08 Novembro 2023
"Sob João Paulo II e Bento XVI, houve uma forte censura na Igreja Católica, com o uso flagrante de dinâmicas de chantagem e coação. Esse exercício de poder favoreceu tudo, exceto uma discussão livre e aberta - ou seja, o que a Igreja Católica está experimentando agora devido ao processo sinodal desejado pelo Papa Francisco", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 07-11-2023.
Eis o artigo.
Para aqueles que têm alguma familiaridade com assuntos da Igreja, algumas passagens de uma recente entrevista do Cardeal Koch ao encerramento da primeira sessão do Sínodo deixam algumas perplexidades.
À pergunta sobre a novidade da abertura e da liberdade de expressão introduzida na Igreja Católica pelo processo sinodal, Koch respondeu: "Por um lado, é justo dizer que o espírito da sinodalidade, que está sendo vivido neste momento, é uma contribuição do Papa Francisco. Por outro lado, considero falso atribuir essa diferença apenas aos pontífices. Tanto com o Papa João Paulo II quanto com o Papa Bento XVI, pude sempre abordar todos os temas. Nunca tive a impressão de que havia questões que não podiam ser discutidas. Se isso não foi feito antes, não depende apenas dos pontífices, mas também dos bispos, que talvez se impunham uma autocensura".
Em resumo, nada de novo sob o sol, de acordo com o cardeal Koch. Mesmo nos dois pontificados anteriores ao de Francisco, em sua opinião, não havia questões sobre as quais não se pudesse falar abertamente. Além da sutil maldade de enquadrar o processo sinodal atual na ideia de Igreja Católica que João Paulo II e Bento XVI tinham, surpreende a ingenuidade histórica com a qual Koch enxerga a possibilidade de um debate público, franco e aberto, na longa temporada pós-conciliar que começou com o pontificado de João Paulo II.
Em primeiro lugar, ele falha em perceber a massiva uniformização do corpo episcopal possibilitada por um pontificado cujos efeitos se estenderam além de sua própria duração. As áreas de discussão na Igreja eram predefinidas pela política de nomeações episcopais - dentro desse limite rígido, ocorria um debate que anteriormente já havia excluído toda uma série de temas (e certamente não por motivos de autocensura).
Em segundo lugar, exatamente esses temas já eram censurados pela orientação e vontade de João Paulo II e Bento XVI - dois papas que, ao longo de suas carreiras eclesiásticas, fizeram uso sistemático da máquina disciplinar. Claro, isso não impedia completamente a possibilidade de trazer à tona discussões sobre questões que os dois pontífices não queriam na Igreja - mas a um preço muito provável de sofrerem pesadas censuras dos aparatos curiais. O que se pode dizer dos bispos desse período é que eles não tiveram a força testemunhal de uma coerência evangélica entre seu ministério e os temas que deveriam ser discutidos na Igreja.
Sob João Paulo II e Bento XVI, houve uma forte censura na Igreja Católica, com o uso flagrante de dinâmicas de chantagem e coação. Esse exercício de poder favoreceu tudo, exceto uma discussão livre e aberta - ou seja, o que a Igreja Católica está experimentando agora devido ao processo sinodal desejado pelo Papa Francisco.
O desaparecimento repentino da disciplina sobre os dissidentes não se deve à alta tolerância pessoal de Francisco, mas sim à eclesiologia e teologia do atual pontífice. Quando ele intervém com autoridade, é para corrigir uma ferida causada anteriormente.
E no corpo episcopal que viveu como protagonista tanto a era de João Paulo II e Bento XVI quanto a de Bergoglio, não são poucos aqueles que, hoje, são defensores da abertura, da livre discussão e do confronto sincero, mas exerciam o poder como censura e chantagem naquela época.
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O cardeal, os bispos e a censura. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU