Uma Igreja com portas e janelas abertas. Um diálogo “sinodal” com Andrea Grillo

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03 Dezembro 2021

 

Andrea Grillo é certamente um dos teólogos mais perspicazes do panorama italiano. É professor de Teologia dos Sacramentos e Filosofia da Religião em Roma, no Pontifício Ateneu S. Anselmo e de Liturgia em Pádua, na Abadia de Santa Giustina. Frequentemente intervém nos debates com competência e, caso raro no contexto eclesial, com parrésia e franqueza. Nós o entrevistamos sobre o Sínodo. Esta é a primeira parte do Diálogo.

 

A entrevista é publicada por La Barca e il Mare, Chiesa e Dintorni, 28-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

 

O tema do Sínodo se centra na questão, urgente, de uma reflexão sobre o poder e suas dinâmicas.

 

Essa é uma das ideias mais claras que se manifestam na atualidade eclesial e no debate cultural para além da Igreja, naquela que podemos chamar de cultura comum. Em primeiro lugar, devemos reagir a uma espécie de instinto de autodefesa típico da Igreja. Acontece que quando a Igreja ouve falar de poder, costuma dizer “não me diz respeito, porque não atuo naquela seara; atuo naquela do serviço...”. Falso: o exercício da verdadeira autoridade, da autoridade do evangelho, da autoridade do serviço, precisa exercer poder. Talvez para perdê-lo, mas tem que exercê-lo. Ora, no exercício do poder existe toda uma série de mediações que são comuns, não específicas apenas da Igreja. Consequentemente, uma reflexão sobre essas mediações é importante.

 

A primeira mediação em que o poder é exercido é a linguagem. Falamos uma linguagem velha, que era jovem quando foi formulada. Era moderna, avançada, ousada na época de São Tomás, do Concílio de Trento, dos concílios oitocentistas. Hoje, porém, repetimos fórmulas desgastadas. Em vez disso, acredito que não devemos ter medo.

 

 

Sobre isso, o Papa Francisco é muito franco e pede para usar a imaginação, a inquietação e a incompletude. Não é por acaso que ele utiliza essas três palavras, palavras surpreendentes. E é paradoxal que as diga um Papa e não as digam os teólogos, os pastores e os leigos. Devemos dizer as coisas de sempre com palavras novas. É a grande intuição de João XXIII, que abre o Concílio Vaticano II afirmando que ele tem um caráter pastoral. Porque - afirmou então o Papa João -, uma coisa é a substância da antiga doutrina do depositum fidei, e outra coisa é a formulação de seu revestimento. Devemos formular o revestimento da substância da antiga tradição de uma forma nova, surpreendente, atraente e apaixonante. Portanto, o poder devemos exercê-lo usando a linguagem de uma nova maneira.

 

 

E depois?

 

Em segundo lugar, acredito que precisamos sair da autorreferencialidade, que normalmente é uma consequência de linguagens velhas. As linguagens ficam velhas quando já não falam mais do outro, apenas de si mesmos. Na Igreja, esta é desde sempre uma das tentações. Uma Igreja que já não consegue mais não apenas “sair”. Bergoglio usou essa imagem antes mesmo de se tornar Papa, em seu discurso ao colégio cardinalício. Não a Igreja em saída, mas Jesus em saída: devemos permitir que Cristo saia dos muros que construímos ao seu redor. É uma belíssima imagem: um Cristo em saída precisa de uma Igreja com portas e janelas abertas, que permita que ele saia e as vidas humanas entrem.

 

 

O terceiro nível é estritamente institucional. Usamos o direito canônico - concebido em 1917 e parcialmente revisado em 1983 - como se fosse a Bíblia. Vamos parar de reduzir tudo a questões canônicas. O direito canônico é uma função essencial, mas não está nem no início nem no fim. Está no meio, no início e no fim existem outras coisas. Uma Igreja que sempre tem o direito canônico no início e no fim é uma Igreja que fala uma linguagem autorreferencial e que não se comunica com a realidade.

 

 

Há algo mais?

 

Tudo isso se torna mais fácil e mais realista se finalmente deixarmos entrar também na Igreja uma nova consideração do segundo dos sinais dos tempos de que falou João XXIII na sua última encíclica Pacem in Terris. Ou seja, o papel público das mulheres. Sobre isso, em 2021, antes mesmo do início dos trabalhos sinodais, o Papa Francisco realizou escolhas importantes.

 

 

Você mencionou anteriormente o atraso de teólogos, pastores e leigos. Quais são as razões?

 

São muitas e vêm um pouco de longe e um pouco de perto. De longe, primeiramente. A certa altura da história da Igreja, por tantas razões compreensíveis na época, certamente não hoje, o medo do mundo moderno fez com que a Igreja se empoleirasse na cultura adquirida. Era como se não precisasse mais ler a realidade e tivesse todas as respostas para as perguntas que ainda não conhecia. Foi a época do final do século XIX, início do século XX, a temporada do antimodernismo. Ainda hoje, mais de um século depois, somos filhos daquela temporada.

 

O Papa Francisco chegou para nos acordar porque tínhamos a convicção que estava tudo bem onde estávamos, isto é, dentro do nosso mundo. Pensávamos que não era necessário sair. Veja o caso dos padres. Corremos o risco de formar padres e teólogos apenas com discursos internos. O seminário tridentino nasceu como um lugar de cultura, não como um lugar fechado apenas em si mesmo.

 

O seminário do final do século XIX e início do século XX tornou-se, em vez disso, um lugar onde apenas assuntos sagrados são estudados. Já a literatura - e não estamos falando de ciências - quanto menos, melhor. Os seminários italianos até o final do século XIX também estavam cheios de cientistas. Desde então, apenas poucos padres estudam matérias científicas de maneira avançada, para fazer pesquisa. Nasce a suspeita em relação a tudo que é ciência moderna.

 

Depois, há também as causas próximas. Depois do Concílio, que é precisamente o grande degelo do antimodernismo, surge uma espécie de novo antimodernismo nos anos 1980, 1990 e início dos anos 2000. A Igreja pronuncia grandes “não”: não às intervenções no ministério, na liturgia, na eclesiologia. Tudo é bloqueado porque tudo já foi decidido no passado.

 

O Papa Francisco, por outro lado, vem da América do Sul, outro mundo diferente da Europa. É filho do Concílio: é o primeiro papa que não é padre conciliar. Ele sente a responsabilidade e sacode teólogos e pastores que continuam a pensar a fidelidade em termos de imobilidade. Francisco aprendeu isso na própria pele na América Latina. Viveu tremendas experiências civis e religiosas que lhe permitiram sair dessa autorrepresentação um tanto caricatural do Papa, do bispo, do teólogo, do pastor e até do leigo. Acaba colidindo com uma estrutura europeia e italiana que está convencida de que para ser Igreja Católica é preciso repetir a Igreja do século passado.

 

 

Ajude-nos a entender a distinção entre tradição e tradicionalismo, porque me parece um dos pontos em torno do qual uma parte do catolicismo atual está construindo barricadas.

 

A tradição sempre existiu. O tradicionalismo é um produto da modernidade tardia. A tradição é aquele mecanismo humano, institucional e também eclesial, através do qual o novo é garantido em uma certa relação com o passado. A tradição é a garantia de que coisas novas possam acontecer, na forma de uma assimilação gradual, de uma passagem de gerações, para que o novo possa abrir espaço para si.

 

O tradicionalismo, que é um dos tantos -ismos, é precisamente a tentativa de bloquear a tradição em um museu, não a fazer florescer como um jardim. Quer garanti-la dentro de vitrines, sempre igual, mas morta. O tradicionalismo é a Eucaristia, o bispo, a paróquia vistos apenas como objetos de museu. Pensa-se em garanti-los fazendo com que permaneçam sempre os mesmos, sempre iguais. As orações são sempre as mesmas, ninguém aprende uma nova língua, todos falam apenas latim, mas está tudo morto.

 

 

Isso é evidente precisamente quando se fala da língua. Trata-se de uma forma que também está presente em pessoas absolutamente não tradicionalistas. Acredito que seja, ao contrário, uma corrupção da maneira de pensar a tradição. Diz-se que o latim garante a universalidade da Igreja: sim, mas para quem? A universalidade da Igreja em latim, se o latim é uma língua, é preciso entendê-la, para ser universalmente de acordo. Não, é pensado como aquela língua em que escrevendo as coisas valem para todos. Só que depois todos as entendem na sua própria língua: um em inglês, outro em francês, outro em italiano e outro em alemão.

 

O Concílio entendeu isso há sessenta anos quando disse “vamos jogar a universalidade nas línguas particulares”, não em uma língua que não está mais viva. O latim não está mais vivo desde que Dante declarou que para fazer poesia, para falar da vida, era preciso usar o vernáculo. Dante entendeu isso no século XIV. A Igreja obviamente leva alguns séculos a mais. A Igreja Protestante chega a tal conclusão em 1500, nós só chegamos em 1900.

 

Quando você se despede do latim, significa que você pode usá-lo para documentos canônicos, pode usá-lo como a língua de alguns documentos, mas a experiência de fé não é mais feita em latim. Isso temos que aprendê-lo, temos que dizê-lo. O tradicionalismo bloqueia o latim como língua intocável e pensa que assim protege a fé. É um de muitos exemplos, mas acredito que dá uma boa ideia.

 

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