23 Novembro 2023
"Vou dizer mais: não gosto dos homens progressistas. Porque são uma invenção, ou no máximo um invólucro; ou, na melhor das hipóteses, um esforço contínuo produzido por anos, que de alguma forma acaba sempre fracassando", escreve Francesco Piccolo, escritor e roteirista italiano, em artigo publicado por La Repubblica, 21-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cada vez que me pedem para escrever sobre os homens - se não sempre, certamente muitas vezes - acontece que coincidentemente há uma notícia horrível que diz respeito a eles (a nós); não me pedem para escrever por causa de tal notícia, mas depois acontece que as coisas sobre as quais quero escrever se devem confrontar com um ato hediondo. Desta vez, na história de Filippo Turetta e Giulia Cecchettin, havia, por diversos motivos, uma relação mais visível e próxima com a vida cotidiana, com a normalidade; não tenho certeza se porque foi contado quase de imediato, ou porque era uma situação muito semelhante a muitas outras que acontecem à nossa volta (e aos nossos filhos); o fato é que até o fim esperávamos que terminasse bem, mesmo quando já tínhamos entendido que terminaria mal.
Agora, não quero falar de uma brutalidade, mas sim de violência dos homens; o que não é exatamente a mesma coisa — ou melhor, não se trata apenas dos casos extremos. Diante de tudo isso, há dois caminhos: ou o sentimento de estranheza (eu não sou assim), a que muitas vezes os casos mais terríveis levam a defender: eu vivo uma vida em que é inconcebível o que aconteceu (e provavelmente, sabemos, era inconcebível até para aquele jovem); ou assumir a responsabilidade. Ou seja: justamente porque tudo o que senti nestes dias foi o reconhecimento de uma vida normal (por isso pensamos que o pior poderia não acontecer), então existe um gancho que une os nossos comportamentos cotidianos e os eventos extremos. E esse gancho é: como os homens são feitos, ou melhor: como nós somos feitos. Já que é um homem que escreve.
Não gosto dos homens que se escapam da acusação de serem violentos. Afinal, se por violência contra as mulheres se entende aquela terrível notícia, é também uma forma de dizer que estamos a salvo. Não sou eu, não somos nós, nunca poderíamos ser. Bem, eu não gosto dos homens que querem se salvar.
Vou dizer mais: não gosto dos homens progressistas. Porque são uma invenção, ou no máximo um invólucro; ou, na melhor das hipóteses, um esforço contínuo produzido por anos, que de alguma forma acaba sempre fracassando.
Existe o homem que não quer ser o que é. E isso é o máximo do progresso que podemos nos conceder. Além disso, sejamos claros, somos todos indivíduos diferentes uns dos outros e, como tal, podemos até mesmo ser progressista; mas como homens, não; como homens, somos todos iguais. Ou, querendo ser generosos, somos muito (muito mesmo) parecidos, todos nós, nas nossas características fundamentais.
Esse é o erro (estou pontificando, explicando, não posso deixar de fazer, comecei a fazer isso com minha irmã quando eu tinha cinco anos, como posso parar?) que está sendo feito nestes últimos anos tão sensíveis à questão: não basta mudar as regras de um dia para o outro e introduzir as regras justas; e acreditar que elas serão seguidas apenas porque são justas. Esse é o grande erro da humanidade, é essa a confiança progressiva que fracassa. Ou melhor, as regras podem ser mudadas até mesmo de um dia para o outro, podem certamente se estabelecer finalmente regras justas, mas isso não produzirá resultados imediatos: não adianta se iludir, será lento e dificultoso. Porque quanto mais serão tiradas do homem arrogância e supremacia, segurança e domínio, mais frágil ele se sentirá; e quanto mais se sentirá frágil, mais desesperadamente lutará. A fragilidade nos torna assustadores, nós, homens; tanto quanto a violência nos torna assustadores; somente nos homens essas duas características estão ligadas. É através disso que será preciso passar, queira-se ou não. Não se gostaria de passar, eu sei, porque não é justo. A resposta é: já lidámos com a arrogância e agora temos também que lidar com a fragilidade? Não é justo. E, no entanto, o fato de não ser justo não basta. Nunca bastou.
Sempre dizemos: vamos confiar nas novas gerações. Mas se pensarmos nos extremos, nos fatos de crônica como este último - dizem respeito justamente às novas gerações; e se pensarmos na vida cotidiana, na minha filha, por exemplo, de colegas do sexo masculino que explicam tudo para ela, que gostam de explicar tudo, já encontrou às dezenas.
Eu não quero me salvar de jeito nenhum. Não devemos nos salvar de forma alguma. Nesta história, não existem homens progressistas, modernos, revolucionários. Repito: podem haver pessoas progressistas, modernas, revolucionárias. Mas se essas pessoas são homens, por serem homens já não o são mais.
Fomos pelo menos uma vez (e até mais) na vida aquele que gritava lá em cima, que não deixava falar, que devia falar primeiro; aquele que explicava como é preciso se comportar ou como fazer uma coisa, ou mesmo como se deve viver; aquele que tentou impor o seu papel, aquele que se enfureceu ainda mais porque sabia que estava errado; aquele que não aceitou que se amasse um outro homem (não aceitou é pouco).
Aquele que se lembra que estava certo mesmo dois meses depois, e chama, e diz: você viu que eu estava certo? Aquele que em uma reunião se dirige apenas aos outros homens. Aquele que esquece o nome da colega. Aquele que envia mensagens ambíguas por toda a vida. Aquele que se sente obrigado a falar com uma mulher no trem que senta à sua frente só porque é bonita e não conseguiria voltar para casa sem fazê-lo. Aquele que se apropria das ideias das outras, sem constrangimento. Etc., etc., etc.
E há outra coisa que nos diz respeito, e que me diz respeito, nestes anos em que lidamos com meticulosidade com esse problema. Nós, homens, já estamos cansados de tudo isso. Eu, pelo menos, não tenho mais paciência. Já nos cansamos. Dizemos: ok, entendi. Tentamos nos comportar bem, mas bufamos, porque já encheram o saco. É isso que dizemos. Na verdade, é isso que pensamos, mas nem sempre o dizemos (especialmente se somos progressistas): ok, entendemos, agora parem de torrar a paciência.
Então, resumindo, o estado das coisas é o seguinte: as regras mudaram, mas é preciso muito tempo para mudar os homens. E, no entanto, quase de imediato, os homens já se encheram dessas regras.
Ainda há alguma coisa – ainda há muita coisa – que não funciona.
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Não existem os homens progressistas. Artigo de Francesco Piccolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU