19 Fevereiro 2022
As universidades devem se envolver no processo sinodal, não apenas em prol do próprio processo sinodal, mas também em prol da missão do Ensino Superior católico – e do futuro da própria Igreja. A indiferença não é uma opção.
A opinião é de Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, em artigo publicado em Commonweal, 28-01-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O “processo sinodal” antes do Sínodo sobre a Sinodalidade de outubro de 2023 está oficialmente em andamento, ou deveria estar em andamento, em todas as Igrejas locais.
Mas se você passa algum tempo no campus de uma faculdade ou universidade católica – como estudante, professor, funcionário, pai ou mãe, ou simplesmente porque sua casa ou paróquia fica perto de um desses campi – você nunca pensaria que a Igreja está no meio do maior evento eclesial desde o Concílio Vaticano II, que supostamente deveria envolver todo o povo de Deus. Parece haver apenas uma sensação de indiferença sobre tudo isso.
Isso contrasta um pouco com o engajamento das instituições católicas de Ensino Superior com o Vaticano II. Em 1959 e 1960, em preparação para o Concílio, as faculdades de Teologia foram convidadas a apresentar suas propostas para a formação da agenda conciliar.
Nos Estados Unidos, elas incluíam a Universidade Católica dos Estados Unidos, a St. Mary of the Lake, de Chicago, e a St. Mary, de Baltimore. É verdade que a participação da maioria das pessoas nas comunidades universitárias limitou-se a acompanhar os procedimentos pelos meios de comunicação, embora alguns dos mais influentes peritos teológicos do Vaticano II tivessem cátedras em universidades católicas e pontifícias.
E, entre as mensagens finais enviadas no último dia do Vaticano II, havia uma para os jovens em geral, mas não especificamente para os estudantes. No entanto, o envolvimento das faculdades e universidades com o Concílio aumentou no período pós-conciliar imediato. Alunos e professores se envolveram ativamente na celebração e na recepção do Vaticano II.
Fora dos Estados Unidos, os impulsos do Vaticano II para a reforma teológica e eclesial faziam parte de um movimento mais geral de reforma – não apenas eclesial, mas também social e política. O tumultuado período pós-Vaticano II nas faculdades de Teologia da Alemanha chocou Joseph Ratzinger (o futuro Bento XVI) e o convenceu a mudar da Universidade de Tübingen para a mais tranquila Universidade de Regensburg, em sua Baviera natal.
Simplesmente não há esse mesmo tipo de interação ou energia hoje, pelo menos nos Estados Unidos. Na preparação para o processo sinodal lançado pelo Papa Francisco em outubro de 2021, não houve nenhuma atenção especial ou orientação para os estudantes e universidades. O programa do processo sinodal lançado em abril de 2021 incluía diretrizes para a submissão de contribuições antes de abril de 2022, mas não eram muito claras: “Também serão recebidas as contribuições dos Dicastérios da Cúria Romana, das Universidades/Faculdades de Teologia, das Uniões de Superiores/Superioras Gerais (USG/UISG), de outras uniões/federações de Vida Consagrada, e dos movimentos internacionais de leigos”. Consequentemente, não está muito claro o que está ocorrendo nas universidades católicas nos Estados Unidos.
Já o Vademecum publicado pelo Sínodo dos Bispos em setembro de 2021 menciona vagamente o papel das faculdades e universidades na fase de escuta em nível diocesano (par. 3.1) e o papel do bispo (par. 4.1). Embora o Sínodo dos Bispos tenha nomeado eminentes teólogos (mulheres e homens, leigos e clérigos) como peritos, parece ter dado pouca atenção à importância das contribuições da comunidade teológica e acadêmica católica global.
E, embora o Papa Francisco muitas vezes encoraje os jovens a serem ativos na Igreja, a agitar as coisas e a “fazer barulho”, o processo sinodal não parece oferecer aos estudantes universitários – ou à comunidade universitária em geral – muitas oportunidades para se envolverem.
O que devemos fazer com tudo isso? O incentivo de Francisco aos movimentos sociais e eclesiais sempre foi claro, mas ele geralmente manteve o mundo acadêmico à distância. Não se trata de anti-intelectualismo, mas sim de uma desconfiança geral em relação às elites.
A universidade é vista como um lócus de poder e expertise. O processo sinodal, por outro lado, propõe um reequilíbrio de poder, não apenas entre leigos e clero, mas também entre elites e o povo. Mas a distância entre as universidades católicas e o processo sinodal é um mau sinal.
As universidades ainda são um lugar importante para a Igreja fazer e propor o seu pensamento, e o processo sinodal parece não as levar em consideração. E vice-versa: a academia teológica católica geralmente não está interessada em oferecer cursos de eclesiologia com atenção à dimensão institucional da Igreja, embora tenha havido alguns esforços; veja-se, por exemplo, este webinar da Boston College School of Theology and Ministry Continuing Education [veja o vídeo abaixo, em inglês].
(Um exemplo muito diferente é o curso sobre sinodalidade oferecido pela Pontifícia Universidade Gregoriana, administrada pelos jesuítas, em Roma [disponível em inglês aqui].)
E, em um ambiente onde muitos bispos militantes mostram pouco ou nenhum interesse na sinodalidade, tem havido uma resposta institucional muito fraca por parte das organizações de teólogos católicos nesse front (mea culpa) – pelo menos até agora.
Os teólogos católicos estadunidenses forneceram e estão fornecendo importantes contribuições sobre a teologia da sinodalidade, mas tem havido pouco esforço institucional organizado para reivindicar um lugar à mesa, talvez porque não houve nenhum convite oficial da USCCB [Conferência dos Bispos dos Estados Unidos] ou do Sínodo dos Bispos.
Sim, em fevereiro, o Papa Francisco se reunirá remotamente com estudantes universitários católicos de todo o hemisfério ocidental em um diálogo organizado pela Loyola University Chicago. Isso poderia impulsionar as coisas, mas, nesta fase do processo, deveria haver eventos sinodais no campus, com a participação das comunidades universitárias e em coordenação com encontros realizados nas Igrejas locais.
Isso também levanta questões, por conseguinte, sobre o papel das universidades católicas no debate eclesial em andamento, especialmente na Igreja dos Estados Unidos. Que tipo de ideias podem vir de instituições nas quais o poder dos administradores (quase uma espécie de clericalismo em si mesmo) e a mentalidade tecnocrática ameaçam o antigo modelo institucional de governança compartilhada?
Talvez, se os reitores de faculdades e universidades católicas ainda fossem membros do clero, haveria mais interesse na sinodalidade. A corporativização do Ensino Superior é uma área em que a transição pós-Vaticano II da liderança clerical para a liderança leiga foi uma bênção mista (também devemos levar em consideração que, assim como em outras profissões, o Ensino Superior está sentindo os efeitos da “grande resignação” da pandemia ou sofrendo um desengajamento geral por parte da comunidade eclesial no rastro da Covid; o chamado para “caminhar juntos” em sinodalidade pode estar chegando em um mau momento).
Há outra coisa para se pensar: se a sinodalidade não consegue interessar os jovens da Igreja, então o que poderá? Os estudantes já foram o motor da mudança social, mas agora parecem estar focados em seus estudos e em inúmeras atividades extracurriculares (clubes e equipes, participando de eventos esportivos).
À medida que o Ensino Superior se tornou um sistema corporativo para produzir “profissionais” bem remunerados, fez-se menos para cultivar ou encorajar um senso de exploração filosófica, política e espiritual. Os estudantes não têm tempo para sacudir as coisas na sociedade, muito menos na Igreja.
As universidades de todo o mundo foram um terreno fértil para os movimentos sociais e eclesiais do fim dos anos 1960 e início dos anos 70. Alguns católicos podem não se sentir nostálgicos por aqueles dias turbulentos, mas o ambiente atual é muito diferente do Vaticano II e do início do pós-Vaticano II. Há uma tensão entre o foco tecnocrático na liderança e no pragmatismo, e o ethos na base da sinodalidade.
Apesar das preocupações com o catolicismo “desperto” e a “esquerda universitária”, a separação entre universidade e Igreja, e entre Igreja e movimentos sociais sugere uma separação maior e mais preocupante da universidade católica em relação ao mundo exterior.
“A escola católica continua sendo essencial como espaço de evangelização dos jovens”, disse o Papa Francisco na Christus vivit [n. 222], a exortação apostólica publicada após o Sínodo da Juventude de 2018. Mas isso não se reflete no atual processo sinodal, que parece querer não incluir as universidades – pelo menos até agora.
Mas não resta muito tempo. Continuar assim seria um erro grave, que não será corrigido pelos bispos locais, dadas as relações complicadas ou ruins que muitos deles mantêm com as faculdades e universidades católicas em seu território diocesano.
Mas também não deveria ser deixada para membros individuais e heroicos do corpo docente ou da Pastoral Universitária a tentativa de construir algo em que os próprios bispos parecem não ter interesse.
As universidades devem se envolver no processo sinodal, não apenas em prol do próprio processo sinodal, mas também em prol da missão do Ensino Superior católico – e do futuro da própria Igreja. A indiferença não é uma opção.
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Ausência injustificada: por que as universidades não estão mais envolvidas no Sínodo? Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU