15 Abril 2011
Um ano após sua renúncia ter lançado a Igreja Católica Romana da Bélgica em crise, o ex-bispo de Bruges provocou condenação quase universal na sexta-feira, desta vez ao reconhecer que abusou de um segundo sobrinho e ao insistir que não era um pedófilo.
A reportagem é de Stephen Castle e Rachel Donadio, publicada pelo jornal The New York Times e reproduzida pelo Portal Uol, 16-04-2011.
Em uma entrevista para a televisão na noite de quinta-feira que abriu feridas profundas, o ex-bispo, Roger Vangheluwe, 74 anos, recontou os eventos que levaram à sua renúncia como bispo de Bruges no ano passado, quando veio à tona que 25 anos atrás ele tinha abusado de um garoto que posteriormente foi revelado que era um de seus sobrinhos.
Essas revelações levaram centenas de pessoas a se apresentarem, alegando que também tinham sido vítimas de padres, mergulhando a Igreja Católica Romana da Bélgica em sua crise mais profunda nos últimos tempos.
Em uma transmissão de um endereço na França, Vangheluwe, vestindo uma camisa com gola desabotoada, sugeriu que seu sobrinho não se opunha ao relacionamento de 13 anos revelado no ano passado e, em uma revelação inesperada, reconheceu ter abusado de um segundo sobrinho durante um período mais breve.
A entrevista, dada ao canal flamengo "VT4" e, por insistência de Vangheluwe, transmitida ao vivo, provocou uma enxurrada de críticas de um grande número de figuras públicas. Apesar de ter começado expressando sua culpa, ele transmitiu pouco arrependimento e disse que não abandonaria o sacerdócio a menos que fosse forçado.
Vangheluwe não está enfrentando acusações criminais devido ao crime prescrever em 10 anos na Bélgica e porque o Vaticano diz que ele está recebendo "tratamento espiritual e psicológico" fora da Bélgica.
Mas o ministro da Justiça da Bélgica, Stefaan De Clerck, pediu ao Vaticano que imponha uma punição mais dura.
"Ela deveria ser muito mais severa e muito mais completa do que foi dito até o momento", ele disse à rádio "RTL".
Nesta semana, o Vaticano disse que sua Congregação para a Doutrina da Fé estava avaliando o caso do bispo e que o papa Bento XVI em breve decidirá sobre o destino do bispo. Entre as possíveis punições, o papa poderia afastá-lo do sacerdócio.
Durante a entrevista, Vangheluwe negou que foi movido por motivações sexuais.
"Eu sempre estive envolvido com crianças e nunca senti a menor atração", ele disse. "Foi uma certa intimidade que se desenvolveu."
"Eu não tenho a impressão de que sou um pedófilo", ele prosseguiu. "Foi apenas um pequeno relacionamento. Eu não tinha a sensação de que meu sobrinho era contra – muito pelo contrário."
"Como começou?" ele disse. "Assim como em todas as famílias. Quando vinham me visitar, os sobrinhos dormiam comigo. Começou como uma brincadeira de meninos. Nunca se tratou de um estupro; nunca foi feito uso de violência física. Ele nunca me viu nu e nunca ocorreu penetração."
Vangheluwe disse que o mesmo se aplicava ao menino que sofreu abuso por um período mais curto e que o abuso se restringiu a tocar os genitais.
Políticos, incluindo o primeiro-ministro belga, se juntaram aos líderes da Igreja e a aqueles que fazem campanha em prol das vítimas no ataque aos comentários.
"Eu considero terrível o que ele disse", disse Yves Leterme, o primeiro-ministro belga. "Vai além do que é aceitável."
O sentimento foi repetido por Karine Lalieux, uma deputada belga que lidera uma comissão parlamentar sobre abuso sexual.
"Eu digo que é doentio, enojante", ele disse. "O sr. Vangheluwe não entendeu que cometeu crimes; ele está minimizando e relativizando seus crimes. Eu penso nas vítimas e no sofrimento delas."
Os advogados que representam as vítimas ficaram chocados.
"Eu considero impressionante como este homem não sente nenhuma culpa, não demonstra nenhuma culpa", disse Christine Mussche, uma advogada de dezenas de pessoas que alegam ter sofrido abuso por um membro do clero. "Ele está dizendo que as vítimas também gostaram e não há nenhum sentimento de arrependimento."
Walter Van Steenbrugge, outro advogado que representa as vítimas, disse que nenhum sobrinho quis comentar.
Em uma declaração forte na sexta-feira, a Conferência dos Bispos da Bélgica disse que ficou "extremamente chocada com a forma como o bispo Vangheluwe minimizou e justificou suas ações e as consequências para as vítimas, seus familiares, fiéis e toda a sociedade".
Ela chamou as ações dele de "inaceitáveis" e disse que a entrevista "não correspondia" ao período de reflexão que o Vaticano pediu a ele.
"O tom da entrevista", disse a declaração, "contradiz completamente os esforços realizados nos últimos meses pra lidar de modo sério com o problema do abuso sexual, para ouvir as vítimas e tomar as medidas apropriadas".
Mas observadores notaram o dano causado aos esforços da Igreja para reparar sua imagem. Caroline Sägesser, uma cientista social da Université Libre de Bruxelles, disse que apesar dos eventos do ano passado, a Igreja "não parece ter entendido que a opinião pública está se tornando extremamente hostil contra ela".
Mas Vangheluwe, ela notou, agora está fora do controle dos bispos belgas –que insistiam em seu silêncio– e sob jurisdição do Vaticano, que está decidindo se o afasta do sacerdócio.
"Se há uma ocasião que exige resposta imediata e severa do papa, a entrevista de Vangheluwe na noite passada é ela" disse BishopAccountability.org, uma organização que monitora dados e documentos relacionados à crise de abusos católica. "Nós temos aqui um molestador de crianças confesso, até recentemente uma das autoridades mais poderosas na Igreja Católica belga, culpando despudoradamente suas vítimas jovens por seus crimes torpes."
O grupo notou que, em junho, Bento XVI foi rápido em criticar como "deplorável" uma batida da polícia belga contra uma propriedade da Igreja e disse que seu fracasso em condenar Vangheluwe é "desconcertante e moralmente injustificável".
"Seu fracasso em retirar-lhe a batina –um passo óbvio e mínimo– sugere que clérigos corruptos continuam recebendo tratamento preferencial de Roma", disse o grupo.
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Bispo em caso de abuso sexual causa novo ultraje na Bélgica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU