10 Outubro 2023
"Nos próximos meses devemos esclarecer a questão. A Conferência Episcopal reconhece a prioridade de novas conversas com as vítimas de abusos e com os seus entes queridos".
O artigo é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, publicado por Settimana News, 05-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma série televisiva em quatro episódios sobre a condição das vítimas dos abusos sexuais na Igreja belga reabriu as feridas e reacendeu o debate, inclusive político. Godvergeten (“esquecidos por Deus”) é o título dos programas que permitiram que vítimas de abuso e suas famílias tomassem a palavra em público.
A reação da opinião pública foi muito ampla e profundamente perturbada. Nas mídias sociais tem um movimento que confirma a permanência do problema e nos leva a questionar sobre as ações para obrigar a Igreja a reagir.
Quase todas as forças políticas se manifestaram sobre a questão, pedindo a criação de uma comissão parlamentar com todos os poderes de um tribunal para investigar e decidir sobre os fatos que emergiram.
O governo também confirma o seu desejo de remover todo subsídio estatal aos padres condenados por abusos. Vozes de peso recolocaram em discussão o sistema estatal de subsídios que o Estado garante aos cultos (salários dos padres, sustentação às escolas, ajuda às instituições), abrindo a possibilidade de um subsídio ligado apenas ao consenso dos contribuintes.
Em 28 de setembro, o primeiro-ministro, Alexander De Croo, e o ministro da Justiça, Vincent Van Quickenborne, encontraram-se com o bispo de Antuérpia, DOm Johan Bonny (delegado da Conferência Episcopal para o tema), e com o padre Rik Deville, ativo crítico no assunto.
O bispo não descartou o consenso à hipótese da comissão: “Estamos num estado de direito e o problema manifestou-se na Igreja. Todos temos a ganhar com a transparência e a participação democrática."
Também surgiram perplexidades. Uma comissão parlamentar é um instrumento pesado que envolve o parlamento e precisa de tempo, considerando que em junho haverá eleições. Há também quem se lembre dos resultados efetivos - agora ignorados - de uma comissão parlamentar de há uma década, que, de acordo com os bispos, permitiu a criação de um centro de arbitragem, de algumas linhas telefônicas para recolher as denúncias e o ressarcimento financeiro a quem o solicitou. Evidentemente, os instrumentos não funcionaram plenamente e as solicitações evoluíram parcialmente.
Pode-se imaginar também que o redesenho dos subsídios estatais diga respeito a todos os cultos e à instituição “humanista”, herdeira da tradição maçônica, que participa na mesma qualidade dos subsídios do estado.
Os bispos flamengos (a transmissão foi em flamengo-holandês) apreciaram a coragem das vítimas.
“Compreendemos a sua raiva contra os culpados e também contra nós, como responsáveis eclesiais. Sim, falhamos. Diante dessa dura realidade, pedimos novamente desculpas. Foi e continua sendo um capítulo muito sombrio na história da Igreja. Nunca deveríamos esquecê-lo." “Nos próximos meses devemos esclarecer a questão. A Conferência episcopal reconhece a prioridade de novas conversas com as vítimas de abusos e com os seus entes queridos. É a partir daí que novas etapas poderão ser abertas, em colaboração com as vítimas, seus próximos e as experiências profissionais já presentes na sociedade”. “Até as estruturas da Igreja são postas em discussão. Unimo-nos à esperança expressa pelo Papa Francisco de nos livrarmos do clericalismo, do qual os abusos são uma horrível emanação”.
Em 2019 foi publicado um Relatório sobre os casos de abuso entre os padres. Encomendado pela Igreja, fala em 1.054 casos no país. 73% dizem respeito a menores de 10 a 18 anos.
O debate, dentro e fora da Igreja, reabriu velhas feridas. Dom Johan Bonny, que pertence a uma geração seguinte aos protagonistas das décadas passadas, acusou a inação do próprio Card. Danneels no caso mais clamoroso, aquele que envolveu o ex-bispo de Bruges, Roger Vagheluwe. Réu confesso de ter violado dois de seus sobrinhos, foi por algum tempo encoberto pelo cardeal, aguardando sua aposentadoria. Quando o caso explodiu, o bispo foi demitido e confinado a um mosteiro francês, mas o seu ministério não foi tirado.
Os bispos belgas tentaram várias vezes junto à Santa Sé para obter a laicização, sem sucesso. Johan Bonny foi procurá-lo para convencê-lo a renunciar ao ministério. Parece que Vagheluwe tenha escrito ao Vaticano, mas nada ainda foi decidido.
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Abusos na Bélgica: cortar os fundos à Igreja. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU