25 Outubro 2022
O número representa 11% da população baiana; no nordeste, 21% da população vive em insegurança alimentar.
A reportagem é de Gabriela Amorim, publicada por Brasil de Fato, 24-10-2022.
O desmonte das políticas públicas promovido pelo governo Bolsonaro é um dos principais fatores para o aumento da fome na Bahia e no Brasil
A Bahia tem cerca de 11% da sua população em situação de fome, segundo dados do II Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar no Brasil no Contexto da Covid-19 (VIGISAN) realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), em 2022. Embora o estado tenha um contingente de 1,7 milhão de pessoas com fome, a Bahia apresenta um índice melhor do que o do Brasil, que é de 15,5% de pessoas em insegurança alimentar, e o do nordeste, que é de 21%.
Os dados da pesquisa da Rede Penssan não mostram claramente o motivo de a Bahia ter atingido tais índices. É o que aponta Silvio Porto, ex-diretor de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Porto também já foi membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e participou da equipe que elaborou o programa Fome Zero. Atualmente, é professor do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Gráfico apresenta distribuição percentual da Segurança Alimentar e dos níveis de Insegurança Alimentar no Nordeste entre 2021 e 2022 | Gráfico: Reprodução II VIGISAN
O pesquisador destaca, no entanto, que é possível inferir que o fato de a Bahia ter uma população rural ligada à agricultura familiar camponesa contribui para esse cenário. “No caso específico da Bahia, possivelmente, nós temos uma capacidade de autonomia alimentar, ou uma relação de produção e disponibilidade de alimentos nessas residências rurais talvez mais vantajosa. Estou dizendo talvez porque precisaria ser efetivamente aferido”, afirma.
Silvio Porto aponta ainda a importância do papel das políticas públicas de estímulo à produção de alimentos para a agricultura familiar camponesa. “Há políticas públicas por parte do estado que vêm contribuindo, como o Pró-Semiárido, e o trabalho que a Articulação do Semiárido (ASA), da Bahia, especificamente, vem desenvolvendo desde 2003”, explica o pesquisador.
O Pró-Semiárido é uma política pública do governo do estado da Bahia de estímulo à convivência com o semiárido. Presente em 32 municípios do estado, o programa disponibiliza assistência técnica e extensão rural (ATER) especializada e acesso a política públicas como Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além de fomentar as atividades de segurança hídrica, como armazenamento de água e produção sustentável de base agroecológica.
Esses também são os princípios que norteiam a atuação da ASA, uma rede que congrega organizações civis como sindicatos rurais, associações de agricultores, cooperativas, ONGs etc., nos dez estados brasileiros que compõem o semiárido.
Uma das principais ações da ASA, citada por Silvio Porto inclusive, é o programa Um Milhão de Cisternas, que leva cisternas de armazenamento de água potável para as propriedades de famílias de pequenos agricultores e agricultoras no semiárido. “Quando a gente apresenta à sociedade o programa Um Milhão de Cisternas tendo como primeira ação a água para beber, naquele momento, a ASA estava apresentando à sociedade brasileira e ao Estado brasileiro um programa que garante um elemento fundamental para a alimentação das populações do semiárido, que é a água de qualidade e em quantidade suficiente para suas necessidades básicas”, explica Kleber Félix, membro da Coordenação Nacional da ASA.
“Em segundo lugar, nós apresentamos o programa Uma Terra e Duas Águas, ou Água para produção. Então, nós trabalhamos na perspectiva de que todos os agricultores e agricultoras que vivem no semiárido brasileiro têm direito à terra e à água para produzir alimento para suas famílias, para abastecer as feiras locais e até, em determinadas situações, poder encaminhar para outros grandes centros do Brasil”, conta Félix. Ele ressalta ainda que esses dois programas garantem a produção de alimentos saudáveis no semiárido, uma vez que a própria ASA estimula a produção agroecológica nessas unidades familiares.
Silvio Porto destaca que é essa agricultura camponesa quem produz os alimentos que chegam à mesa das famílias brasileiras - o arroz, feijão, mandioca, frutas, verduras - e não o agronegócio, responsável pela produção principalmente de commodities, como soja, algodão e milho, negociados e vendidos no mercado exterior.
“Nós precisamos reverter essa situação, há que ter uma política voltada sobretudo para a produção de alimentos básicos, para uma produção de alimentos diversificada, agroecológica nos diversos territórios brasileiros. E focar, com isso, em uma política de abastecimento também para a população de baixa renda das favelas, população de baixa renda das grandes e médias cidades, que são as famílias mais afetadas quando comparados os dados de insegurança alimentar, ou dados de fome no Brasil”, explica.
Por outro lado, Kleber Félix aponta o desmonte das políticas públicas por parte do governo do atual presidente Jair Bolsonaro como um dos fatores principais para o aumento da fome no país. “Existe uma demanda reprimida no semiárido brasileiro de 350 mil famílias que não têm ainda acesso a água de beber e estimamos que 800 mil famílias ainda precisam da água para produção de alimentos. Infelizmente, nos últimos anos o governo federal praticamente destruiu o programa Água para Todos. Não é à toa que mais de 33 milhões de brasileiros estão morrendo de fome nesse país”, diz Félix.
Para sair novamente do mapa da fome, Silvio Porto aponta como fundamental a articulação entre políticas públicas das três esferas de governo, federal, estadual e municipais. Os municípios, por exemplo, são responsáveis pela articulação em nível local das políticas públicas, sobretudo na promoção de feiras agroecológicas e da agricultura familiar, qualificação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) a fim de garantir que boa parte do recurso seja efetivamente aplicado na compra de alimentos da agricultura familiar camponesa
O pesquisador Silvio Porto explica ainda que é muito importante que haja, nos próximos anos, uma recomposição do valor do salário mínimo, que possibilite às famílias voltarem a se alimentar adequadamente.
“E, junto com isso, uma política agrícola efetiva, que faça com que nós tenhamos um fomento à produção agroecológica, uma produção diversificada em todo o território nacional, de forma a diminuir as distâncias entre produção e consumo e permitir que as pessoas possam consumir, com qualidade, alimentos frescos, todos os dias, abastecidos principalmente a partir de uma rede de abastecimento popular que chegue até as grandes cidades. E, dessa forma, nós possamos democratizar o acesso aos alimentos, democratizar a economia e reverter a lógica do desenvolvimento concentrado nas grandes corporações”, finaliza.
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Bahia tem quase 2 milhões de pessoas passando fome, indica estudo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU