10 Outubro 2023
O artigo é do teólogo espanhol Jesús Martínez Gordo, presbítero da Diocese de Bilbao e professor da Faculdade de Teologia de Victoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, publicado por Religión Digital, 08-10-2023.
Algo importante deve estar acontecendo na Igreja Católica quando num jornal como Le Monde se pode estampar, nada menos que no topo da primeira página de 3 de outubro, a seguinte manchete: "Sínodo: o futuro da Igreja Católica em debate". Explicando, informa que, no dia seguinte, seria aberto o referido Sínodo em Roma para discutir, durante um mês, as mudanças que a Igreja necessita para estar em maior harmonia com a sociedade. Ele ressalta ainda que esta é a última oportunidade que o Papa Francisco, 86 anos, tem de deixar sua marca – por muito tempo – na instituição.
Numa outra coluna assinala que, pela primeira vez na história do catolicismo, os leigos, homens e mulheres, têm o direito de votar com os bispos. Na penúltima das colunas ele avança alguns dos temas que serão discutidos e que o jornal aborda em suas páginas internas, com a ajuda da socióloga da religião, Danièle Hervieu-Léger: o lugar da mulher na Igreja, o poder de hierarquia, moralidade sexual, etc. Por fim, destaca que Francisco, tendo nomeado 21 novos cardeais no último sábado, 30 de setembro, está tentando reformar a Igreja em outra instituição capital: o colégio dos cardeais.
Foto: Religión Digital.
Um grande amigo, conhecedor como poucos do mundo francês, me enviou um e-mail com esta pergunta: o senhor imagina uma capa como essa na Espanha? Minha resposta foi negativa. E é porque, recentemente, analisando boa parte da imprensa deste país, tive a impressão de ser testemunha do surgimento de uma síndrome semelhante à sofrida em Israel: nos seus meios de comunicação só há espaço para o drama da guerra que travam com a intenção de apagar o povo palestino do mapa. O que acontece no restante do mundo parece não existir. Ou se existe, não é interessante; eles acham isso irrelevante.
Da mesma forma, na informação do nosso país, parece não haver lugar senão para tudo o que se refira à polarização partidária, ao escândalo (e mais ainda, se for de natureza religiosa) ou à tensão doméstica que, alojou-se em quase todas as áreas, estamos sofrendo há alguns anos. Portanto, não me surpreende que não exista uma primeira capa como a do Le Monde e que o Sínodo Mundial, por mais global que seja, não tenha interesse ou pareça irrelevante.
Não ignoro, como me diz outro bom amigo, que eu poderia classificar, auxiliado pelo Sr. Löwy, como um “cristão da libertação” ou, se preferir, um progressista, que o que será discutido no referido Sínodo são questões que muitos consideram os seus concidadãos “totalmente estranhos, e porque não dizê-lo, absolutamente indiferentes” à sua “fé” , seja ela católica, cristã, islâmica, judaica, ateia, agnóstica ou antiteísta ou de outra espécie. Há muitos para quem – questões como a “infalibilidade” (leia-se soberania, gostaria de salientar), seja a do Papa ou a de toda a Igreja – parecem tão distantes da sua fé e dos seus pensamentos “como a cartomancia”.
Charge de Agustín de la Torre. | Religión Digital
Por fim, diz-me, não quero deixar de sublinhar “a enorme distância que existe entre as Igrejas Católicas alemã e espanhola. Acredito que a singularidade reacionária da Igreja espanhola vem de longe. Basta lembrar o caso de Dom Carranza”. E, antes de me dar um abraço amigável de encerramento, salienta, um pouco nervoso: “felizmente há uma Igreja (outra igreja) também em terra ibérica (que ainda existe e resiste mais) à qual 'os fios e as sedas e os ouro, e o sangue dos touros, e a fumaça dos altares' não dá a mínima (e perdoe a vulgaridade coloquial).
Mas também não ignoro que existem outros tipos de católicos e de cidadãos que, liderados por pessoas e grupos, tipificáveis, do ponto de vista teológico e eclesial, como tradicionalistas, e, do ponto de vista sociológico, como conservadores ou neoliberais, estão tentando denegrir Francisco, acusando-o de tudo ou quase tudo: comunista, vermelho, simplório verde, irresponsável, e tudo que o leitor possa imaginar. Dos primeiros, teologicamente tradicionalistas e cada dia mais tensos, soubemos esta semana da troca de cartas que cinco cardeais tiveram com o Papa Francisco, bem como da publicação de um panfleto que os cardeais deram a conhecer com a intenção de torpedear o Sínodo Mundial. Nele chegam a acusar o Papa de ser, no mínimo, irresponsável e, se me apresso, até de ser um “herege”. É assim que a tensão é servida e apresentada na Igreja.
Não creio que seja errado distanciarmo-nos, mesmo que seja só um pouquinho de alguns dos nossos “demônios domésticos”, para dar um pouco mais de cobertura mediática à sensibilidade dos meus dois bons amigos e àquilo que é representado por aqueles cinco cardeais (ambos presentes na sala sinodal), bem como o diálogo que foi aberto entre eles no dia 4 de outubro em Roma. Refiro-me a uma questão que, devidamente apresentada, pode interessar a alguns milhões de cidadãos espanhóis e a cerca de 1,4 bilhão de católicos no mundo. Tudo isso não merece alguma cobertura?
Papa Francisco na abertura do Sínodo. Foto: Religión Digital