ordenação das mulheres ao diaconato, que, portanto, permanece como um tema aberto a possíveis decisões positivas nesse sentido.
Se pensarmos, além disso, no duro confronto entre a Cúria Romana e a Conferência Episcopal Alemã por ocasião do encontro interdicasterial de julho passado, os tons desta última nota oficial da Secretaria de Estado não são apenas muito mais pacatos, mas também mais contidos na formulação dos limites. Além disso, o fato de ela recordar explicitamente a continuação do diálogo e do debate entre os dicastérios romanos e a Igreja Católica alemã indica o sentido em que ela quer se inserir.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Caminho Sinodal alemão: cartas, acusações e ressentimentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU