Congo, onde as crianças acabam nas minas

Trabalho infantil na República Democrática do Congo. Foto: Irmãs Bom Pastor

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02 Mai 2019

O maior preço para garantir ao mundo desenvolvido a redução dos gases de efeito estufa através de carros elétricos são pagos pelas crianças do país africano. Na extração de cobalto, o mineral essencial para as baterias, morre-se por um dólar ao dia. A experiência corajosa das Irmãs do Bom Pastor.

A reportagem é de Lucas Attanasio, publicada por Vatican Insider, 01-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

"Quando chegamos aqui pela primeira vez há sete anos, vimos o desespero nos olhos dos pais forçados a enviar seus filhos para cavar nas minas. Ao se despedirem deles pela manhã, temiam que, à noite, não voltassem a vê-los. É por isso que começamos nosso programa, para salvar crianças”. Irmã Catherine Mutindi tem o ar de um líder político e o rosto terno e decidido de quem combate uma boa luta. Ela é a diretora do Programa Bon Pasteur Kolwezi, um projeto que a Fundação Internacional Bom Pastor ONLUS coordena na área do antigo Katanga, República Democrática do Congo.


Mapa da República Democrática do Congo. Fonte: Info Escola

O grande país no coração da África, marcado por uma das piores crises humanitárias do mundo e pela pobreza endêmica, assim como pela disseminação contínua do Ebola, está nos últimos lugares de qualquer índice de desenvolvimento e promove êxodos em massa já há décadas. Mas o Congo, na realidade, seria um país muito rico. No seu interior há tantas e tamanhas riquezas que seriam suficientes para fazer decolar a economia e o bem-estar. É talvez o caso mais marcante entre os países pobres que acabam por amaldiçoar os próprios recursos por gerarem bens para muito poucos - principalmente estrangeiros - e pela exploração, conflito, miséria, doenças e subdesenvolvimento, para muitos. O último na ordem do tempo é o cobalto.

Desde que explodiu a demanda por carros elétricos no mundo, foi deflagrada uma nova edição da corrida do ouro para esse subproduto de níquel e cobre, até cerca de cinco anos atrás substancialmente ignorado. Se, de fato, antes seu uso era limitado às baterias dos smartphone (mas bastavam apenas 5/10 gramas), em tempos de grande expansão de baterias para carros híbridos ou elétricos (que precisam entre 8 e 9 kg de cobalto), seu mercado literalmente enlouqueceu. O preço oscila entre 30 e 32 mil dólares por tonelada e o Congo - que sozinho garante 60% da demanda mundial - tornou-se um polo de atração descontrolada para muitas multinacionais.

O resultado mais evidente é um retorno para os parâmetros típicos da revolução industrial que envolve centenas de milhares de pessoas. 60% das crianças da área de Kolwezi, ex Katanga (mais da metade do cobalto é extraído ali, ndr) são empregadas nas minas e quase todas elas abandonam a escola desde o ciclo elementar. A taxa de abusos de mulheres e garotas é de 75%, enquanto há um aumento na já alta mortalidade infantil, bem como de uma pobreza generalizada que afeta 90% da população local obrigada a viver com menos de um dólar por dia.

"Na província de Lualaba, no sudeste do Congo - explica a Irmã Catherine -, uma das áreas de mineração de cobalto mais ricas do mundo, milhares de pessoas encontram-se escravizadas por um sistema de exploração que cria condições desumanas e indignas, especialmente para aqueles que já são os mais frágeis nessas sociedades desregradas, como as mulheres e as crianças.


Em destaque no mapa, a antiga província de Katanga, na parte inferior esquerda, se localiza a província de Lualaba. Fonte: Crisis Group

Como a Anistia Internacional denunciou em 2016 com o relatório “This is what we die for”, as empresas de mineração e as grandes multinacionais que produzem nossos smartphones ou os carros elétricos verdes são em parte cúmplices dessa exploração vergonhosa. O preço e a demanda por cobalto nos últimos dois anos dispararam, mas a maioria dos mineradores artesanais, que cavam galerias profundas com formões e enxadas, sem ventilação e sem estruturas de sustentação para evitar desmoronamentos, ou as mulheres que peneiram com as próprias mãos os materiais residuais das minas, expostas a poeiras e gás que destroem os pulmões e devastam a pele, continuam a viver com um punhado de dólares por dia”.

Eis a entrevista. 

Que tipo de intervenção vocês propuseram?

Há sete anos, junto com duas outras irmãs, aceitamos o convite do Bispo de Kolwezi para fundar uma nova missão. Em 2013, iniciamos um programa de desenvolvimento comunitário que inclui educação e recuperação escolar, formação profissional para mulheres e meninas e formas alternativas de subsistência para as famílias, com a criação de cooperativas agrícolas. Agora o projeto cresceu até envolver toda a comunidade e inclusive permitiu a reconstrução de um tecido social anteriormente inexistente. Apenas através de uma abordagem capaz de encorajar toda a comunidade, podemos pensar em reduzir a pobreza e eliminar o trabalho infantil das minas de Kolwezi.


Trabalho infantil na República Democrática do Congo. Foto: Irmãs Bom Pastor

Em pouco mais de seis anos vocês envolveram milhares de pessoas, como a situação mudou desde que vocês se estabeleceram ali?

Até o momento, conseguimos tirar cerca de 2.000 crianças das minas e oferecer formação e oportunidades de trabalho para 280 mulheres que criaram cooperativas capazes de garantir a plena segurança alimentar a centenas de seus familiares. Formamos cerca de 7.000 pessoas sobre seus direitos, tanto como trabalhadores quanto como cidadãos, e fizemos campanhas para explicar que nenhuma criança deve trabalhar, muito menos nas minas. No plano de 2018-2022, esperamos tirar 4.830 crianças das minas, formar 1.879 garotas para empregos decentes, ajudar 3.105 mulheres a alcançar a autossuficiência alimentar de suas famílias e educar 9.393 homens e garotos a tomarem consciência de seus direitos como mineradores. As mulheres e crianças são nossos melhores exemplos. Agora estão convencidos de que existem alternativas ao status quo, no qual a exploração nas minas reina como mestre. As mulheres, principalmente, criaram novos laços coletivos e uma nova identidade comunitária que alimentam o desejo de crescer educados e protegidos. Essas são as bases para construir uma sociedade inclusiva, na qual os direitos humanos fundamentais de mulheres, jovens e crianças sejam respeitados.

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