As várias Áfricas do continente africano

(Foto: Hu Chen | Unsplash)

16 Mai 2022

 

“Somos filhos da África e de uma fascinante história de diversidade que nos trouxe até aqui” (Donald Johanson, descobridor de Lucy, a australopiteca encontrada em novembro 1974 na região de Hadar, Etiópia).

 

A reportagem é de Luca Attanasio, publicada em Domani, 11-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

O quanto sabemos realmente sobre a África? O continente que começa ao norte do paralelo de Portopalo e termina na Cidade do Cabo aparece em apenas 1,6% dos noticiários do horário nobre e está quase completamente ausente das páginas dos jornais. A imagem que chega à Europa projeta apenas um imenso monólito afligido por guerras, miséria, ditaduras, fome e favelas. Falta a África do rapidíssimo crescimento econômico, das democracias emergentes, das tecnologias, da inovação; a África das migrações internas, infinitamente superiores às do Velho Continente; a África da moda, da cultura, do cinema e da literatura. E há mais diferenças entre Rabat e Windhoek do que entre Lisboa e Tallin.

 

Mapa ilustrado do Continente Africano. (Foto: Anastasia Yevtushenko | Behance, creative commons)

 

Com curadoria de Luca Attanasio, Afriche – nova newsletter do jornal Domani – é o hub dos narradores da África. Ele tentará favorecer uma nova narrativa descolonizada da África, para compreender melhor um continente empobrecido, mas rico, expropriado, roubado, mas em desenvolvimento. Por meio de histórias de diásporas, economia e trabalho, empreendedorismo, cooperação, estudo, cultura, arte, ambiente, costumes, e chegando todas as terças-feiras à tarde a partir do dia 10 de maio, Afriche é o refletor apontado para o caldeirão desconhecido dos bisnetos de Lucy.

 

Crescimento econômico e guerras na África

 

A guerra na Ucrânia corre o risco de travar a difícil, embora parcialmente inesperada, retomada econômica da África. O ano de 2021 foi de resiliência, trazendo algumas boas notícias para além das expectativas.

 

O crescimento econômico da África subsaariana, de fato, conforme relatado pelo Africa’s Pulse, uma análise das perspectivas macroeconômicas regionais de curto prazo pelo Banco Mundial, ficou em 4% em 2021, 0,7 pontos percentuais acima da mesma previsão da edição do relatório de outubro passado. Além disso, de acordo com as análises do Fundo Monetário Internacional, no terceiro trimestre do ano passado o crescimento marcou um aumento mais significativo, passando de 3,7% em 2020 para 4,5%.

 

África Subsaariana. (Foto: Wikimedia Commons)

 

A disseminação das variantes da Covid, assim como outros fenômenos de crises endêmicas ligadas a guerras ou emergências ambientais, atingiram duramente os 54 países africanos, mas não os impediram de resistir e de impulsionar uma lenta melhora. Entre os países com melhor desempenho, estão o Benin, que passou de 3,8% em 2020 para até 7,2% em 2021, ou a Uganda, que se valeu de um verdadeiro boom no turismo interno.

 

Mas, por mais estranho que possa parecer, até mesmo a Etiópia figura entre os países que registram um sinal positivo mínimo (2%) apesar de uma guerra que devastou uma das suas regiões mais importantes, o Tigray, transbordando também para outras, e uma assustadora seca que afetou todo o Chifre da África.

 

Região que compreende o Chifre da África. (Foto: Reprodução)

 

Naturalmente, as diferenças entre país e país, ou entre as diferentes áreas, são muitas, e se alguns Estados com melhor estabilidade política e econômica podem olhar com maior tranquilidade para o futuro, aqueles, por exemplo, da faixa do Sahel sofrem gravíssimos problemas devido à volatilidade política, a crises ambientais e a conflitos internos que também marcam a economia.

 

Região do Sahel, no continente africano. (Foto: Reprodução)

 

“O ano de 2021 foi o ano da retomada em comparação com 2020, marcado pelo pico atingido pela crise pandêmica – explica Abebe Selassie, diretor do departamento africano do Fundo Monetário Internacional –, e, portanto, é normal que tenha havido um crescimento. Podemos dizer, porém, que atingir e ultrapassar os 4% pode ser considerado um bom resultado.”

 

Ao contrário do ano passado, no entanto, 2022 marcará uma desaceleração notável. O que pesa enormemente são as crises alimentares e a subsequente insegurança desencadeadas por fenômenos gravíssimos como a seca e a fome, assim como os efeitos da guerra na Ucrânia.

 

Ainda de acordo com o Africa’s Pulse, as estimativas de crescimento da África subsaariana neste ano são de queda em relação a 2021. Soma-se aos desafios de desenvolvimento da região os preços crescentes das matérias-primas em nível global, que estão aumentando em um ritmo mais rápido desde o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

 

“A guerra na Ucrânia – afirma o relatório – exacerbou as tensões e as vulnerabilidades já existentes que atingem o continente. Seu maior impacto será na crescente probabilidade de revoltas civis como resultado da inflação e escassez de alimentos e energia em ambientes já agravados pela instabilidade política.”

 

“Trata-se de uma crise sem precedentes para o continente – declarou no início de maio o economista Raymond Gilpin, chefe de equipe de estratégia, análise e pesquisa do PNUD África (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) – que está levando a uma significativa redução do crescimento do PIB.”

 

São muitos os países africanos que dependem fortemente das importações de trigo, milho, óleo de girassol e outros produtos básicos para o consumo alimentar. Entre as oito principais nações em desenvolvimento dependentes da importação de trigo da Rússia ou da Ucrânia, por exemplo, sete são africanas (a única asiática é o Laos): Somália e Benin em 100% (a primeira compra cerca de 70% da Ucrânia e o restante da Rússia, e o Benin é totalmente dependente da Rússia), Egito (82%), Sudão (75%), República Democrática do Congo (69%), Senegal (66%), Tanzânia (64%).

 

Enquanto isso, e independentemente da invasão russa na Ucrânia, chegam notícias alarmantes de algumas partes da África.

 

Segundo a ONU, 20 milhões de pessoas correm o risco de morrer de fome neste ano devido ao grave atraso nas chuvas, que agrava uma seca já dramática e longa no Quênia, Somália, Eritreia e Etiópia. A aridez extrema acabou com as plantações e matou o gado, e forçou um grande número de pessoas a fugir em busca de comida e água.

 

Por outro lado, porém, há cerca de 27 milhões de pessoas que passam fome. Burkina Faso, Níger, Chade, Mali e Nigéria são os países mais afetados por aquela que é considerada a pior crise alimentar da região na última década. Conflitos e confrontos contribuíram para tais situações, que ocorreram em todo o Sahel, assim como na Etiópia e na Somália, desviando recursos e, acima de tudo, impedindo que agricultores e pecuaristas cuidassem dos campos e do gado, forçados a fugir para salvar as suas próprias vidas.

 

Quem espera que o conflito na Ucrânia pare, assim como muitos outros no continente, são também milhões de africanos, vítimas de desequilíbrios mundiais e os primeiros a pagar por decisões tomadas a dezenas de milhares de quilômetros de distância.

 

Segunda maior floresta tropical do mundo em risco

 

O Congo continua no centro das atenções devido a um novo capítulo da saga sem fim com o título óbvio “A maldição dos recursos”. Neste caso, o país, abençoado pela natureza com a maravilhosa bacia do rio Congo, que abriga a maior floresta tropical do mundo depois da amazônica, decidiu ignorar que é uma das últimas áreas do planeta capazes de absorver mais carbono do que espalha, e o destina à extração selvagem de petróleo.

 

República Democrática do Congo, político. (Foto: Reprodução)

 

Em abril, o executivo da República Democrática aprovou o plano de aquisição de novas sondas de perfuração exatamente ao redor dessa área. Dos 16 blocos destinados à perfuração, nove se encontram em uma região da bacia do Congo conhecida como Cuvette Central, uma área que tem a extensão de um terço da Califórnia, onde surge o maior complexo de turfeiras tropicais do mundo.

 

Pelo menos três desses blocos que irão a leilão e serão concedidos a companhias petrolíferas internacionais, segundo a inglesa Rainforest Foundation, se sobrepõem diretamente às turfeiras, representando uma dupla ameaça ao clima. Os cientistas estimam que as turfeiras armazenam o equivalente a três anos de emissões globais de CO2 e que, deixadas intactas, as florestas tropicais de pântanos de turfa podem neutralizar o aquecimento global: mas se a turfa for drenada ou a terra convertida para outros usos, pode se tornar uma fonte significativa de emissões.

 

A expansão das infraestruturas de combustíveis fósseis, além de desencadear uma catástrofe ambiental e o processo de aumento das emissões, explodindo substancialmente os objetivos internacionais de contenção da temperatura, vai em clara tendência contrária ao acordo firmado durante a COP-26 de Glasgow, apenas alguns meses atrás, que destinava 500 milhões de dólares justamente à preservação das florestas e falava do Congo como um “país solução”: “Graças às suas florestas, à água e aos recursos minerais – afirma um trecho do acordo – a República Democrática do Congo é um verdadeiro ‘país solução’ para a crise climática. Para proteger a floresta e promover a sua gestão sustentável, a nossa prioridade, apoiada por esta nova parceria, é a de fortalecer a governança e a transparência em todos os setores de utilização do território”.

 

O acordo faz parte das ações da Central African Forest Initiative (Cafi), um fundo fiduciário das Nações Unidas que visa a apoiar seis países da África central na busca de um caminho de desenvolvimento de baixas emissões.

 

O Congo é a terra das contradições. O país é abençoado com todo o tipo de recursos que possam servir ao mundo, da borracha ao ouro, dos diamantes ao coltan, do cobre ao cobalto. No entanto, inexplicavelmente, está nos últimos lugares dos índices de desenvolvimento. Ele está entre os Estados mais pobres do mundo com uma taxa de infelicidade altíssima, devido à instabilidade e a conflitos desencadeados, em grande parte, pela caça aos recursos.

 

Em Katanga, por exemplo, encontra-se entre 65% e 70% do cobalto do mundo, um mineral outrora negligenciado e que agora saltou para o topo da London Metal Echange devido ao aumento da demanda nos últimos anos. Sem ele, não teríamos smartphones, dispositivos e, sobretudo, a “revolução verde” (são necessários 10 kg de cobalto para fazer uma bateria para um carro elétrico).

 

Mas o preço da mudança que já se faz sentir no Ocidente é pago pelos katangueses que se enfiam em buracos escavados à mão por três dólares por dia e muitas vezes não voltam à superfície: 40 mil deles são crianças.

 

Kibogo subiu ao céu

 

Destaco um interessante conto de uma autora ruandesa, uma das principais vozes da literatura africana contemporânea, exatamente na encruzilhada entre crônica e lenda, luta anticolonialista e ironia, que será publicado no dia 26 de maio. Trata-se de “Kibogo è salito in cielo”, de Scholastique Mukasonga (Utopia Editore).

 

Capa do livro "Kibogo è salito in cielo, de Scholastique Mukasonga (Utopia Editore) (Foto: Divulgação)

 

Nos anos 1940, com a colonização belga, os habitantes de Ruanda entraram em contato com os padres missionários católicos e a sua obra de doutrinação. O catolicismo, portanto, fica lado a lado com crenças e ritos milenares que distinguem uma civilização inteira.

 

O rei, a maior figura secular e espiritual, depositária da tradição ruandesa, aceita o batismo e impõe o catolicismo aos seus súditos. Os missionários, portanto, proíbem todo culto indígena, que consideram pagão e demoníaco, dedicando Ruanda a Jesus e à sua mãe, Maria.

 

Entre as lendas locais, porém, há uma muito semelhante à história de Cristo e da Virgem que os europeus tentam transmitir com os seus missais em um latim incompreensível. É a história de Kibogo, o herói que trouxe de volta à Terra uma chuva há muito esperada, salvando os homens da seca, para depois ser levado para o céu, exatamente como Jesus. A confusão entre os dois relatos, portanto, é inevitável. Diante da grande seca, por que não invocar também Kibogo para que a chuva volte?

 

A meio caminho entre a crônica e a lenda, com a maestria e a ironia que a consagraram entre as principais vozes da literatura africana contemporânea, Scholastique Mukasonga, em “Kibogo è salito in cielo”, narra a colonização, a imposição de um culto e o sincretismo religioso, entregando à palavra escrita uma cultura que tem sido transmitida há séculos em forma oral.

 

Ela parece dizer que, mais sutil do que qualquer despotismo, é a colonização cultural, que aprisiona as suas vítimas em uma cela invisível, vigiada por sentinelas incorruptíveis que vivem no erro, como acontece com quem sempre está convencido de que tem razão.

 

Notícias do continente

 

Somália

 

Depois de uma extenuante espera de 15 meses, o Parlamento somali anunciou que as eleições presidenciais ocorrerão no dia 15 de maio e que 329 legisladores de ambas as câmaras – 54 do Senado ou Câmara Alta e 275 da Câmara Baixa – elegerão o 10º presidente do país. O presidente cessante, Mohamed Abdullahi Mohamed, conhecido como Farmajo, havia encerrado o mandato oficialmente em 8 de fevereiro de 2021, mas, devido a um processo complexo e delicado de equilíbrios precários, só se conseguiu definir uma data recentemente.

 

Mali

 

O presidente do Togo, Faure Gnassingbe, aceitou atuar como mediador na crise política no Mali, que sofreu dois golpes em menos de dois anos. “A situação em que nos encontramos hoje – dizem as fontes governamentais – requer um esforço de criatividade política que nos permita sair desta condição.” O ministro das Relações Exteriores do Togo, Robert Dussey, confirmou que a oferta foi aceita. A escolha visa a desbloquear um impasse de pelo menos um ano de duração, durante o qual choveram sobre o país as sanções da Ecowas (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental).

 

Turismo africano

 

O site de viagens Big 7 Travel compilou o ranking dos 50 países imperdíveis para turistas que procuram locais livres de carbono. A África coloca nada menos do que dois países no pódio. Depois do Butão asiático, entre os lugares mais ecológicos e respeitosos do ambiente para se visitar, figuram Botsuana e Gâmbia, respectivamente no segundo e terceiro lugares.

 

Leia mais