28 Março 2023
Quando os bispos dos Estados Unidos elegeram um prelado de centro-direita e protegido de um influente cardeal italiano conservador como o presidente de sua conferência episcopal em novembro passado, o momento foi visto como um voto de protesto contra o Papa Francisco.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 24-03-2023.
“Os bispos elegem o arcebispo anti-Francisco como presidente”, foi a manchete do National Catholic Reporter em um editorial criticando a escolha de dom Timothy Broglio, enquanto Patheos perguntou: “Os bispos acabaram de enfiar o dedo indicador coletivo no olho do papa?”
A cobertura na época também destacou o histórico de Broglio como ex-assessor do cardeal Angelo Sodano, antigo secretário de Estado do Vaticano no governo do papa João Paulo II.
No entanto, depois que os bispos europeus fizeram mais ou menos a mesma coisa ontem – ou seja, eleger uma figura moderada a conservadora que subiu na hierarquia sob a influência de um conhecido cardeal italiano conservador – não houve tal reviravolta.
Isso apesar do fato de que o contraste entre o presidente cessante da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE), cardeal dom Jean-Claude Hollerich, de Luxemburgo, e o novo líder é especialmente dramático.
Ao escolher o bispo italiano Mariano Crociata da pequena diocese de Latina-Terracina-Sezze-Privern, os bispos europeus, intencionalmente ou não, optaram por uma mudança de curso aparentemente significativa após cinco anos de Hollerich, jesuíta e um importante aliado do Papa Francisco.
Crociata, de 70 anos, natural da Sicília, foi nomeado bispo pelo falecido Papa Bento XVI em 2007. Um ano depois, Bento XVI nomeou Crociata secretário-geral da poderosa Conferência Episcopal Italiana (CEI). Nessa função, ele era conhecido como um tenente leal do poderoso cardeal Angelo Bagnasco, de Gênova, presidente da CEI e uma figura geralmente vista como do lado conservador da maioria dos debates católicos.
Notoriamente, foi Crociata quem assinou um e-mail da CEI em março de 2013 parabenizando erroneamente o cardeal Angelo Scola, de Milão, por sua eleição ao papado: “O secretário-geral expressa os sentimentos de toda a Igreja italiana ao receber a notícia da eleição do cardeal Angelo Scola como sucessor de Pedro”, dizia.
Embora uma versão corrigida tenha sido enviada momentos depois, a gafe foi amplamente percebida como refletindo uma expectativa nos círculos em que Crociata se movia de que o mais conservador Scola seria escolhido em vez de um dissidente latino-americano.
Quando o mandato de Crociata como secretário-geral terminou em setembro de 2013, havia rumores de que ele se tornaria arcebispo do Ordinariato Militar. No final, Francisco o convocou para a Diocese de Latina, cidade de médio porte com cerca de 125.000 habitantes, cerca de duas horas de carro ao sul de Roma.
Observadores italianos interpretaram a mudança como uma forma de se livrar de Crociata para que Francisco pudesse impor sua própria liderança no CEI. Brincando com a consagrada expressão latina promoveatur ut amoveatur, “promover para remover”, alguns analistas opinaram que a transferência para pequena diocese foi um caso de amoveatur sem promoveratur.
Na década desde então, Crociata na maior parte manteve um perfil baixo. Nada realmente mudou sua reputação básica, mas ele também nunca se associou à resistência aberta ao papado de Francisco. Ele até se envolveu em alguns floreios de Francisco, como eliminar uma exigência na sua diocese de que os padrinhos de batismos e confirmações devem ter um “certificado de dignidade” e abrir esses papéis para católicos divorciados.
Em 2015, Crociata foi discretamente eleito presidente de uma comissão da CEI para a educação católica. Em 2017, foi nomeado delegado italiano da COMECE e, um ano depois, tornou-se um dos vice-presidentes do grupo.
O contraste com o famoso Hollerich é nítido, já que Hollerich é membro do Conselho de Cardeais conselheiros do papa, que também foi escolhido por Francisco para supervisionar seu importantíssimo Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade.
Como explicar o resultado?
Parte disso pode ser simplesmente porque, apesar de seu sobrenome (crociata em italiano significa “cruzada”), o novo líder da COMECE não é visto como uma personalidade especialmente forte que cria divisões, mas uma figura relativamente quieta, improvável de gerar drama.
Além disso, alguns observadores detectam uma declaração na escolha de Crociata, talvez silenciosamente encorajada por influentes prelados europeus conservadores, como os cardeais Péter Erdő da Hungria, Wim Eijk da Holanda e Gerhard Müller da Alemanha.
De acordo com essa leitura, a eleição de Crociata serviria a um duplo propósito – primeiro, assumir uma posição mais firme agora contra uma UE que se move em uma direção cada vez mais secular em questões como gênero e direitos dos homossexuais e, segundo, ajudar a posicionar a União Europeia posições mais conservadoras em relação ao próximo conclave.
De qualquer forma, a reação relativamente blasé da mídia à eleição de Crociata, em contraste com a de Broglio nos Estados Unidos cinco meses atrás, também é uma lição sobre o poder da narrativa.
Entre especialistas e repórteres, os bispos americanos normalmente são vistos como um bastião de resistência à agenda de reforma progressista do Papa Francisco, então praticamente qualquer coisa que eles fizerem será considerado um grande ato de desafio. Os europeus, em contraste, geralmente são vistos como aliados do papa – ou, no mínimo, até mais liberais do que ele, como refletido nos resultados do recente “caminho sinodal” alemão.
Não é natural, portanto, para muitos observadores concluir que os europeus podem apenas ter seguido o caminho americano – na medida em que Broglio ou Crociata representam genuinamente um desafio ao papado de Francisco, em oposição a simplesmente sendo expressões da unidade na diversidade que sempre fez parte da história católica.
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Os bispos da Europa seguiram o caminho americano na escolha de um líder? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU