24 Janeiro 2024
"Deus manifesta a sua relevância na capacidade de estar no pequeno: habitando a nossa história – por vezes complexa – com confiança renovada, não deixa de procurar motivos de esperança e oportunidades de amor." escreve Roberto Oliva, presbítero da Diocese de San Marco Scalea, Itália, em artigo publicado por Settimana News, 21-01-2024.
Eis o artigo.
Na história que vivemos ainda existe a possibilidade da fé? Ainda é o tempo de Deus? Ainda há esperança para esta humanidade? Será que Deus não se cansa realmente desta história rasgada e fragmentada?
Muitas vezes, questões semelhantes surgiram nos nossos corações ou nas complexas discussões antes e durante o Sínodo. O Natal que acabamos de celebrar recordou-nos uma das realidades mais chocantes da fé cristã: Deus tornou-se humano. Deus escolheu habitar esta história e esta humanidade: sem nenhum arrependimento!
Deus aprende com a pequenez da realidade
Deus em Jesus escolheu aprender, com confiança, que a realidade é superior à ideia. A fé cristã nunca deve perder de vista a escolha fundamental de Deus: Ele desce para habitar esta história. O cristão é chamado a manter um olhar teológico e não jornalístico sobre os acontecimentos felizes e tristes da humanidade.
A história em que Deus habita é feita de experiências diferentes e por vezes contraditórias: basta considerar a nossa própria história pessoal para perceber isso. Somos fruto da história dos nossos pais, de uma jornada educativa (infância e adolescência), do carinho recebido, de feridas, erros e desejos. Um aforismo atribuído ao meio inaciano diz: “Non coerceri a maximo sed contineri a míiimo divinum est”.
Deus manifesta a sua relevância na capacidade de estar no pequeno: habitando a nossa história – por vezes complexa – com confiança renovada, não deixa de procurar motivos de esperança e oportunidades de amor. Tudo o que em nossa história nos parece desprezível e inútil (pequeno segundo nossas categorias) é abraçado pelo Deus do Amor. Só esta confiança ousada em Deus lhe permite transformar as crises em oportunidades com a força transformadora de quem saiu do túmulo da morte e do fracasso.
Crises exigentes
A Igreja que vive neste tempo é chamada a seguir os passos de Deus: aprender a ler a história com os seus olhos, não com critérios mundanos disfarçados de espiritismo barato.
Este exercício urgente consiste num discernimento pessoal e comunitário que não estacione a Igreja num pessimismo estéril e incapaz de alegria evangélica. Santo Inácio de Loyola no número 322 dos seus Exercícios Espirituais especifica as três causas pelas quais nos encontramos desolados.
A primeira é pela tibieza e pela negligência, a segunda para nos fazer experimentar o quanto valemos mesmo sem o apoio de consolações particulares, a terceira para nos fazer compreender que tudo é dom de Deus e não nos aninhemos na casa dos outros, ficando orgulhosos. Diversas crises eclesiais (“desolações”) são providenciais para um discernimento autêntico que nos liberta das falsas imagens de Deus e de um pessimismo estéril que não anuncia nenhuma “Boa Nova”.
As perplexidades sobre a história que atravessamos pedem-nos para não colocarmos “ninho na casa dos outros”: confiança excessiva em respostas que já passaram, recolhimento em seguranças mundanas ou materiais, decadência em polarizações ideológicas que não têm sabor de fraternidade.
O Evangelho de um Deus que escolheu habitar esta história só se anuncia através da credibilidade das nossas histórias pessoais: vividas, amadas e contadas através de encontros e relações reais e não ideais. A realidade chega até nós de forma às vezes imprevisível, bastando a confiança típica de Cristo que acolheu os encontros mais inesperados da sua vida: procurar e salvar o que estava perdido.
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Hospedar a realidade. Artigo de Roberto Oliva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU