14 Junho 2023
"Neste texto, Cosimo Scordato examina algumas passagens de um dos frutos do "Caminho Sinodal Alemão". Reflexão útil para apreender o sentido dos "repensamentos sinodais" que oferecem à Igreja católica a preciosa oportunidade de rever as categorias teológicas de compreensão da criação e da redenção. Agradeço a Cosimo por este texto, que tenho o prazer de publicar", escreve Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, ao publicar o artigo de Cosimo Scordato, téologo de Palermo, Itália, no blog Come Se Non, 13-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Recentemente, deparamo-nos com algumas passagens do texto da Comissão do Sínodo Alemão, apresentado há alguns meses ao Papa, que representa uma virada no percurso do magistério, ainda que em andamento. Apresentamos um primeiro destaque.
“Todo homem é criado por Deus em seu gênero e nesta sua condição criatural tem um valor intocável; a cada pessoa humana pertence a sua orientação sexual, de forma indissolúvel, não foi escolhida e é invariável. Como imagem de Deus devemos atenção e respeito a cada homem independente da orientação sexual; todos os crentes são obrigados a agir contra qualquer discriminação justificada pela orientação sexual. Como a orientação sexual pertence ao homem, pois foi criada pelo próprio Deus, deve ser tratada eticamente da mesma forma que a orientação heterossexual. Todo homem é chamado a integrar sua sexualidade no desenvolvimento de sua vida. A sexualidade genital responsável na relação com a outra pessoa deve ser orientada para a atenção ao valor e à autorrealização, ao amor e à confiança, à responsabilidade recíproca, bem como à dimensão específica da generatividade. Ela se realiza nas relações construídas na exclusividade e na duração”. (Lehramtiliche Neubewertung von Homosesualitaet, Handlungtext; Novas avaliações doutrinárias sobre a homossexualidade).
Uma passagem significativa de um ponto de vista primorosamente teológico é o que afirmam os bispos quando nos propõem a condição homossexual como parte da criação de Deus. Não que se deva subestimar o percurso cultural, que forma o pano de fundo das novas aquisições; mas dessa forma os bispos se expressam iuxta propria principia, ou seja, haurindo e repropondo uma abordagem nova da fonte bíblica.
O homossexual (e ainda outros) é criatura de Deus e como tal deve ser reconhecido não como um "fora da linha" da criação, mas como parte dela e integrado no projeto de Deus. O fato de começar a olhá-lo no horizonte de toda a criação, entra em circuito com o fato de reconhecê-lo à imagem e semelhança de Deus; como tal, a experiência de amor a que é chamado faz parte daquela revelação que proclama Deus como fonte e meta do caminho de todas as criaturas e que relê a busca de amor homossexual como manifestação do próprio amor de Deus.
A afirmação de que cada homem é criado por Deus "no seu gênero" parece-nos particularmente relevante porque parece querer ressaltar que cada criatura humana tem um seu gênero, que irá descobrir gradualmente no processo do seu crescimento e do qual não deve envergonhar-se porque representa um ato criativo de Deus.
Como se pode observar, o ponto de observação muda radicalmente e começa a ser reescrita uma teologia da criação, que aponta para o casal, nas diversas modalidades com que tentará se identificar, como experiência do dom de amor, que une os parceiros na experiência da graça que brota do ato criador e perenemente criativo de Deus. O que qualifica a condição humana (seja ela hétero, homo, ou ainda outra) é o chamado ao amor, que tem suas características qualificadoras e deve ser realizado na igual dignidade de um projeto de vida e uma troca contínua da própria existência.
O texto continua explicando mais ainda a validade dos atos postos em prática pelos homossexuais. “A sexualidade do mesmo gênero, também realizada nos atos sexuais, não deve, portanto, ser considerada como um pecado que separa de Deus e não deve ser considerada em si mesma como algo ruim; em vez disso, deve ser considerada na realização dos valores acima indicados.” Uma passagem importante que leva ao convite consequente feito pelos próprios bispos para repensar, entre outros, alguns números (n. 2357-2359) do Catecismo da Igreja Católica, que até agora consideraram todo ato sexual em uma relação homossexual como pecaminoso.
Nessa nova orientação, a Igreja alemã encontra-se também ao lado de algumas outras Igrejas (a flamenga, por exemplo). O fato de os bispos terem se dirigido para o papa, de quem esperam uma tomada de posição renovada sobre essas temáticas, sugere que o magistério desses bispos aguarda uma avaliação do papa, que poderia até não vir ou se manifestar de forma diferente. Gostaríamos de ressaltar, no entanto, que essa nova orientação amadureceu dentro daqueles trabalhos sinodais, que justamente o Papa solicitou e dos quais se espera algo novo. O texto é fruto de um longo e laborioso debate que envolveu bispos e notáveis representações do laicato e apresenta uma relevância magistral, que se vale da sinodalidade da Igreja alemã e, embora aguarde uma resposta do papa, ou seja, de quem preside à comunhão das Igrejas, responde à exigência de um repensamento radical de teorias e práticas em relação às quais já existe um desconforto considerável.
Como podemos perceber, todo sínodo tem seus “riscos”; serão bem-vindos?
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Homossexualidade. Artigo de Cosimo Scordato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU