22 Novembro 2023
"Não falta magistério; é hora de traduzi-lo na vida da Igreja. As jovens mulheres estão nos dizendo que não há mais tempo", escreve Paola Bignardi, pedagoga, ex-presidente da Ação Católica, em artigo publicado por Avvenire, 19-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O mundo juvenil é mais analisado superficialmente do que conhecido, a partir da convicção de que é preciso abandonar os estereótipos com os quais se costuma olhar e julgar uma geração cheia de recursos, que se sente deixada às margens, impossibilitada de oferecer ao mundo em que vive sua própria contribuição original.
As jovens mulheres estão se afastando da Igreja mais rapidamente do que os homens da mesma idade.
Parece que a relação das mulheres com a fé e sobretudo com a Igreja passa por um processo de estranhamento progressivo, tão intenso quanto intensa foi até o recente passado a força do apego afetivo e operacional das mulheres: mais assíduas na prática religiosa do que seus pares do sexo masculino, atentas ao ensinamento da Igreja, sempre prontas a prestar o seu serviço à comunidade nas mais diversas funções, todas ligadas pela humildade: limpeza da igreja, visitas a doentes, centros de escuta dos pobres, serviço na lanchonete da escola dominical e também catequese, especialmente para os pequenos. Nenhum papel de responsabilidade, nenhuma possibilidade de tomar decisões, exceto em questões de pouca importância, nenhuma possibilidade de influir nas escolhas básicas da comunidade. Para mulheres que conhecem bem a responsabilidade, também nos seus aspectos mais exigentes, na família, no trabalho, na escola, essa situação agora resulta incômoda. Os números que as pesquisas estatísticas apresentam são bastante eloquentes; é urgente tentar tomar consciência do desconforto das jovens e tentar interpretá-lo. O que está acontecendo com as garotas, a componente tradicionalmente mais aberta à experiência religiosa e ao serviço pastoral?
Por isso decidi dedicar uma reflexão exclusivamente a elas.
Para entender o nível de estranhamento das mulheres em relação à Igreja, bastam alguns dados; não apenas aqueles que fotografam o hoje, mas também a sua evolução nos últimos anos. Retiro esses números das investigações do Observatório da Juventude Toniolo. Hoje as jovens que se definem como católicas são 39%; em 2013, ou seja, apenas dez anos atrás, eram 61,2%: uma diferença expressiva. As garotas que se consideram ateias são 39%: em 2013 eram 12%.
Há muitos outros dados que poderiam ser relatados: os relativos à prática religiosa, a opinião sobre o valor de uma experiência religiosa. Limitar-me-ei a citar aqui aquele que diz respeito à confiança das jovens na Igreja: numa escala de 1 a 10, aquelas que declaram ter confiança máxima são 1%, as que não têm nenhuma confiança são 30% (dados de 2021).
Os dados falam de um mal-estar profundo que gera um afastamento das expressões concretas e públicas da fé, falam também de uma condição feminina em movimento, parecem ser também sinais de desconforto generalizado, que vê as garotas em sofrimento em relação a muitos aspectos que dizem respeito à atitude básica perante a vida.
Não é fácil entender as razões subjacentes a tal descontentamento. Os primeiros a não entender isso são seus pares masculinos, alguns dos quais declararam que as mulheres estão, em última análise, muito presentes na Igreja, realizam muitas atividades. Por isso não se consegue explicar o desconforto. Poder-se-ia pensar que seja causado pela exclusão dos ministérios ordenados. É verdade que esse motivo aparece aqui e ali, como um elemento cuja razão não é entendida. Aqui está um testemunho: "Penso que na Igreja deveria haver mais espaço para as mulheres; não vejo por que uma mulher não possa ser pároco e que esse papel seja reservado apenas aos homens". Mas o fato é percebido como uma questão interna à Igreja, que as garotas olham de fora, com distanciamento.
Então por que as jovens interromperam a sua relação com a Igreja e/ou com a fé? O que estão silenciosamente pedindo, com suas escolhas?
As mulheres não pedem poder na Igreja, não pedem cargos importantes, mas muito mais.
Pedem uma Igreja diferente: humana, evangélica, acolhedora, misericordiosa, atenta aos pobres, sem poder; uma Igreja dialógica, capaz de escutar. Acima de tudo, pedem que a Igreja mude o seu pensamento sobre elas, que não são nem donas de casa destinadas ao cuidado, nem anjos do lar, nem incapazes de assumir responsabilidades e gerenciá-las com maturidade. Até isso acontecer continuarão a ir embora em silêncio, sem protestar, porque não têm confiança de serem ouvidas. Elas não permanecerão na Igreja se esta não lhes permitir expressar a sua visão da família, do corpo, da sexualidade, do trabalho, da vida... “Acredito que uma maior presença das mulheres – diz uma jovem de 26 anos – provavelmente mudaria muitas coisas, mudaria a modalidade de linguagem, sem alterar a essência e a mensagem. Deixar as mulheres terem voz, certamente mudaria as coisas de uma forma positiva".
As mulheres pedem à Igreja que confie nelas, que as faça perceber concretamente que há necessidade não apenas de seus braços ou de seu tempo, mas de sua cabeça, de seu coração, de sua vida; elas são necessárias para uma compreensão mais complexa e profunda da fé.
A forma como as mulheres vivem a sua fé é original. É também por isso que elas são necessárias. O perfil religioso das jovens mulheres pode ser delineado assim: uma fé que procura não uma doutrina sobre Deus, mas a relação com Deus; essa se expressa numa oração subjetiva e pouco interessada nas formas codificadas e estruturadas da oração litúrgica. A busca de uma Presença, da relação com Deus, prevalece definitivamente sobre a necessidade de entender e sobre a demanda de uma verdade. A fé muitas vezes assume o caráter da emoção e da afetividade, certamente ligadas ao peso que nela tem a relação. As jovens pedem para expressar a sua fé em experiências envolventes e concretas, que lhes permitam serem elas mesmos, que se sintam protagonistas, que se tornem úteis. Precisam viver uma fé como compromisso com as pessoas mais do que na organização de atividades, na forma de cuidar. São três diretrizes (autoexpressão, protagonismo, necessidade de concretude) que também podem ser encontradas nos jovens homens: o que difere são os modos e a intensidade com que essas aspirações se traduzem.
Na situação atual as mulheres que permaneceram na comunidade cristã têm à sua frente alguns caminhos. Acabar enredadas em dinâmicas de marginalidade eclesial marcadas pela dependência e por um correspondente ressentimento, ou oferecer a dimensão carismática de sua presença e pedir que seja reconhecida como tal. A forma original de ler a realidade, a capacidade de escuta, um estilo de relação e de tomada de decisões atento ao outro permitem-lhes entrar nas dinâmicas eclesiais com liberdade, criatividade, empatia. É a mudança de estilo que elas gostariam e da qual talvez a Igreja de hoje tenha grande necessidade: sonhar e arriscar, ousar e habitar a concretude do cotidiano.
Esse é o sonho que as mulheres têm em relação à Igreja. Poderíamos dizer que esse é o sonho de todos (talvez até de Deus!), mas as mulheres que vão embora, tão rapidamente, estão nos dizendo que o tempo acabou.
O magistério, a partir do Concílio, não deixou de fazer ouvir a sua voz para expressar a estima da Igreja pelas mulheres; o Papa João Paulo II fez isso com documentos importantes, entre os quais a pouco citada Carta às mulheres (1995), na qual há importantes admissões de erros também da Igreja e do empenho das mulheres pelo reconhecimento da dignidade da condição feminina e dos direitos relativos. Fez isso com Mulieris dignitatem (1988) em que até fala do gênio feminino. O Papa Francisco está fazendo isso ao atribuir a algumas mulheres posições de responsabilidade na Igreja e invocando o seu envolvimento nas decisões, em todos os níveis.
E diante desses reconhecimentos, cabe se perguntar, um tanto ironicamente: se é verdade que à mulher é reconhecido um "gênio", por que se privar dele?
As jovens mulheres que não sabem o que é o Concílio e não conhecem os documentos da Igreja não precisam de declarações de princípio abstratas: precisam da linguagem das escolhas concretas, daquela vida que elas mesmas podem ver e experimentar. Não falta magistério; é hora de traduzi-lo na vida da Igreja. As jovens mulheres estão nos dizendo que não há mais tempo.
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Sem escuta, espaço nem responsabilidades. Por que as jovens abandonam a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU