29 Novembro 2021
Enquanto a tempestade-pedofilia se enfurece na Igreja francesa, após o relatório no qual vieram à tona 330 mil abusados em 70 anos, o papa dá as boas-vindas a Emmanuel Macron nessa sexta-feira, 26. E o presidente “vai abordar o caso com o Santo Padre”, informam do Palácio do Eliseu.
Enquanto isso, Francisco recebeu uma carta de uma vítima (cuja nacionalidade não é informada, por sigilo). E ele quis difundir a carta aos padres e seminaristas, para “mostrar a via do serviço em benefício dos vulneráveis”, explicou o cardeal O’Malley.
O jornal La Stampa, 26-11-2021, publicou a carta. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu me chamo [...] e, durante anos, fui maltratada por um padre a quem eu devia chamar de “irmãozinho”, e eu era a sua “irmãzinha”. Vim aqui porque gostaria que a “verdade amável” vencesse. Também estou aqui em nome das outras vítimas... Das crianças que foram profundamente feridas, das quais roubaram a infância, a pureza e o respeito... Que foram traídas, e das quais se aproveitaram da confiança sem limites... Das crianças cujos corações batem, que respiram, que vivem... Mas que foram mortas uma vez (duas, três, mais vezes)... As suas almas foram feitas em pequenos pedaços ensanguentados.
Estou aqui porque a Igreja é minha Mãe e me dói muito quando ela está ferida, quando está suja. Os adultos que experimentaram essa hipocrisia quando crianças nunca poderão apagá-la das suas vidas. Poderiam se esquecer dela por um tempo, tentar perdoar, tentar viver uma vida plena, mas as cicatrizes permanecerão nas suas almas, não vão desaparecer.
Tento sobreviver, sentir alegria, mas, na realidade, é uma luta incrivelmente difícil... Tenho um transtorno dissociativo de identidade, um grave transtorno de estresse pós-traumático complexo (TEPT-C), depressão, ansiedade, medo das pessoas, não durmo e, se consigo adormecer, nesse caso sempre tenho pesadelos. Às vezes, tenho picos; quando estou “fora”, não percebo o “aqui” e o “agora”. Meu corpo se lembra de cada toque...
Tenho medo dos padres, de estar perto deles. Ultimamente, não consigo ir à Santa Missa. Isso me faz muito mal... A Igreja, aquele espaço sagrado era a minha segunda casa... E ele a tirou de mim. Tenho muita vontade de me sentir segura na igreja, de conseguir não ter medo, mas o meu corpo, as emoções reagem de forma completamente diferente...
Gostaria de lhes pedir que protejam a Igreja, corpo de Cristo! Aquele que está todo cheio de feridas e cicatrizes. Por favor, não permitam que essas feridas se tornem ainda mais profundas e que novas ocorram!
Sejam homens jovens e fortes. Chamados! Homens chamados por Deus para servir a Deus e, por meio dele, às pessoas... Deus os chamou a serem o seu instrumento entre os homens e mulheres. Vocês têm uma grande responsabilidade! Uma responsabilidade que não é um fardo, mas um dom! Por favor, tratem-no de acordo com o exemplo de Jesus... Com humildade e amor!
Por favor, não varram as coisas para debaixo do tapete, porque depois vão começar a feder, a apodrecer, e o próprio tapete vai se decompor... É preciso que nos demos conta de que, quando escondemos esses fatos, quando os calamos, escondemos a sujeira e, assim, nos tornamos seus cooperadores.
Se queremos viver a verdade, não podemos fechar os olhos!
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“Eu, menina abusada por um padre, peço-lhes que salvem a Igreja” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU