12 Fevereiro 2023
Adeus ao "Pai Nosso", oração fundadora do cristianismo? Os tabloides britânicos estão à beira de uma crise nervosa diante de tal eventualidade.
A reportagem é de Antonello Guerrera, publicada por La Repubblica, 08-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Daily Mail estampa na primeira página hoje: "Querem tornar até Deus de gênero neutro!". A referência não é ao Papa Luciani e seu Deus que é mais mãe do que pai, mas a uma indiscrição que vazou dois dias atrás: alguns bispos da Igreja da Inglaterra estariam preparando uma reforma para evitar sempre que possível qualquer referência masculina ou paterna à figura de Deus, tornando-o neutro como gênero e, portanto, “modernizando-a”.
Abram-se os céus, no verdadeiro sentido da palavra. Os jornais mais conservadores e tradicionalistas falam de mais uma concessão à "ditadura woke", ou seja, aquela "enorme sensibilidade contraproducente", segundo seus críticos, em relação às minorias, inclusive de gênero. Na realidade, no momento, trata-se apenas de uma proposta de alguns bispos anglicanos, que deverá ser examinada pelo próximo sínodo da Igreja da Inglaterra e que será objeto de uma comissão específica na próxima primavera europeia. A proposta vai passar? Não se sabe, mas obviamente já está gerando muita discussão.
Segundo os promotores da reforma, Deus deveria ser cada vez mais inclusivo, despojado da caracterização masculina e paterna e, portanto, de gênero neutro. Portanto, nos planos dos bispos progressistas, um fim da fórmula da principal oração "Our Father", ou seja, "Pai Nosso", no lugar de referências cada vez mais frequentes à palavra "Deus". E chega de pronomes masculinos, substituídos por aqueles neutros como “they” no inglês.
De acordo com Michael Ipgrave, bispo de Lichfield e vice-presidente da comissão litúrgica montada para a questão, "a Igreja vem investigando há anos a linguagem de gênero a ser usada quando se invoca a Deus". Ian Paul, um membro conservador do Conselho dos Arcebispos da Igreja da Inglaterra, discorda. Ele disse ao Telegraph que "Deus sempre foi chamado de 'Pai' e isso não pode ser substituído por um conceito como 'mãe' sem mudar seu significado". Em suma, segundo Paul, reduzir o “pai da humanidade” – segundo os fiéis – a um genitor sem gênero pré-definido, seria um retumbante abandono da doutrina.
O arcebispo chefe da Igreja da Inglaterra, Justin Welby, ainda não se manifestou sobre a questão. Mas, em 2018, assim falou durante um discurso público, colocando-se ao lado dos reformistas: “Toda linguagem humana sobre Deus não é adequada. Deus não é um pai como pode ser um ser humano. Deus não é homem nem mulher. Não pode ser definido." Uma posição agora também confirmada por um porta-voz da Igreja da Inglaterra.
Alguns dias atrás, a Igreja da Inglaterra havia se envolvido em outra questão de direitos, ou seja, a decisão de não oficiar casamentos homossexuais na igreja, concedendo apenas a bênção para as uniões civis de mesmo sexo e, de qualquer forma, a critério de cada religioso. Um compromisso "histórico" nas novas orientações pastorais, mas que não satisfez a comunidade e as associações homossexuais e Lgbtq+ inglesas: para elas se trata de "migalhas deixadas aos casais do mesmo sexo" e de "mais uma discriminação das autoridades religiosas que nos consideram de segunda classe”.
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“Pai Nosso é machista”. Os bispos ingleses propõem reescrever a oração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU