"O sujeito e as Teologias da Prosperidade e da Libertação. O legado de Franz Hinkelammert" é o tema do debate de hoje no IHU

Em evento nesta quinta-feira, 31-08, o professor Jung Mo Sung, da Umesp, busca nos escritos de Franz Hinkelammert subsídios para compreender das diferenças cruciais ente Teologia da Prosperidade e Teologia da Libertação

Imagem: Zona Curva Mídia Livre

Por: João Vitor Santos | 31 Agosto 2023

Faça o bem e você receberá em dobro. Quem nunca ouviu este conselho? A singela recomendação, embora bonita e bem-intencionada, traz consigo uma trampa. Nela reside uma espécie de toma lá, dá cá em que qualquer ato de bondade será retribuído. Mas, na vida, sabemos que as coisas não funcionam assim e o próprio Cristo fala de Graça e de gratuidade. Práticas de caridade, bondade e ações de amparo não são moedas a serem depositadas num banco para saques futuros. Pelo contrário, devem ser elementos gratuitos que sustentam uma ética de vida entre os sujeitos e ofertados como Graça.

Não à toa esta mercantilização da , do ser cristão, acaba levando a perspectiva teológica de que a prosperidade é fruto de recompensa. Nesta lógica, quem pode dar mais sempre terá mais. Adriana Carneiro Marinho, mestranda em história econômica na Universidade de São Paulo – USP, lembra que a fé vista desta forma está a um passo de arroubos extremistas, como os que temos vivido. “Cabe recordar que enfrentamos hoje um fascismo intimamente ligado à perspectiva cristã da teologia da prosperidade, professada por grande parte da população e defendida institucionalmente pelas igrejas neopentecostais”, destaca, em artigo publicado pelo IHU.

 

 

Por sinal, é neste mesmo artigo que Adriana chama atenção para o pensamento de Franz Hinkelammert. Para ela, o pensador pode ser uma resposta à teologia da prosperidade. “Nesse sentido, mostra-se profícuo recuperar os escritos e a história dos agentes da Teologia da Libertação, cujo conteúdo não é apenas reformista, mas revolucionário. A obra de Franz Hinkelammert é um excelente objeto para esse exercício”, recomenda.

Assim, mergulhar no legado deste teólogo e economista é compreender mais do que uma vertente teológica, é apreender como o pensamento teológico em conexão com a economia, ou o pensamento econômico, pode constituir uma libertação dos sujeitos.

Para compreender mais sobre o pensamento de Hinkelammert, o IHU promove nesta quinta-feira, 31-08-2023, a partir das 17h30, via videoconferência transmitida pelo seu canal no YouTube, a palestra “O sujeito e as Teologias da Prosperidade e da Libertação. O legado intelectual de Franz Hinkelammert”, com Prof. Dr. Jung Mo Sung, da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP.

 

Quem foi Franz Hinkelammert?

Adriana Carneiro Marinho considera Franz Hinkelammert um pensador sempre atual. Para ela, a produção intelectual dele “é pouco conhecida e discutida nos círculos acadêmicos e nos espaços de debates das esquerdas brasileiras”.

Hinkelammert nasceu em 12-01-1931 em Emsdetten, uma cidade da Alemanha do distrito de Steinfurt, região administrativa de Münster, estado da Renânia do Norte-Vestfália. Faleceu em 16-07-2023 em São José, capital da Costa Rica. Teólogo, filósofo e economista, Hinkelammert foi apontado por Enrique Dussel como o maior teórico da Teologia da Libertação. O autor demonstrou interesse especial pelos temas da ideologia da economia, do subdesenvolvimento na América Latina, do fetichismo da mercadoria, entre outros.

Franz Hinkelammert viveu a sua infância sob o regime nazista, em Herford, uma pequena cidade na Alemanha. Ele contava que era muito jovem na época, mas que se lembrava de que costumava ir com outras crianças à estação de trens da cidade para ver as locomotivas. Nessas ocasiões, via passar os trens que carregavam os prisioneiros do III Reich. Nas locomotivas havia uma espécie de cartaz com uma inscrição que dizia: “Temos assegurada a vitória final. Temos o melhor material humano”. Essa mensagem ficou marcada em sua memória, vindo à tona sempre que ouvia falar em “capital humano” ou outros termos correlatos.

 

Franz Hinkelammert. (Foto: Reprodução | IELA)

 

Adriana Carneiro Marinho observa que a trajetória intelectual de Franz Hinkelammert começou no período do pós-guerra, a partir de 1946, quando passou a ter contato com revistas, livros, periódicos e filmes sobre a guerra e o Holocausto. “Um amigo mais velho, que trabalhava como enfermeiro na guerra, guardara muitos desses materiais e, naquele momento, emprestava a Hinkelammert – toda semana, levava em sua casa cinco ou seis livros, e assim ele dedicava muito tempo a essas leituras, até mais do que à escola regular”, recorda.

Depois de uma experiência com os jesuítas, Hinkelammert ingressou na universidade para estudar economia. Acabou cursando várias disciplinas nas áreas de direito público, filosofia e teologia. Fez pós-graduação no Instituto da Europa Oriental da Universidade Livre de Berlim, onde estudou a União Soviética e o campo socialista e obteve o título de doutor. Em sua formação universitária, Hinkelammert se aprofundou nas obras clássicas do marxismo e nas economias soviéticas da Europa Oriental. Nesse período, buscou analisar o que interpretava como uma dimensão teológica implícita na ideia de planificação socialista.

 

Após concluir o doutorado, foi contratado por um de seus professores para trabalhar como assistente e pesquisador. A partir de então, estudou temas como o fetichismo da mercadoria e as taxas de crescimento na economia socialista, a relação entre ideologia e economia no pensamento soviético, entre outros. As reflexões desenvolvidas nesse momento foram incorporadas posteriormente em sua obra Critica de la razón utópica, de 1984.

Como recupera Adriana, “o interesse de Franz Hinkelammert pela América Latina remonta à sua juventude, quando leu sobre Simón Bolívar. Após terminar seus estudos na Universidade Livre de Berlim, o autor começou a buscar possíveis trabalhos em algum dos países latino-americanos. Em 1963, foi convidado para ser representante da Fundação Konrad Adenauer – vinculada à democracia cristã – na Universidade Católica do Chile, iniciando assim sua trajetória nesse país, que se encerraria em 1973 com o golpe militar de Augusto Pinochet”.

Foi no Chile que Hinkelammert entrou em contato com a Teologia da Libertação e a teoria da dependência. No país, ainda lecionou na Universidade Católica do Chile e no Instituto Latino-americano de Doutrina e Estudos Sociais – ILADES, além de ter sido membro do Centro de Estudos da Realidade Econômica Nacional – CEREN, grupo vinculado à Universidade Católica.

Sobre sua atuação política, Franz Hinkelammert participou dos debates no interior do Partido Democrata Cristão do Chile – PDC que acarretaram a criação do Movimento de Ação Popular Unitária. Junto ao MAPU, integrou a Unidade Popular, coalizão de esquerda criada para disputar as eleições de 1970, que levou Salvador Allende à presidência da República do Chile. “Dessa forma, o economista entrou em embates com a doutrina social da Igreja e especialmente com o anticomunismo de alguns dos principais ideólogos da democracia cristã, como o sacerdote jesuíta Roger Vekemans”, observa Adriana.

 

 Confira as obras de Franz Hinkelammert

Leia mais sobre Franz Hinkelammert

Saiba mais sobre Jung Mo Sung

Na conferência de 31-08-2023, quem nos apresentará e aprofundará as reflexões a partir da obra de Franz Hinkelammert é o professor Jung Mo Sung. Graduado em Filosofia e em Teologia, ele é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e pós-doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba.

 

Professor Sung (Foto: nome do fotógrafo)

Atua como titular da Universidade Metodista de São Paulo, no PPG em Ciências da Religião. Entre 2011 a 2014, ocupou também o cargo de diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da mesma instituição. É membro do Comitê Científico do GT "Class, Religion and Theology" da American Academy of Religion. Tem experiência na área de Ciências da Religião e Teologia, com ênfase em Religião e Educação para a Solidariedade e na Crítica Teológica à Economia Política.

Mais recentemente, tem pesquisado os seguintes temas: religião e educação; teologia e economia; capitalismo como religião; igreja e sociedade; neoliberalismo, globalização e solidariedade. É professor visitante da Yonsei University/Global Institute of Theology, na Coreia do Sul.

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