04 Janeiro 2022
"Passamos décadas tentando produzir em laboratório um catolicismo que não existia mais na realidade. Exceto para depois nos surpreendemos com a afasia entre as práticas eclesiais e as da vida comum das pessoas."
A opinião é do teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado em Settimana News, 31-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para a Igreja italiana, o caminho sinodal fortemente desejado para ela pelo Papa Francisco representa uma oportunidade que também é um ponto sem volta. Perder essa oportunidade significaria apagar-se na inércia que a envolve há muito tempo – e são muitas as formas pelas quais isso pode ocorrer.
Principalmente para uma Igreja que contemporizou durante todo o pontificado de Francisco, esperando simplesmente que ele passasse. Dos muitos espaços que ele nos abriu, quase todos ficaram vazios, sem inventividade pastoral e sem convicção eclesial.
A inércia parece ser a característica da Igreja italiana na última década. Desorientada em relação aos processos de transformação que não dizem respeito apenas à sociedade civil, mas também às formas do crer contemporâneo. Processos que estão em curso há mais de meio século, na verdade.
Em relação à mentalidade média que circula pelo catolicismo italiano, o mundo da vida cotidiana já é outra coisa. Passamos décadas tentando produzir em laboratório um catolicismo que não existia mais na realidade. Exceto para depois nos surpreendemos com a afasia entre as práticas eclesiais e as da vida comum das pessoas.
Diante desse hiato, não se trata mais de atualizar a Igreja italiana, mas de reinventá-la. O Sínodo iniciado, embora poucos se tenham dado conta dele nas comunidades cristãs da Itália, não pode ser uma mera adequação dialógica das estruturas da Igreja a um horizonte comunitário do pensar e do viver a fé na Itália. Não pode ser isso, porque o parâmetro da adequação produziria a simples continuação de um catolicismo substancialmente clerical – tanto dos padres quanto dos leigos.
Apesar do cansaço estrutural da Igreja italiana, cujo espelho é a Conferência Episcopal e a sua inércia que se revela no fato de ir a reboque quando não é mais possível ficar parado, o catolicismo italiano ainda conhece vivacidades significativas que traduzem a fé contemporânea às vivências das pessoas.
Comunidades, paróquias, grupos, associações, experiências espalhadas pelo território do país – que, porém, não se conhecem reciprocamente e não se frequentam. Por muitas razões. Esse espalhamento insular do melhor que o catolicismo italiano pode oferecer hoje poderia ser um bom ponto de partida para o Sínodo da nossa Igreja.
Ele deveria se tornar uma oportunidade para conectar essas práticas do crer no contexto civil da Itália de hoje. Não precisamos de grandes programas que vêm de cima, mas de um esforço federativo que sirva de força motriz para aquilo que há de bom e se encontra disperso por todo o território do nosso país. Imaginando uma liderança generalizada e variada, mas não insular e biográfica. Procurando-a nas margens das formas institucionais que recebemos da era conciliar.
Com isso, essas experiências poderão sair do berço seguro em que surgiram e frutificam. Reuni-las significaria também aliviá-las do senso de solidão pioneira que muitas vezes as distingue, permitindo uma circulação de práticas de fé que poderiam ser remoduladas de forma variada, de acordo com os contextos e as situações locais.
Em suma, o Sínodo da Igreja italiana deveria ser a oportunidade para sair de um provincialismo que corre o risco de ser dispersivo para o catolicismo atual. Viver com horizontes mais amplos é o que poderia relançá-lo, mesmo na condição de minoria civil e cultural.
O associacionismo do século XX, sobretudo entre as duas guerras, teve o mérito de criar uma dimensão europeia e internacional do catolicismo – sem a qual, muito provavelmente, o projeto político europeu que levou o nosso continente para fora de uma inimizade beligerante há séculos não teria visto a luz.
Essa inspiração e esses horizontes mais amplos de então são uma lição com a qual ainda podemos aprender, sobre a qual vale a pena investir recursos, pessoas, estruturas, em um projeto de longo prazo. Quem quer que seja o papa, porque o futuro da Igreja, até mesmo da italiana, não está mais em jogo totalmente aí.
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O Sínodo de uma Igreja cansada. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU