12 Julho 2019
O mês de julho em Roma tende a ser lento, e, dada a onda de calor que tomou conta da Europa nas últimas semanas, esse tem sido um período especialmente lânguido. Nesta quinta-feira, no entanto, os romanos se animarão em toda a cidade, porque esse é o dia em que dois túmulos vaticanos serão abertos em busca dos restos mortais de Emanuela Orlandi.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 11-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Orlandi era a filha de 15 anos de um funcionário da Prefeitura da Casa Pontifícia, cujo papel era entregar mensagens no Palácio Apostólico, quando ela desapareceu em 1983. Hoje, ela se tornou mais ou menos o Jimmy Hoffa da Itália.
Assim como o destino do líder trabalhista cativou gerações de norte-americanos desde que ele desapareceu em 1975 – tendo sido supostamente visto em todos os lugares, com supostos locais de enterro fantásticos (incluindo o Giants Stadium) e teorias da conspiração de todos os tipos – o que aconteceu com Orlandi é o giallo (ou suspense) favorito de Roma.
Legiões de romanos, que provavelmente não conseguiriam nomear uma única personalidade vaticana hoje além do próprio Papa Francisco, conseguem, mesmo assim, dizer detalhes da lenda que cerca o desaparecimento de Orlandi, como se tivesse acontecido ontem. Uma rápida pesquisa no Google em língua italiana por “Emanuela Orlandi” devolve 2,41 milhões de resultados.
Nos últimos 35 anos, praticamente todas as possibilidades surgiram – que Orlandi foi sequestrada por terroristas em busca da libertação do quase-assassino papal Mehmet Ali Ağca; que ela foi levada pela máfia italiana para exercer influência no banco vaticano; que ela foi levada para um clube sexual de menores dentro do Vaticano; que, na verdade, ela fugiu e estaria morando na França, nos Estados Unidos, na Suécia ou em qualquer outro lugar imaginável.
Obedecendo a trajetória de todos os bons gialli, novas reviravoltas surgem periodicamente para dar sustentação ao interesse.
Em 2001, o pároco da Igreja do Papa Gregório VII, perto do Vaticano, anunciou que uma pequena caveira havia sido deixada em um confessionário, alimentando a crença de que poderia ser a de Orlandi (não era); em 2012, quando o Pregador da Casa Pontifícia, o padre capuchinho Rainero Cantalamessa, disse às pessoas na Basílica de São Pedro, na Sexta-Feira Santa, “não levem o segredo de vocês para o túmulo junto com vocês!”, a imprensa italiana entrou em erupção com especulações sobre se ele estava falando sobre Orlandi (o Vaticano disse que não).
Apesar da retórica pública na época e agora – o Papa João Paulo II, por exemplo, fez oito apelos diferentes à sua liberdade na época – muitos italianos, incluindo membros da família Orlandi, sempre suspeitaram que alguém no Vaticano sabe muito mais do que eles.
As coisas tomaram outro rumo um ano atrás, quando Laura Sgrò, a advogada que representa a família Orlandi, recebeu uma carta anônima com uma foto de um túmulo no Campo Teutonico, um cemitério alemão dentro do Vaticano, com uma nota dizendo: “Veja para onde o anjo aponta”. A referência aparentemente era para uma estátua de um anjo no cemitério, retratado com um pergaminho que diz “Requiescat in pace”.
Reportagens da mídia italiana afirmam que há anos uma pessoa ou várias pessoas desconhecidas estão deixando flores novas naquele túmulo, na crença de que Orlandi está enterrada lá.
No dia 27 de junho, o promotor de Justiça do Vaticano, mais ou menos o equivalente a um promotor público, ordenou que dois túmulos localizados perto da estátua fossem abertos em um esforço para determinar se os restos mortais de Orlandi estavam lá de fato (na jurisprudência italiana, diferentemente dos Estados Unidos, um promotor pode ordenar escutas telefônicas e a apreensão de provas; nos Estados Unidos, seria necessária uma ordem judicial).
Nessa quinta-feira, os advogados dos Orlandi e do Vaticano estarão presentes quando os túmulos forem abertos para documentar os procedimentos, junto com técnicos vaticanos e o comandante dos Gendarmes vaticanos, o leigo italiano Domenico Gianni.
O Papa Francisco se encontrou com a família Orlandi e prometeu a cooperação do Vaticano nos esforços para chegar à verdade. Quando o promotor de Justiça anunciou que os túmulos na propriedade vaticana seriam abertos, tanto Sgrò quanto Pietro Orlandi, irmão de Emanuela, que geralmente atuava como porta-voz da família, expressaram gratidão ao cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, pelo que eles chamaram de ato “corajoso”.
O teste de DNA vai demorar um pouco, e ainda não se sabe se as aberturas dos túmulos vão lançar alguma nova luz. Em 2012, a cripta de um famoso mafioso foi aberta em uma basílica romana, na esperança de encontrar Orlandi, mas nada foi encontrado. No ano passado, a descoberta de ossos humanos na embaixada vaticana na Itália aumentou as esperanças, mas, no fim, os resultados mostraram que os restos mortais tinham pelo menos 100 anos de idade.
Talvez a escavação dessa quinta-feira resulte na descoberta dos restos de Orlandi, embora as probabilidades pareçam ser contrárias. Mesmo que aconteça, no entanto, seria simplesmente estender o giallo, uma vez que as perguntas, então, seriam como eles foram parar lá, quem no Vaticano pode ter se envolvido, quem mais sabia disso etc.
Essa é a essência, na verdade, de uma boa história de suspense e mistério. Qualquer final proposto é apenas o começo de um novo capítulo.
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Será que os exames do túmulo vaticano darão fim ao mistério predileto de Roma? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU