12 Janeiro 2023
Após silêncios, inatividades e omissões, o Vaticano abre uma investigação sobre o desaparecimento de Emanuela Orlandi, 15 anos, filha de um escrivão da prefeitura da casa pontifícia, desaparecida em 22 de junho de 1983 depois de frequentar uma aula de flauta transversa no complexo da basílica de Sant'Apollinare, em Roma.
A reportagem é de Gianluigi Nuzzi, publicada por La Stampa, 10-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vários cardeais, ex-magistrados e funcionários do Vaticano serão ouvidos como testemunhas neste mistério que já dura quarenta anos. A medida é certamente clamorosa, visto que é a primeira vez que até mesmo a justiça desta pequena monarquia investiga sobre a provável morte de sua cidadã mais conhecida no mundo.
Para decifrar a escolha, é preciso voltar a setembro passado, quando Francisco interveio com firmeza no Palácio de Justiça do pequeno estado, aceitando a renúncia do então promotor de Justiça, equivalente ao nosso procurador-geral, Gian Piero Milano, e promovendo o vice, o advogado criminalista Alessandro Diddi. Não foi uma mera dança das cadeiras, mas uma mudança que expressava uma orientação.
Nas primeiras semanas Diddi - sob a orientação direta da autoridade investigadora - reorganizou os arquivos, encontrando vários estagnados em uma espécie de purgatório investigativo. Investigações que não decolavam nem eram arquivadas. Entre elas, as denúncias que os familiares, com a defensora Laura Sgrò, apresentam desde 2018, sem, contudo, serem ouvidas. Nesse ponto interveio Francisco, que foi claro e inequívoco sobre a jovem: “Façam tudo o que for possível para entender o que aconteceu com essa pobre garota. Se houver responsabilidades, que sejam apuradas”.
O impulso sofreu uma nova aceleração depois de alguns eventos em sequência: a morte de Bento XVI, as referências de D. Georg Gänswein, secretário particular do papa emérito, a história de Emanuela na mídia justamente no dia do funeral, a confirmação da existência de um dossiê específico sobre Orlandi que nos primeiros meses de 2012 estava na mesa do D. Gänswein, como me contava tê-lo visto com seus próprios olhos Paolo Gabriele, o mordomo emérito do Papa, e conforme relatado nestas colunas.
Neste ponto, é preciso entender como Diddi se moverá. Em primeiro lugar, irá aprofundar os pedidos dos familiares em suas denúncias, a começar pelo pedido de depoimento de algumas possíveis testemunhas. Entre os primeiros também poderia estar o monsenhor Gänswein, mencionado várias vezes nas denúncias de Sgrò e dos parentes Emanuela. Uma lista longa, mas necessariamente incompleta. De fato, vários desses sujeitos – indicados nas denúncias de 2018 e 2019 e aditamentos posteriores – morreram nesse meio tempo, como os cardeais Eduardo Martinez Somalo, Achille Silvestrini e o ex-secretário de Estado Angelo Sodano. Por outro lado, estão ainda vivos Tarcisio Bertone e Giovanni Battista Re. Este último, sobretudo quando a garota desaparece, era assessor para os assuntos gerais da secretaria de Estado, um papel importante no tabuleiro curial.
Outra pessoa que deveria ser ouvida é o controverso padre Pietro Vergari, na época reitor da basílica de Sant'Apollinare, já investigado pela promotoria de Roma pelo sequestro da jovem. Esse padre é uma figura chave para contextualizar a presença do túmulo do suposto caixa do bando criminoso da Magliana Renato De Pedis na cripta da igreja. De Pedis e Vergari eram tão amigos que foi ele quem pediu o enterro do homem, assassinado, ao então vigário de Roma, cardeal Ugo Poletti. E assim De Pedis foi enterrado entre músicos, devotos cardeais e homens piedosos.
Seria interessante perguntar a Vergari - por exemplo – para quem ligou num número do Vaticano em 19 de maio de 2012, em meio à investigação de Orlandi pela promotoria de Roma, chamando-o de "excelência". É um telefonema inquietante porque esse alto prelado avisou o investigado Vergari, bastante agitado e preocupado, que até tinha o telefone grampeado. Aqui está um trecho:
A investigação realmente dissolverá o mistério sobre o possível papel do Vaticano ou de pessoas da Igreja envolvidas nesse caso? Ainda é muito cedo para dizer. Será necessário entender se fragmentos de verdade poderão aparecer e quais serão: "Em todos esses anos de investigações - contava-me o então titular da investigação italiana, na época o procurador adjunto de Roma, Giancarlo Capaldo - já sofri seis, sete tentativas de despistagem”.
Um circo de despistadores, encrenqueiros, ex-agentes de serviços desviantes, oportunistas e baixo escalão criminoso para criar uma cortina de fumaça intransponível entre nós e a verdade. Bem, esperemos que não tenhamos que assistir a outras manipulações.
Entender quem sequestrou a garota, se ela foi abusada na basílica, quem a matou. E depois, o papel do bando da Magliana e as relações com o IOR e, sobretudo, se a adolescente acabou numa orgia com prelados e inomináveis ou se o sequestro devia servir como instrumento de chantagem aos cofres da Basílica de São Pedro. Mas, acima de tudo, a esperança é que a mãe Maria, suas irmãs, o irmão Pietro, possam prantear e rezar por ela depois de um enterro digno.
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Emanuela Orlandi: a virada do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU