01 Dezembro 2023
"O patriarcado exprime um poder que não atribui exclusivamente um papel de responsabilidade, mas exerce autoridade de supervisionar e controlar a produção dos bens e a ordem social. Isso levou a atribuir à mulher, ao longo da história da humanidade, principalmente os papéis de reprodução e de cuidado, de assistência e de atendimento, de estabilização e de integração social, relegando-a a um estado de subalternidade", escreve Luigi Manconi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Itália, em artigo publicado por La Repubblica, 29-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mas por que toda a direita, realmente toda a direita, está empenhada desde o dia do assassinato de Giulia Cecchettin, numa furiosa batalha para rejeitar o termo e o conceito de patriarcado?
Existe mais de uma explicação. A mais elementar é que uma específica direita acredita seriamente que todos as palavras um pouco mais difíceis são uma invenção maligna da esquerda.
Mas existe uma direita menos tosca, cuja reação, beirando a neurastenia, diz muito sobre a sua fisionomia cultural e psicológica.
Como se sabe, a noção de patriarcado não se deve à análise marxista. É mais uma categoria própria das ciências humanas e, em particular, da antropologia - que não era propriamente a disciplina preferida de Lenin e Trotsky - e posteriormente da psicanálise (Freud escreveu coisas importantes a respeito) e da sociologia.
O patriarcado define um determinado tipo de organização familiar — que chega a informar toda a sociedade - e que prevê a autoridade masculina, originalmente mantida pela figura mais idosa.
Esse sistema é baseado num “direito paterno” e pode se manifestar dentro de qualquer estrutura da vida associada, da vida doméstica à vida pública, até à vida política.
O patriarcado exprime, portanto, um poder que não atribui exclusivamente um papel de responsabilidade, mas exerce autoridade de supervisionar e controlar a produção dos bens e a ordem social. Isso levou a atribuir à mulher, ao longo da história da humanidade, principalmente os papéis de reprodução e de cuidado, de assistência e de atendimento, de estabilização e de integração social, relegando-a a um estado de subalternidade.
As estruturas patriarcais entraram em crise há séculos e, em particular, com o advento da sociedade burguesa que corroeu a legitimação tradicional da autoridade, as relações entre as gerações e entre os pais e os filhos e a organização familiar. Em outras palavras, o patriarcado há tempo é atravessado por uma luta duríssima que tem como resultado a sua sobrevivência ou a sua derrota final.
Isso ajuda a compreender o aparente paradoxo que registra precisamente nos países do Norte da Europa, onde a emancipação feminina está mais desenvolvida, um número bastante elevado de feminicídios. Pode-se dizer que se trata de episódios da "guerra entre os sexos", que vê muita reação dos homens tanto mais violenta quanto maior o nível de independência conquistado pelas mulheres. Por outro lado, o fato de a sociedade italiana ainda estar profundamente marcada pela cultura patriarcal é demonstrado inequivocamente por alguns dados.
Na Itália, as mulheres empregadas representam o 42,1% do total dos empregos e 56,2% da população feminina. E em 2021, 71,8% dos novos progenitores que pedem demissão do trabalho são mulheres. A disparidade salarial entre os gêneros está em volta de 5%, mas ficam excluídas do cálculo as empresas com menos de dez funcionários que empregam um elevado percentual de trabalhadoras. Outro dado refere-se à representação político-parlamentar: a presença de mulheres na Câmara e no Senado representa aproximadamente 33% de todos os representantes eleitos.
Como resultado, é difícil negar a natureza patriarcal da sociedade italiana e das suas instituições. O patriarcado pode ser criticado e combatido, ou apreciado e apoiado: uma direita conservadora pode considerá-lo a melhor forma de organização social, mas não pode fingir que não existe.
É uma história antiga. Na Itália, o acesso das mulheres à magistratura remonta a 1963 e a eliminação do crime de honra do ordenamento só ocorreu em 1981. Mas, pode-se argumentar, já se passaram mais de 40 anos. É verdade e é igualmente verdade que foram feitos grandes progressos. Isso se deve, entre outras coisas, ao desenvolvimento do movimento feminista e à contribuição de muitas mulheres para a análise do patriarcado (penso na obra de duas filósofas de grande qualidade como Luisa Muraro e Adriana Cavarero).
Mas a influência de um sistema mental como aquele alimentado pela prevaricação masculina não se esgota no período de algumas gerações: pelo contrário, sobrevive e pode até encontrar oportunidades para se reproduzir e fortalecer também devido a uma “falsa consciência” generalizada. Como aquela que inspira uma fórmula tão repetida nos últimos dias: não me sinto culpado, eu não matei ninguém, Filippo Turetta é o criminoso. Claro, este último será quem vai responder no plano penal pelo seu crime.
Mas como se pode pensar que aquele crime seja totalmente independente de uma mentalidade, de um clima, de um senso comum e de uma cultura pela qual todos, cada um à sua maneira, são de alguma forma corresponsáveis? Todos, cada um pela sua cota de palavras e gestos, de estereótipos e maus hábitos, de impulsos e desejos, de preconceitos e omissões.
Aqui, realmente, a direita - não falo de Céline e o Jünger mas daquela político-midiática atual - paga um irreparável preço cultural: a suspeita face à natureza problemática e à complexidade das grandes questões da vida social e moral e uma ideia brutalmente simplificada da psique e da personalidade humanas. Um sistema mental como o patriarcado não se manifesta apenas nos crimes hediondos de homens desesperados e impotentes: vive também do silêncio e da conivência de todos. Não é preciso ser de esquerda para entender isso.
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