20 Dezembro 2022
De acordo com o professor Ricardo Abramovay, não há falta de alimentos, e sim a distribuição irregular desses recursos, o que demanda a recuperação de políticas alimentares.
A reportagem é publicada por Jornal da USP no Ar, uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados, e republicada por EcoDebate, 19-12-2022.
Mesmo com o aumento da produção agropecuária mundial, a fome persiste como um problema no Brasil e no mundo. O aumento da população mundial, que passou de 7 bilhões para 8 bilhões, acende o alerta para a necessidade de melhor distribuição de alimentos e de criação de políticas públicas efetivas. Também há um desbalanço entre a agropecuária e o meio ambiente, que deve ser levado em conta na produção alimentar.
O professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP), Ricardo Abramovay, explica a situação, ao expor que não há, efetivamente, falta de alimentos, e sim a distribuição irregular desses recursos. E isso se deve ao fato de que a produção agronômica não responde a uma lógica de mercado, já que há alimentos para suprir a todos, mas que, na prática, não funciona.
Mapa da fome
A fome se encontra em índices menores que há 70 anos, mas ainda afeta 1 bilhão de pessoas no mundo todo. Só no Brasil, são 33 milhões de pessoas famintas e 120 milhões que vivem em insegurança alimentar, dados que envolvem principalmente crianças. Fatores como a pandemia e a guerra na Ucrânia são citados como impulsionadores do problema: “É uma situação inaceitável, porque o Brasil tinha saído do mapa da fome, e não por que faltam alimentos. Em 2022, o País bateu recordes de exportação de alimentos”, destaca Abramovay.
Possíveis soluções
Alimentação não é um bem de consumo, está relacionada ao direito à vida. As saídas possíveis se concentram na recuperação de políticas alimentares, e “isso tem a ver com decisões políticas, econômicas e sociais”, explica Ricardo Abramovay. Para ele, o País possui bons profissionais qualificados em políticas públicas para a reestruturação delas.
Como ação concreta, será preciso reconstruir cadastros que demonstrem quem tem a necessidade de receber alimentos. A política empregada atualmente abrange domicílios, e não pessoas individualmente. Ademais, Abramovay destaca ser importante o resgate do vínculo entre a alimentação escolar, que vem sofrendo com cortes, e a agricultura familiar, para ocorrer o abastecimento das merendas e o fomento a pequenos produtores.
A alimentação contemporânea vai além da ingestão de carboidratos e proteínas e envolve alimentação saudável. Por isso, seria necessário, também, pensar em medidas que contornem os chamados “desertos alimentares”, locais em que a disponibilidade de alimentos frescos é pouca. Isso tem relação com a qualidade de vida, uma vez que, se não há disponibilidade desses recursos, ocorre o aumento da ingestão de ultraprocessados, que geralmente são mais baratos. “Sociedades democráticas não são sociedades onde se passa fome de algum jeito”, finaliza o professor.
Leia mais
- A fome em meio à abundância
- CEPAL: Mais de 56 milhões de latino-americanos sofrem de fome
- Desperdício e perda de alimentos. Revista IHU On-Line, Nº. 452
- A salvação começa à mesa, o mundo será o que comemos. Artigo de Carlo Petrini
- Como alimentar a todos. Artigo de Carlo Petrini
- Soberania alimentar, permite que os povos sejam livres: o desafio é aplicá-la corretamente. Artigo de Carlo Petrini
- A utopia alimenta-se de pão. Artigo de Carlo Petrini e Carolyn Steel
- Acesso à comida, desperdício de alimentos e danos ao clima
- Aproveitamento integral dos alimentos garante alimentação sem desperdício e mais nutritiva
- Desperdício alimentar e descartes, os desafios da ONU para 2030
- O Papa contra o desperdício: jogar comida fora é jogar pessoas fora!
- Desperdício de alimentos pode ser mais que o dobro do estimado
- “Temos uma abordagem linear e simplista da produção de alimentos”. Entrevista com Dan Saladino
- 3 em cada 10 famílias brasileiras passam fome no Brasil, diz estudo da Rede PENSSAN
- Fome, ponta do iceberg da desigualdade e da pobreza no mundo
- Guerra, mudança climática, inflação: múltiplas crises levaram a um boom da fome global
- A fome é chocante num mundo que produz comida para todos, afirmam luteranos
- 2022: estimativa internacional é que o ano termine com quatro vezes mais pessoas em situação de fome do que em 2017
- Mercado, fome e a PEC da Transição
- Contra a fome, a agroecologia
- Combate à fome no Brasil será o tema da Campanha da Fraternidade em 2023
- Como o Brasil pode superar a fome. Entrevista com Rosana Salles-Costa
- Bahia tem quase 2 milhões de pessoas passando fome, indica estudo
- O grito da ONG Manos Unidas: 3,1 bilhões de pessoas em risco de passar fome, enquanto 17% dos alimentos do mundo são jogados fora
- Agricultores contra a fome: “Uma em cada 6 pessoas não come devido à grave seca”. Artigo de Edward Mukiibi
- Fome, ponta do iceberg da desigualdade e da pobreza no mundo
- No Brasil da fome, votar é a última prioridade
- Sob Bolsonaro, produtores de alimentos passam fome na Amazônia
- 2022: estimativa internacional é que o ano termine com quatro vezes mais pessoas em situação de fome do que em 2017
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A fome não é causada pela falta de alimentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU