12 Dezembro 2023
"A nova constelação de referências é bem percebida pelo magistério de Laudato si', Fratelli tutti e pela sinodalidade da Igreja. Mas a Igreja, por sua vez, não percebe que a vida religiosa já habita essas 'brechas' ou 'fendas', que compartilha seu carisma, que suporta o tabu contemporâneo contra qualquer decisão que seja 'para sempre' (junto com os cônjuges)", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 09-12-2023.
De 21 a 25 de novembro, ocorreu em Lourdes a assembleia da Conferência dos Religiosos e Religiosas Franceses (Corref). Ao tema geral ("A vida religiosa em um caminho de transformação"), foram adicionados alguns encontros e discussões: da pastora Marion Muller-Colard ao jesuíta Christoph Theobald, da biblista Beatrice Oiry a Faucauld Giuliani, fundador do DorothyCafé. Estava previsto, mas não discutido nem aprovado, um documento sobre os Direitos Fundamentais na vida religiosa.
Em sua introdução, a irmã Véronique Margron destacou o contexto de guerra no momento histórico atual (Ucrânia, Armênia, Israel) e as medidas relacionadas aos abusos.
A Comissão de Reconhecimento e Reparação, encarregada dos dispêndios para as vítimas de abusos na vida consagrada, informou ter recebido 800 solicitações com 313 decisões de indenizações. Ela está se orientando para um estudo que explique os processos de justiça reparadora em andamento, as especificidades dos abusos na vida religiosa e uma investigação sobre a experiência das vítimas.
Entre os 300 presentes, a consciência da diminuição dos números de suas famílias religiosas sugeriu uma reflexão renovada. "Encarar a realidade de frente é provavelmente o principal motor da 'transformação'. Não para reclamar e alimentar o medo diante da diminuição demográfica, por exemplo, dos que entram, ou das dificuldades na formação, na governança ou na relação entre a vida consagrada do Norte (do mundo) e do Sul. Enfrentar a realidade, na medida do possível, é, antes de tudo, compartilhar com os outros" (Irmã Margron).
Até alguns anos atrás, mesmo as congregações mais frágeis buscavam meios de sobreviver. Agora, a evidência dos números e a idade dos membros tornaram muitos mais propensos à possibilidade de fusão com outros institutos semelhantes, à transmissão aos leigos das iniciativas carismáticas, a um novo equilíbrio entre vocações do Norte e do Sul. Até aceitar o significado espiritualmente pleno do "cumprimento", da devolução do carisma à Igreja, que foi dado pelo Espírito através do fundador.
Uma freira disse: "Estamos nos encaminhando para a morte, mas queremos morrer vivos". A garantia de durar perpetuamente até o fim do mundo não foi dada aos institutos, mas à Igreja.
Há muito tempo, alguns recorrem a uma governança compartilhada com leigos, como um pequeno instituto de freiras perto de Poitiers, que transformou suas atividades sociais em um "polo de ajuda" para agricultores e migrantes, compartilhando a responsabilidade com os leigos. "As freiras olham além de si mesmas".
É uma questão que afeta especialmente o Ocidente. O ex-secretário do dicastério da vida consagrada, Mons. Carballo, lembrou que existem mais de 500 institutos de direito pontifício com menos de 100 membros. Metade tem menos de 50 membros. Isso significa dificuldades em encontrar homens e mulheres adequados para funções de liderança, não poder cuidar do processo formativo, lidar com a gestão econômica sem habilidades suficientes (cf. aqui e aqui).
Na França, dos 486 institutos inscritos na Corref, 150 têm menos de 50 membros. As freiras diminuíram de 5.237 em 2000 para 2.972 em 2020. As religiosas de vida ativa diminuíram no mesmo período de 48.412 para 15.653. Diante dos dados da realidade, não há desânimo, mas, como disse uma convidada, "vocês não são uma casa de repouso, são um laboratório, são aguardadas".
Dentre as muitas contribuições, destaco algumas notas da intervenção do jesuíta C. Theobald. Ele partiu das "fendas" ou "brechas" que caracterizam a "Galileia do nosso tempo".
Sua constelação espiritual de referência é principalmente um desejo de interioridade e de uma vida significativa e coerente. Um desejo que se abre espaço entre características socioculturais específicas.
A primeira é um humanismo cada vez menos seguro de si, que questiona a fronteira entre o homem e o mundo animal. Com uma desarticulação dos tempos: individual, da sociedade e do planeta. O individualismo abre muitas contradições com a sociedade e esta com o meio ambiente. No passado, a tradição religiosa garantia a conexão. Agora não mais, porque a sociedade tornou-se laica e pluralista. No entanto, é reconhecível, na fenda, uma "fé elementar", não mais confessionalmente conotada, que não rejeita a ligação entre o eu, os outros e o planeta.
A segunda característica está relacionada à coesão social. Não mais garantida pelo referencial comum a Deus, ela se refere a uma "fraternidade" que transcende as legislações e que representa um apelo a uma nova arte de viver juntos. O que o papa indica como "fraternidade mística e contemplativa". Na fenda entre referencial de valores não mais reconhecido e casualidade social, é necessário fazer perceber o vínculo "místico" de cada gesto de caridade e solidariedade.
A terceira característica é a demanda por participação nas decisões que afetam todos, no momento em que a "fenda" entre as elites dirigentes (políticas, financeiras, etc.) e a população é máxima. A tradição sinodal das famílias religiosas sente a pertinência da pergunta.
A nova constelação de referências é bem percebida pelo magistério de Laudato si', Fratelli tutti e pela sinodalidade da Igreja. Mas a Igreja, por sua vez, não percebe que a vida religiosa já habita essas "brechas" ou "fendas", que compartilha seu carisma, que suporta o tabu contemporâneo contra qualquer decisão que seja "para sempre" (junto com os cônjuges).
Dentro delas, os religiosos/as percebem a dialética entre contemplação e ação, entre comunidade e solidão, e a transição entre comunidade de regras que facilitava a emergência de alguns e a comunidade de relações que vive em razão de sua qualidade.
Eles também vivem na "provisória" do momento histórico, mas o vivem sob o olhar de Deus, mesmo diante da perspectiva do "cumprimento". A aprendizagem de uma "ars moriendi" (a arte de morrer) pode significar a invenção de reformas inovadoras, assim como o cumprimento de sua própria história, mantendo, em qualquer caso, à vida consagrada sua função crítica e prospectiva.
A ideia de uma carta de direitos para religiosos e religiosas surgiu após o trabalho da comissão sobre abusos (Ciase), como um desenvolvimento coerente da garantia em relação a limites não ultrapassáveis por autoridades manipuladoras.
Quanto à substância desses direitos, não haveria novidades em relação ao que já está presente no Código de Direito Canônico (e civil) e nas regras, mas sua evidência deveria garantir melhor o religioso e a religiosa individual. No entanto, foi apontada uma possível deriva que transformaria as relações comunitárias em conflituosas. Introduziria, desde o momento formativo, uma forma contratual que não se alinha bem com um percurso de discipulado. Na prática, a proposta não foi votada. Provavelmente será reapresentada na forma de sugestões de boa conduta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Religiosos franceses: acompanhar a realização. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU